sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Queda do ministro serve de alerta

Queda do ministro serve de alertaPor Altamiro Borges, em seu blog
26/10/2011
 É urgente pressionar o governo Dilma Rousseff, pautado e refém da mídia, a mudar de atitude.
O lamentável episódio da queda do ministro Orlando Silva deveria servir de alerta às forças democráticas da sociedade brasileira – que lutaram contra as torturas e assassinatos na ditadura militar e que, hoje, precisam encarar como estratégica a luta contra a ditadura midiática, em defesa da verdadeira liberdade de expressão e da efetiva ampliação da democracia no Brasil.
A mídia hegemônica hoje tem um poder tão descomunal que ela “investiga”, sempre de forma seletiva (blindando seus capachos); tortura (seviciando, inclusive, as famílias das vítimas); usa testemunhas “bandidas” (como um policial preso por corrupção, enriquecimento ilícito e suspeito de assassinato); julga (sem dar espaço aos “acusados”); condena (como nos tribunais nazistas); e fuzila!

Um pragmatismo covarde e suicida
Ninguém está imune ao poder ditatorial da mídia, controlada por sete famílias – Marinho (Globo), Macedo (Record), Saad (Band), Abravanel (SBT), Civita (Abril), Frias (Folha) e Mesquita (Estadão). Como o império Murdoch, hoje investigado por seus subornos e escutas ilegais, a mídia nativa é criminosa, mafiosa, sádica e abjeta. Ela manipula informações e deforma comportamentos.
Não dá mais para aceitar passivamente seu poder altamente concentrado, que, como disse o governador Tarso Genro – pena que não tenha agido com esta visão quando ministro da Justiça –, ruma para um “fascismo pós-moderno”. Essa ditadura amedronta e acovarda políticos sem vértebra, pauta a agenda política, difunde os dogmas do “deus-mercado” e criminaliza as lutas sociais.

Três desafios diante da ditadura midiática
Esta ditadura é cruel, sem qualquer escrúpulo ou compaixão. Ela utiliza seus jagunços bem pagos, sob o invólucro de “colunista” e “comentaristas”, para fazer o trabalho sujo. Muitos são agentes do “deus-mercado”, lucram com seus negócios rentistas; outros são adeptos da “massa cheirosa”, das elites arrogantes e burras. Eles fingem ser “neutros”, mas são adoradores da direita fascistóide.
Enquanto não se enfrentar esta ditadura midiática, não haverá avanços na democracia brasileira, na luta dos trabalhadores ou na superação das barbáries capitalistas. Neste enfrentamento, três desafios estão colocados:

1- Não ter qualquer ilusão com a mídia hegemônica; chega de babaquice e servilismo diante da chamada “grande imprensa”;
2- Investir em instrumentos próprios de comunicação. A luta de idéias não é “gasto”, é investimento estratégico;
3- Lutar pela regulação da mídia e por políticas públicas na comunicação, que coíbam o poder fascista do império midiático.
Chega de covardia diante dos fascistas midiáticos.

O criminoso episódio da tentativa de invasão do apartamento do ex-ministro José Dirceu num hotel em Brasília parece que serviu de sinal de alerta ao PT. Em seu encontro nacional, o partido aprovou a urgência de um novo marco regulatório da comunicação. Um seminário está previsto para final de novembro. Já no caso da queda Orlando Silva, o clima é de total indignação e revolta.
Que estes trágicos casos sirvam para mostrar que, de fato, a luta pela democratização da comunicação é uma questão estratégica. Não dá mais para se acovardar diante da ditadura da mídia. O governo Dilma precisa ficar esperto. Hoje são ministros depostos; amanhã será o sangramento e a derrota da própria presidenta e do seu projeto, moderado, de mudanças no Brasil.

Superar a choradeira e a defensiva
A esquerda política e social precisa rapidamente definir um plano de ação unitário de enfrentamento à ditadura midiática. As centrais sindicais e os movimentos populares, tão criminalizados em suas lutas, precisam sair da defensiva e da choradeira. Os partidos progressistas também precisam superar seu pragmatismo acovardado. A conjuntura exige respostas altivas e corajosas!

É urgente pressionar o governo Dilma Rousseff, pautado e refém da mídia, a mudar de atitude. Do contrário, não sobrará que defenda a continuidade deste projeto, moderado, de mudanças no Brasil. A direita retornará ao poder, alavancada pela mídia! Aécio Neves, o chefe de censura em Minas Gerais, será presidente! E ACM Neto, o herói da degola de Orlando Silva, será o chefe da Casa Civil!

domingo, 9 de outubro de 2011

A rebeldia no coração do sistema

A rebeldia no coração do sistema

É provocativo viver momentos que farão história, e tentar compreendê-los. Por suas inúmeras novidades, 2011 será lembrado durante muito tempo — e a partir de agora, há um motivo a mais. Occupy Wall Street, um movimento de contestação do sistema que nasceu com ousadia mas alcance limitado, em 17 de setembro, ganhou nos últimos dias novas dimensões. Inspirado pelas ideias da autonomia e contracultura — mas reforçado por jovens mais movidos pela defesa de seus interesses que pela ideologia anticapitalista –, espalhou-se, no fim-de-semana, por dezenas de cidades norte-americanas: do Texas ao Havaí; de Boston a Memphis. Na segunda-feira, recebeu a adesão de alguns dos maiores sindicatos norte-americanos. Ontem (5/10), já engrossado por este apoio, organizou uma marcha de 15 mil pessoas, em Manhattan.  Ao receber adesões e influências, está se convertendo, antropofagicamente, em algo muito distinto de todas as tendências que o compõem — anarquismo, hippíes, juventude desencantada, trabalhadores organizados. Talvez aí residam sua potência e sua capacidade de contribuir com a construção de uma nova cultura política — uma necessidade que também ficou mais clara que nunca este ano.

Um texto publicado hoje, em nossa revista virtual, ajuda a compreender as origens do movimento. Foi produzido para The Nation por Nathan Schneider, um ativista ligado à cultura de paz e à organização dos movimentos de base (grassroots, no jargão político norte-americano) [e traduzido pela rede Vila Vudu]. Revela que os preparativos para um acampamento próximo ao centro financeiro de Nova York e do mundo começaram em julho. Foram conduzidos por três pequenos coletivos: Adbusters (uma rede global anti-consumista, fundada no Canadá e presente em especial na América do Norte), Day of Rage (uma rede de grupos jovens cujos alvos parecem ser, como na Espanha, os banqueiros e políticos) e Anonymous (uma espécie de guerrilha digital em rede, que luta especialmente pela liberdade na internet).

Redigido na forma de perguntas e respostas, o breve texto de Nathan reconhece que o início foi difícil. Os organizadores esperavam reunir 20 mil pessoas em Wall Street, em 17 de setembro — um sábado. Mobilizaram um décimo disso. Os participantes enfrentaram a vida dura com coragem. Quase todos com menos de 25 anos, dormiram ao frio, em colchonetes finos, sobre o chão da Liberty Plaza, próxima a pontos por onde trafegam trilhões de dólares todos os dias.

Mas tinham a seu favor dois fatores muito poderosos. Primeiro, o caráter simbólico do ato. Num país em que a direita domina o debate político, acua e coloca em xeque o próprio presidente e conquistou as ruas (por meio do Tea Party), o pequeno grupo de garotos e garotas foi capaz de fazer o que o establishment  progressista não conseguiu. Encarar a onda conservadora, produzir um fato político que revela audácia, convicção e atitude. Tocar simbolicamente, além disso, numa das grandes chagas da sociedade norte-americana: a imensa concentração de riquezas em favor do sistema financeiro, que está ameaçando inclusive os direitos básicos da maior parte da população.
O segundo fator que impulsionou o movimento está relacionado a isso, e é muito concreto. Ao questionar o mercado financeiro, os jovens acampados abriram diálogo com milhões de norte-americanos que estão angustiados com dívidas imobiliárias, junto aos cartões de crédito, ligadas ao financiamento de automóveis ao pagamento de mensalidades escolares e a um enorme feixe de contratos que se relacionam com a garantia da vida quotidiana. Estes milhões de endividados sofrem com a ausência de políticas que aliviem seus dramas, enquanto assistem, há pelo menos dois anos, aos anúncios de socorro público trilionário aos bancos e instituições que… provocaram a crise financeira. Como não se revoltar? “As coisas pioraram tanto que todo mundo quer participar”, contou a repórteres do Financial Times Ross Fuentes, uma garota acampada de 23 anos que integra o Partido do Socialismo Libertário — umas das organizações que se envolveram nos protestos desde a fase mais difícil.

A partir do final da semana passada, chegaram os sindicatos. Havia muitas razões para eles se envolverem, num cenário em que o desemprego ultrapassa 10%, os salários reais caem há anos, os trabalhadores estão muito endividados e não têm nenhuma certeza em relação a seu futuro? As necessidades comuns romperam barreiras. Há várias décadas, as relações entre sindicalismo e movimentos de contracultura são tensas — e conflituosas, na maior parte do tempo — nos Estados Unidos.


Reportagem de Tina Susman, no Los Angeles Times revela: um sinal de que é possível superar velhos traumas surgiu ontem, na passeata em Nova York. Entre as milhares de pessoas, encontraram-se, lado a lado, jovens anticapitalistas e enfermeiras em defesa do sistema de saúde. A fusão e diálogo entre os públicos, notou Tina, apareceu na diversidade das mensagens exibidas pelos participantes: “Havia cartazes protestando contra o racismo, o presidente Obama, os republicanos, os democratas, a fome, as guerras no Iraque e Afeganistão. Em contrapartida, defendia-se os direitos dos trabalhadores, os dos prisioneiros em greve de fome, mais impostos para os milionários e a reestruturação do sistema financeiro”.

Num sinal de que o movimento pode se enraizar, estavam presentes ícones da cultura norte-americana. A presença de Michael Moore  era de se esperar — assim como o apoio expresso há dias, ao movimento, por intelectuais de esquerda como Noam Chomsky e Tarik Ali. A novidade foi a participação, na marcha, de atores como Tim Robbins e Penn Badgley.

Se mantiverem esta amplitude, e o foco no sistema financeiro, as manifestações do Occupy Wall Street podem acrescentar um ingrediente novo, a um cenário marcado pelo atrelamento das elites dos países mais ricos a dogmas e por sua irresponsabilidade diante de problemas de enorme gravidade. Também nos Estados Unidos, há sinais de que a opinião pública prefere buscar o novo. A reportagem em que o New York Times registrou a difusão das manifestações revela que em Chicago, como inúmeras outras cidades, a paisagem dos acampamentos é marcada por mesas onde se oferece comida grátis — talvez um símbolo de que relações não-mercantis podem se espalhar. A ideia, que pode ter feito Milton Friedman revirar na tumba, está sendo bem aceita por seus concidadãos. Os gêneros são coletados junto à população. Na segunda-feira (3/2), os organizadores viram-se incapazes de consumir todo o alimento que lhes foi doado, e convidaram os sem-teto para compartilhar a refeição.

Publicado em 6 de outubro por Antonio Martins no rede social Outras Palavras

sábado, 8 de outubro de 2011

O BRASIL PRECISA DE SERRA E FHC!

 Reproduzimos abaixo trechos de artigo homônimo de Izaias Almada, publicado em Debate Aberto no sítio da Carta Maior.

O BRASIL PRECISA DE SERRA E FHC!
....

"O Brasil precisa de Serra e FHC para esquecer o passado;

O Brasil precisa de Serra e FHC para se lembrar de não mais abaixar servilmente a cabeça para países arrogantes e de natureza imperialista;

O Brasil precisa de Serra e FHC para mostrar a si mesmo e ao mundo que outro país é possível;

O Brasil precisa de Serra e de FHC para sempre se lembrar que não é preciso chegar ao limite da irresponsabilidade;

O Brasil precisa de Serra e de FHC para, desmentindo-os, jamais privatizar sua riqueza e entregar o país a grupos internacionais;

O Brasil precisa de Serra e FHC para mostrar, na prática, que criar 15 milhões de empregos em carteira não é uma questão de promessa eleitoral;

O Brasil precisa de Serra e FHC para, paradoxalmente ignorando-os, mostrar ao povo brasileiro como é possível manter em mãos do país uma empresa como a Petrobrás, sem descaracterizá-la ou entregá-la a grupos estrangeiros;

O Brasil precisa de Serra e FHC para, ao contrário deles, perceber que o mundo começa à nossa volta, com os nossos vizinhos da América do Sul e do Caribe;

O Brasil precisa de Serra e FHC, enfim, para sacudir a poeira do atraso, o colonialismo cultural e assumir em definitivo o seu destino de grande nação.
"

....

A trajetória desses dois expoentes do PSDB é emblemática em vários sentidos: FHC pelo exercício aligeirado e elegante do mando político, mas desprovido de maior conteúdo; Serra pela obsessão em chegar à presidência da república, gabando-se de ser um dos brasileiros mais preparados para isso.

FHC comandou um país subalterno e dependente economicamente de empréstimos obtidos junto ao Fundo Monetário Internacional, vendendo a trinta dinheiros várias empresas públicas, incentivando o verdadeiro mensalão para a aprovação da reeleição em causa própria, deixando varrer para debaixo do tapete a grande negociata das privatizações, eliminando conquistas trabalhistas de décadas, mantendo um salário mínimo de fome, sucateando e mercantilizando a educação e as escolas e universidades, negligenciando a saúde, para lá indicando seu fiel escudeiro e até então protegido.

....
O Brasil desses dois homens, nesses tempos informatizados, em que a realidade muda com grande rapidez, se transformou também rapidamente num Brasil do passado; no Brasil dos envergonhados de serem brasileiros; no Brasil dos subalternos, da política externa submissa, dos que adoram encher a boca para falar mal do seu país; no Brasil dos arrogantes de títulos acadêmicos e de togas acima do bem e do mal, dos que comem peru e pensam arrotar caviar; no Brasil das citações de pé de página; no Brasil em que muitos insistem na justiça mais flexível para a Casa Grande e na mais rígida obediência às leis para a senzala; no Brasil dos que ainda anseiam por golpes militares; no Brasil da improvisação no lugar do conhecimento, muitas vezes maquiada de competência; no Brasil dos armários cheios de esqueletos físicos e morais; no Brasil de um passado que tem medo da verdade; no Brasil de uma imprensa chantagista e irresponsável, legando aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef, o pesado fardo de consertar muita sujeira e muita incompetência de seu passado mais recente, tão evidente e tão escondido pela mídia.

Na parede da ante-sala desse novo país que, tudo indica, está sendo construído, será preciso colocar o retrato emoldurado desses dois personagens. E olhando-o, sem qualquer saudade, ainda assim invocarmos o grande poeta mineiro usando o tempo do verbo de nossa lamentação no passado: “E como doeu!”.


Izaías Almada
Escritor e dramaturgo. Autor da peça “Uma Questão de Imagem” (Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos) e do livro “Teatro de Arena: Uma Estética de Resistência”, Editora Boitempo.

A Grande Mídia e Lula

Jaime Sautchuk: A Grande Mídia e Lula


A condecoração recebida pelo ex-presidente Lula na semana passada, na França, recebeu um tratamento vergonhoso na grande mídia brasileira. Da mesma forma que a iniciativa para criação do Estado da Palestina tem sido desdenhada e solapada.

Por Jaime Sautchuk*


Eu pensava em escrever um artigo sobre o tema, quando recebi uma mensagem de um amigo. É Jeremias Bastos Filho, ou Jerê, um graduado dirigente da Universidade de Brasília (UnB), que há décadas acompanha o desenvolvimento da universidade brasileira. Tem, pois, autoridade para falar.

Em vez de escrever, então, resolvi reproduzir a mensagem indignada desse amigo. É esta:

Lula em Paris: imprensa sabuja dá vexame

Por que Lula e não Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, para receber uma homenagem da instituição?

Começa assim, acreditem, com esta pergunta indecorosa, a entrevista de Deborah Berlinck, correspondente de O Globo em Paris, com Richard Descoings, diretor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences- Po, que entregou o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula, na tarde desta terça-feira.

Resposta de Descoings:
"O antigo presidente merecia e, como universitário, era considerado um grande acadêmico (...) O presidente Lula fez uma carreira política de alto nível, que mudou muito o país e, radicalmente, mudou a imagem do Brasil no mundo. O Brasil se tornou uma potência emergente sob Lula, e ele não tem estudo superior. Isso nos pareceu totalmente em linha com a nossa política atual no Sciences- Po, a de que o mérito pessoal não deve vir somente do diploma universitário. Na França, temos uma sociedade de castas. E o que distingue a casta é o diploma. O presidente Lula demonstrou que é possível ser um bom presidente, sem passar pela universidade".

A entrevista completa de Berlinck com Descoings foi publicada no portal de O Globo às 22h56 do dia 22/9. Mas a história completa do vexame que a imprensa nativa sabuja deu estes dias, inconformada por Lula ter sido o primeiro latino-americano a receber este título, que só foi outorgado a 16 personalidades mundiais em 140 anos de história da instituição, foi contada por um jornalista argentino, Martin Granovsky, no jornal Página 12.

Tomei emprestada de Mino Carta a expressão imprensa sabuja porque é a que melhor qualifica o que aconteceu na cobertura do sétimo e mais importante título de Doutor Honoris Causa que Lula recebeu este ano. Sabujo, segundo as definições encontradas no Dicionário Informal, significa servil, bajulador, adulador, baba-ovo, lambe-cu, lambe-botas, capacho.

Sob o título "Escravocratas contra Lula", Granovsky relata o que aconteceu durante uma exposição feita na véspera pelo diretor Richard Descoings para explicar as razões da iniciativa do Science-Po de entregar o título ao ex-presidente brasileiro.

"Naturalmente, para escutar Descoings, foram chamados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático (...). Um dos colegas perguntou se era o caso de se premiar a quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado (...).

"Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção", foi a pergunta seguinte. O professor sorriu e disse: "Veja, Sciences-Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o julgamento da História este assunto e outros muito importantes, como a eletrificação das favelas em todo o Brasil e as políticas sociais (...). Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente, não damos lições de moral a outros países."

"Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa de Lula era parte da ação afirmativa do Sciences-Po. Descoings o observou com atenção, antes de responder. "As elites não são apenas escolares ou sociais”, disse. "Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro-mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas".

No final do artigo, o jornalista argentino Martin Granovsky escreve, para vergonha dos jornalistas brasileiros:

"Em meio a esta discussão, Lula chegará à França. Convém que saiba que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences-Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria exercer o recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terra e escravos. Assim, Lula, silêncio, por favor. Os da Casa Grande estão irritados".

Desde que Lula passou o cargo de presidente da República para Dilma Rousseff, há nove meses, a nossa grande imprensa tenta jogar um contra o outro e procura detonar a imagem do seu governo, que chegou ao final dos oito anos com índices de aprovação acima de 80%.

Como até agora não conseguiram uma coisa nem outra, tentam apagar Lula do mapa. O melhor exemplo foi dado hoje pelo maior jornal do país, a Folha de S. Paulo, que não encontrou espaço na sua edição de 74 páginas para publicar uma mísera linha sobre o importante título outorgado a Lula pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris.

Em compensação, encontrou espaço para publicar uma simpática foto de Marina Silva ao lado de Fernando Henrique Cardoso, em importante evento do instituto do mesmo nome, com este texto-legenda:

"AFAGOS - FHC e Marina em debate sobre Código Florestal no instituto do ex-presidente; o tucano creditou ao fascínio que Marina gera o fato de o auditório estar lotado".

Assim como decisões da Justiça, critérios editoriais não se discutem, claro.

Enquanto isso, em Paris, ainda segundo relato publicado no portal de O Globo pela correspondente Deborah Berlinck, às 16h37, ficamos sabendo que:

"O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido com festa no Instituto de Estudos Políticos de Paris – o Sciences-Po –, na França, para receber mais um título de doutor honoris causa, nesta terça-feira. Tratado como uma estrela desde sua entrada na instituição, ele foi cercado por estudantes e, aos gritos, foi saudado. Antes de chegar à sala de homenagem, em um corredor, Lula ouviu, dos franceses, a música de Geraldo Vandré, ‘para não dizer que eu não falei das flores’”.

"A sala do instituto onde ocorreu a cerimônia tinha capacidade para 500 pessoas, mas muitos estudantes ficaram do lado de fora. O diretor da universidade, Richard Descoings, abriu a cerimônia explicando que a escolha do ex-presidente tinha sido feita por unanimidade".

Em seu discurso de agradecimento, Lula disse:

"Embora eu tenha sido o único governante do Brasil que não tinha diploma universitário, já sou o presidente que mais fez universidades na história do Brasil, e isso possivelmente porque eu quisesse que parte dos filhos dos brasileiros tivesse a oportunidade que eu não tive".

Para certos brasileiros, certamente deve ser duro ouvir estas coisas. É melhor nem ficar sabendo.
 
*Jaime Sautchuk é colunista do Portal Vermelho, trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de S. Paulo, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E, na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.

sábado, 1 de outubro de 2011

O dia em que o ex-servo virou Doutor na França

Urariano Mota: O dia em que o ex-servo virou Doutor na França

por Urariano Mota, em Direto da Redação

Recife (PE) – No dia em que Lula recebeu o título de doutor honoris causa na França, o diretor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, Ruchard Descoings, chamou a imprensa para uma coletiva. É claro que jornalistas do Brasil não poderiam faltar, porque se tratava de um ilustre brasileiro a receber a honra, pois não? Pois sim, deem uma olhada no que escreveu Martín Granovsky, um argentino que honra a profissão, no jornal Página 12. Para dizer o mínimo, a participação de “nossos” patrícios foi de encher de vergonha. Seleciono alguns momentos do brilhante artigo de Martín,  Escravistas contra Lula:

“Para escutar Descoings foram chamados vários colegas brasileiros… Um deles perguntou se era o caso de premiar quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado. Talvez Descoings soubesse que essa declaração de Lula não consta em atas, embora seja certo que Lula não tenha um título universitário. Também é certo que quando assumiu a presidência, em primeiro de janeiro de 2003, levantou o diploma que é dado aos presidentes do Brasil e disse: ‘Uma pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginou que o primeiro seria de presidente da República’. E chorou.
Por que premiam um presidente que tolerou a corrupção?’, foi a pergunta seguinte. Outro colega brasileiro perguntou se era bom premiar alguém que uma vez chamou de ‘irmão’ a Muamar Khadafi. Outro, ainda, perguntou com ironia se o Honoris Causa de Lula era parte da política de ação afirmativa do Sciences Po.
Descoings o observou com atenção antes de responder. ‘As elites não são apenas escolares ou sociais’, disse. ‘Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas’ ”.

Houve todas essas intervenções estúpidas e deprimentes. Agora, penso que cabem duas ou três coisas para  reflexão. A primeira delas é a educação de Lula. Esse homem, chamado mais de uma vez pela imprensa brasileira de apedeuta, quando o queriam chamar, de modo mais simples, de analfabeto, burro, jumento nordestino, possui uma educação que raros ou nenhum doutor possui. Se os nossos chefes de redação lessem alguma coisa além das orelhas dos livros da moda, saberiam de um pedagogo de nome Paulo Freire, que iluminou o mundo ao observar que o homem do povo é culto, até mesmo quando não sabe ler. Um escândalo, já veem. Mas esse ainda não é o ponto. Nem vem ao caso citar Máximo Górki em Minhas Universidades, quando narrou o conhecimento que recebeu da vida mais rude.
Fiquemos na educação de Lula, este é o ponto. Será que a miserável elite do Brasil não percebe que o ex-presidente se formou nas lutas e relações sindicais? Será que não notam a fecundação que ele recebeu de intelectuais de esquerda em seu espírito de homem combativo? Não, não sabem e nem veem que a presidência de imenso sindicato de metalúrgicos é uma universidade política, digna dos mais estudiosos doutores. Preferem insistir que a maior liderança da democracia das Américas nunca passou num vestibular, nem, o que é pior, defendeu tese recheada de citações dos teóricos em vigor. Preferem testar essa criação brasileira como se falassem a um estudante em provas. Como nesta passagem, lembrada por Lula em discurso:


“Me lembro, como se fosse hoje, quando eu estava almoçando na  Folha de S. Paulo.  O diretor da Folha de São Paulo perguntou pra mim: ‘O senhor fala inglês? Como é que o senhor vai governar o Brasil se o senhor não fala inglês?’… E eu falei pra ele: alguém já perguntou se Bill Clinton fala português? Eles achavam que o Bill Clinton não tinha obrigação de falar português!… Era eu, o subalterno, o colonizado, que tinha que falar inglês, e não Bill Clinton o português!’

O jornalista argentino Martín Granovsky observa ao fim que um trabalhador não poderia ser presidente. Que no Brasil a Casa Grande sempre esteve reservada para os proprietários de terra e de escravos. Que dirá a ocupação do Palácio do Planalto. Lembro que diziam, na primeira campanha de Lula para a presidência, que dona Marisa estava apreensiva, porque não sabia como varrer um palácio tão grande….Imaginem agora o ex-servo, depois de sentar a bunda por duas vezes no Planalto, virar Doutor na França. O mundo vai acabar.
O povo espera que não demore vir abaixo.