quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Surpresa: a Tunísia era uma ditadura

Surpresa: a Tunísia era uma ditadura
19/01/2011 - 08:48 Igor Fuser São Paulo

Quando eu ingressei como redator na editoria de assuntos internacionais da Folha de S.Paulo, um colega veterano me ensinou como se fazia para definir quais, entre as centenas de notícias que recebíamos diariamente, seriam merecedoras de destaque no jornal do dia seguinte. "É só olhar os telegramas das agências e ver o que elas acham mais importante", sentenciou. Pragmático, ele adotava esse método como um meio seguro de evitar que o noticiário da Folha destoasse dos jornais concorrentes, os quais, por sua vez, se comportavam do mesmo modo. Na realidade, portanto, quem pautava a cobertura internacional da imprensa brasileira era um restrito grupo de três agência noticiosas -- Reuters, Associated Press e United Press International, todas afinadíssimas com as prioridades geopolíticas dos Estados Unidos.
Passadas mais de duas décadas, a cobertura internacional da mídia brasileira ainda se orienta por diretrizes estrangeiras. A única diferença é que agora as agências enfrentam a competição de outros fornecedores de informação, como a CNN e os serviços de empresas como a BBC e o New York Times, oferecidos pela internet. Mas o conteúdo é o mesmo. O resultado é que as informações internacionais que circulam pelo planeta, reproduzidas com mínimas variações em todos os continentes, são quase sempre aquelas que correspondem aos interesses de Washington.

Quem confia nessa agenda está condenado uma visão parcial e distorcida, uma ignorância que só se revela quando ocorrem "surpresas" como a rebelião popular que derrubou o governo da Tunísia. De repente, o mundo tomou conhecimento de que a Tunísia -- um país totalmente integrado à ordem neoliberal e um dos destinos favoritos dos turistas europeus -- era governada há 23 anos por um ditador corrupto, odiado pelo seu povo. Como é que ninguém sabia disso?

A mídia silenciou sobre o despotismo na Tunísia porque se tratava de um regime servil aos interesses políticos e econômicos dos EUA. O ditador Ben Ali nunca foi repreendido por violações aos direitos humanos e, mesmo quando ordenou que suas forças repressivas abrissem fogo contra manifestantes desarmados, matando dezenas de jovens, o presidente estadunidense Barack Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, permaneceram em silêncio. Não abriram a boca nem mesmo para tentar conter o massacre. Só se manifestaram depois que Ben Ali fugiu do país, como um rato, carregando na bagagem mais de uma tonelada de ouro. O caso da Tunísia não é o único na região. No vizinho Egito, outro regime vassalo dos EUA, Hosni Mubarak governa ditatorialmente desde 1981. Suas prisões estão lotadas de opositores políticos e as eleições ocorrem em meio à fraude e à violência, o que garante ao governo quase todas as cadeiras parlamentares. Mas o que importa, para o "Ocidente", é o apoio da ditadura egípcia às posições estadunidenses no Oriente Médio, em especial sua conivência com o expansionismo israelense.

Por isso, a ausência de democracia em países como a Tunísia e o Egito nunca recebe a atenção da mídia convencional, ao contrário da condenação sistemática de regimes autoritários não-alinhados com os EUA, como o Irã e o Zimbábue. É sempre assim: dois pesos, duas medidas.

*Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato. Igor Fuser é jornalista, doutorando em Ciência Política na USP, professor na Faculdade Cásper Líbero e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato. Siga o Opera Mundi no Twitter

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Partido único nos Estados Unidos

Partido único nos Estados Unidos

Falsa democracia? Onde está a maior e melhor democracia do mundo, se o sistema funciona como se tivesse apenas um partido ? E ainda tem coragem de cobrar democracia no resto do mundo ?

(reproduzimos abaixo trechos de La Jornada sobre o título acima)


O grande romancista e ensaísta Gore Vidal repetiu durante anos: temos um só partido, um partido essencialmente do empresariado estadunidense, com duas alas de direita, uma chamada os democratas, outra chamada os republicanos .E como para comprovar o que disse o escritor, esta semana, o presidente Barack Obama, nomeou a Jeffrey Immelt, executivo-chefe da mega-empresa multinacional General Electric (GE) para encabeçar uma comissão executiva para propor iniciativas a fim de gerar empregos.


Na semana passada, Obama nomeou William Daley - ex- alto executivo do banco J.P. Morgan Chase que como secretário de Comércio de Bill Clinton foi o principal promotor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte- como seu novo chefe de gabinete. Todo analista e o noticiário ressaltou as movimentações como uma mensagem de amizade com a cúpula empresarial e financeira do país.

Em seu informe anual à nação programado para a próxima terça-feira, segundo o que a Casa Branca divulgou aos meios de comunicação, Obama enfatizará a competitividade dos Estados Unidos e ressaltará o papel do setor privado na geração de emprego e na promoção do comércio internacional. Para isso, oferecerá ainda mais incentivos às empresas, incluindo possivelmente mais reduções de impostos, e promovendo a aprovação de mais tratados de livre comércio, especificamente os pendentes com a Coreia do Sul e o Panamá.Sua mensagem ao Congresso, terá uma ênfase diferente ao enfrentar uma maioria republicana no controle da câmara que reduz sua margem de manobra política para propor iniciativas de estímulo econômico através de maior gasto governamental.

Enquanto isso, Obama e sua equipe estão somando-se à posição empresarial, e à liderança do Partido Republicano, ao identificar o déficite fiscal e a dívida nacional como o tema de maior prioridade no país.Por sua vez, duas famosas figuras do Partido Democrata, os recém-eleitos governadores Jerry Brown, da Califórnia, e Andrew Cuomo, de Nova Iorque, declararam guerra aos funcionários públicos, inclusive ao professorado, ao afirmar que o pagamento de pensões, benefícios de saúde e outras obrigações são o inimigo da política fiscal sadia e que reduzi-los ou anulá-los é a única maneira de superar os enormes déficites que enfrentam os governos estaduais e municipais, posições aplaudidas pela cúpula empresarial.

Ou seja, segundo essa visão, os funcionários públicos, os professores, os desempregados, os que mais necessitam de assistência econômica, são os culpados pelo déficit e a dívida e os financistas e empresários que se encarregaram, junto com os políticos neoliberais, de levar o país a este desastre, são os que se encarregarão de resgatar o país… do desastre que eles provocaram.

Embora tanto Obama e seus democratas como a liderança republicana insistam em que promovem a redução do gasto público e não aumentar impostos porque o povo o exige, as pesquisas comprovam quase o oposto. Esta semana uma sondagem da CBS News/New York Times registrou que a maioria se opõe às reduções nos gastos para programas sociais básicos como o Seguro Social ou Medicare (o programa de seguro de saúde para os idosos), e até estão dispostos a aceitar mais impostos para manter viáveis esses programas.Isto apesar de que também uma maioria prefere maiores reduções nos gastos do governo que um incremento de impostos para resolver o déficite. De fato, 55 por cento é a favor da redução da despesa pública cortando fundos para o Pentágono. Ou seja, o contrário do que propõem as cúpulas políticas dos dois partidos.Talvez isto explique por que amplas maiorias não confiam nos líderes de nenhum dos dois partidos diante desta crise. Una pesquisa do Pew Research Center feita no mês passado registrou que 72 por cento estão insatisfeitos com as condições nacionais, que quase seis em cada 10 pessoas creem que está aumentando o fosso entre pobres e ricos enquanto que poucos creem que os políticos em Washington resolverão os problemas para o bem das maiorias.Na última pesquisa desse mesmo instituto sobre o tema, em abril do ano passado, somente 22 por cento confiavam no governo. A taxa de aprovação do Congresso permaneceu em torno de 25 por cento durante os últimos anos. A pesquisa da CBS News registra que 52 por cento opinam que Obama não tem as mesmas prioridades dos entrevistados.

Isto é, os representantes do povo em Washington, de ambos os partidos, simplesmente não representam as opiniões do povo nem compartilham seus interesses. As grandes diferenças sobre política econômica que supostamente distinguem um partido do outro estão desaparecendo e cada dia se torna mais claro que há uma palavra de ordem para a cúpula política em Washington: o que é bom para os empresários é bom para o país. Não se necessita mais do que um partido para expressar isso.

Fonte: La Jornada

domingo, 23 de janeiro de 2011

INFLAÇÃO, JUROS E A “ARMADILHA DA CONJUNTURA"

INFLAÇÃO, JUROS E A “ARMADILHA DA CONJUNTURA"

“Não é mais suficiente ficarmos numa grita única condenando aumentos sucessivos da taxa de juros. Infelizmente, as coisas passam a ter caráter anticientífico, de bem (“combate à inflação”) contra o mal ("aumento de salário mínimo", “estouro da previdência”, “farra de gastos” etc).
Por Renato Rabelo, em seu blog

O que piora o quadro é o fato de a repetição de ações humanas (utilização do ferramental dos juros contra a inflação, por exemplo) ter-se transformado em lei quase objetiva do sistema. Num quadro desses, uma das únicas soluções é partirmos para o acirrado e necessário debate e combate de ideias. Vejamos alguns exemplos. Impera uma “verdade estabelecida” de que o aumento do salário mínimo redundaria numa onda de pressão inflacionária. Ou mesmo a lógica pobre de que “crescimento gera inflação”. Qualquer análise que se baseie puramente na fotografia do presente irá corroborar essa tese.

Por outro lado, sabendo-se que a elevação da demanda dá-se em velocidade maior que a oferta e que somente no médio e longo prazos é que essa relação entre oferta e demanda tende a se estabilizar é que teremos condições de advogar – com base em ciência histórica – a necessidade de se enfrentar o tal problema da inflação não a partir de ilações conjunturais e sim como parte de um todo que envolve o alargamento da base de oferta partindo do pressuposto do aumento da taxa de investimentos com relação ao PIB.

Eis o “x” do problema: a lógica da governança brasileira, principalmente, a partir da década de 1990 passou a ser o exercício de busca de objetivos imediatos, sendo o principal deles o do “combate à inflação”. Daí o senso comum a histórico (qual país do mundo prosperou sob políticas macroeconômicas como a praticada no Brasil? Como advogar o “corte de gastos” com uma crescente dívida interna?) estabelecido atualmente na discussão econômica. Existe toda uma problemática ideológica que nasce no velho debate do agrarismo x industrialismo, porém na medida em que a indústria nacional passou a ser uma conservadora realidade, o nível desse debate atingiu outro nível: ou se continuaria o esforço industrializante iniciado com Revolução de 1930 sob o pressuposto da criação de um sistema financeiro como base material a continuidade deste mesmo processo ou nos remeteríamos a uma inserção externa subalterna baseada na velha ladainha da inexistência de poupança interna (daí a taxa de juros como forma de atrair poupança externa). Os antigos agraristas passaram a se vestir sob o traje “modernizante” dos ditos monetaristas com a missão divina de corrigir os “imensos erros” cometidos em quase 60 anos de história da industrialização brasileira.

Devemos nos pautar pela fuga a esta “armadilha da análise conjuntural”. Nesse contexto, podemos questionar e debater sobre a possibilidade de um país urbano-industrial como o Brasil se contentar em ocupar seu lugar na divisão social do trabalho com exportações de commodities e importações de máquinas e equipamentos. Podemos questionar como essa orientação posta vai ser suficiente para o crescente gargalo infraestrutural. Podemos e devemos questionar qual o futuro de nossa juventude em um país cuja desindustrialização é algo passível de se tornar fenômeno objetivo e onde o setor de serviços não cresce nas áreas ditas “tecnológicas” e sim onde os baixos salários são os mais reprimidos possíveis. Podemos e devemos questionar quando, de fato, o crescimento brasileiro vai deixar de ser puxado pela construção civil e serviços em prol do alavancamento dos investimentos produtivos? Vamos restringir o papel do planejamento a simples conta do orçamento anual da União ou vamos até às últimas consequências na utilização desse ferramental para conceber o futuro do país? Continuaremos, reacionariamente, combatendo a inflação pelo resto da vida nacional ou deixaremos de analisar a inflação como uma anomalia e sim, como tudo na vida social, algo de caráter cíclico, com determinações mais estruturais do que conjunturais?Enfim, o debate está colocado.

Não se solucionará os impasses da vida econômica e social do Brasil sob parâmetros conjunturais. Temos ao nosso lado a ciência e a história de construção nacional única no chamado Ocidente. É momento de nosso país se encontrar consigo mesmo sob o preço de pagarmos caro por nossas opções macroeconômicas datadas do final das eleições de 1989 e do Consenso de Washington.”

FONTE: escrito por Renato Rabelo, em seu blog, e transcrito no portal “Vermelho”

domingo, 16 de janeiro de 2011

O ICMS e a Lei Robin Hood

O ICMS e a Lei Robin Hood
*Daniel Miranda Soares

A carga tributária brasileira é, de fato, excessiva para a população mais pobre. Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), concluiu que quem ganha até dois salários mínimos (R$ 1.020) compromete 48,9% de sua receita com impostos, enquanto os que recebem mais de 30 mínimos (R$ 15.300) sofrem uma carga de apenas 26,3%. O problema real no Brasil, como apontado pelo Ipea, é que a tributação de bens e serviços representa 48,44% do total da carga, enquanto os impostos sobre a renda e o patrimônio correspondem a somente 23,63% (destes, os tributos sobre o patrimônio chegam a 3,18%). A exagerada importância dos primeiros, chamados de impostos indiretos, em detrimento dos últimos, que são os impostos diretos, faz com que o sistema tributário brasileiro seja altamente regressivo, isto é, atinja proporcionalmente mais aos pobres, ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos; onde os governos arrecadam mais impostos diretos.

O imposto que mais se arrecada no Brasil é o ICMS – um imposto indireto, que incide sobre bens e serviços atingindo proporcionalmente mais os mais pobres. O Imposto de Renda é o segundo, mas é um imposto direto, atinge proporcionalmente ricos e pobres. Imposto direto – quanto maior a renda mais se paga imposto. Imposto Indireto – quanto maior a renda, menos proporcionalmente se paga este imposto, os pobres pagam proporcionalmente mais.

Outro problema no Brasil é a centralização fiscal nas mãos dos governos centrais. Os municípios brasileiros arrecadam cerca de 18% do total dos tributos em geral – em países como Colômbia, Chile, Bolívia e em países continentais e federativos como os EUA, Canadá e Austrália – os municípios arrecadam cerca de 30% do total. Afinal quem está mais próximo do cidadão é o município, daí a necessidade de descentralização fiscal. No Brasil, a partir da Constituição de 1988, aumentou bastante a descentralização fiscal. Antes de 1988, os municípios arrecadavam 2,9% do total e mais 7,8% de transferências, totalizando 10,7% do total dos tributos. Depois de 1988, estes percentuais aumentam: os municípios arrecadam 5% dos tributos e recebem mais 13% de transferências, totalizando em média 18% do total da receita nacional. Ou seja, a maior parte das receitas dos municípios brasileiros vem de transferências dos governos federal e estadual.

As transferências do governo federal – tais como o FPM (Fundo de Participação dos Municípios – tirado de uma cesta de tributos entre eles o IR) usam critérios distributivistas ou seja contribuem para melhorar a distribuição de renda pois o principal critério é população. Mesmo assim dão um peso maior aos municípios pequenos que dependem mais deste fundo para sobreviverem. No Brasil, municípios com menos de 20.000 hab. dependem em mais de 90% de sua receita total desta transferência e em boa parte dos menores ainda, dependem dele em mais de 95%.

A principal transferência dos governos estaduais para os municípios é do ICMS. Mesmo sendo um imposto indireto, os Estados poderiam usar critérios mais distributivistas, mas não usam – usam praticamente o mesmo critério para arrecadar. Município que arrecada mais ICMS recebe mais ICMS – e assim esta transferência acaba sendo altamente concentracionista ou seja contribui para aumentar a concentração de renda no país. Desta forma municípios mais ricos e industrializados recebem infinitamente mais ICMS que outros não industrializados.

Vejam a diferença em termos per capita, na região do Leste Mineiro. ICMS per capita e FPM per capita de municípios mais industrializados(em R$ de 2005) : Betim (ICMS=67,97; FPM=5,22), Contagem (ICMS=21,29; FPM=3,44), Ipatinga (ICMS=39,65; FPM=8,65), Timóteo (ICMS=45,21; FPM=11,33), Belo Oriente (ICMS=63,73; FPM=19,67).
Agora vejam ICMS per capita e FPM per capita de municípios não industrializados (em R$ de 2005): Inhapim (ICMS=4,82; FPM=19,57), Caratinga (ICMS=5,80; FPM=11,57), Coronel Fabriciano (ICMS=4,61; FPM=10,81), Mesquita (ICMS=7,22; FPM=32,77), Naque (ICMS=9,22; FPM=37,41). Como podem ver existe uma relação inversa entre estes dois tipos de municípios : enquanto os mais ricos e especialmente industrializados recebem muito mais ICMS per capita do que FPM per capita; o contrário acontece com os municípios mais pobres – recebem muito mais FPM per capita do que ICMS per capita.

Para tentar corrigir estas distorções é que foi criado a Lei Robin Hood, que entrou em vigor em Minas Gerais a partir de 1995. Esta lei melhorou no início a situação dos pequenos municípios mineiros, mas no ritmo que as coisas estavam indo atualmente nem daqui há um século as distorções apontadas acima seriam corrigidas. Como eu disse, ela amenizou a situação. Os dados acima são de 2005, ou seja 10 anos depois de criada a lei em Minas e a situação não mudou muito. Mas houve uma certa redistribuição dos recursos do ICMS entre os municípios maiores e os menores que são em grande maioria. Em Minas Gerais, os 150 municípios que mais arrecadaram ICMS antes da lei, concentravam 91,94% do total deste tributo em 1995. Em 1998, este percentual caiu para cerca de 79% do total do tributo arrecadado. A partir de 2002, este percentual se estabiliza em torno de 78,6% do total, considerando os 150 maiores. Se considerarmos os 12 maiores municípios que arrecadam ICMS em Minas, a situação é um pouco diferente: estes maiores municípios arrecadavam 50% do tributo antes da lei; depois da lei caiu para 40,83% (de 1998 a 2002), e voltou a subir levemente de 40,5% (2006), 40,7% (2008) e 41,35% em 2010. Enfim, percebemos que a lei provocou mudanças significativas (embora insuficientes) nos primeiros 4 anos de funcionamento e depois estabilizou e congelou o processo de redistribuição dos recursos, havendo mesmo uma tendência à reconcentração.

Daí que o governo estadual resolveu reformular a lei original, criando novos estímulos para um novo processo de redistribuição dos recursos do ICMS. Como se sabe, a partir da Constituição de 1988, de todo o ICMS arrecadado 25% destinam-se aos municípios. Mas, destes 25% apenas uma pequena parcela estava sendo usada para redistribuição, em critérios diferentes do VAF (Valor Adicionado Fiscal- critério concentracionista, pois retrata o movimento econômico). A lei Robin Hood anterior e atualmente em vigor (13.803 , de 2000 (Lei Robin Hood)), distribuía os recursos com os seguintes critérios: VAF (79,68%), área geográfica (1%), população (2,71%), população dos 50 municípios mais populosos (2%), educação (2%), produção de alimentos (1%), patrimônio cultural (1%), meio ambiente (1%), saúde (2%), receita própria (2%), cota mínima (5,50%) e municípios mineradores (0,11%). A nova lei (Lei 18.030 de 2009), que produzirá efeitos a partir de 2011, redistribui o percentual de 4,68% da parcela, hoje repartidos com base no VAF, destinando-o a outros seis novos critérios, ficando assim a distribuição dos recursos: VAF (75%), área geográfica (1%), população (2,70%), população dos 50 municípios mais populosos (2%), educação (2%), produção de alimentos (1%), patrimônio cultural (1%), meio ambiente (1,10%), gasto com saúde (2%), receita própria (1,90%), cota mínima (5,50%), municípios mineradores (0,01%), recursos hídricos (0,25%), municípios-sede de estabelecimentos penitenciários (0,10%), esportes (0,10%), turismo (0,10%), mínimo per capita (0,10%) e ICMS Solidário (4,14%). Segundo o próprio governo, cerca de 20% dos municípios (176) sofrerarão queda na receita do tributo em cerca de R$266 milhões que serão redistribuídos aos outros 80% dos municípios (677) mais pobres do Estado.

Espera-se assim a retomada de um novo processo de redistribuição mais justa dos recursos do ICMS em Minas Gerais. Acredito que este processo deverá ocorrer nos próximos anos, mas a longo prazo ele deverá se estabilizar como vimos acontecer com a lei original. Na lei anterior o VAF detinha 80% dos critérios de distribuição e apenas 20% eram redistribuídos com critérios mais distributivistas. Na lei que entra em vigor, a participação do VAF caiu para 75% e os critérios distributivistas aumentaram para 25% dos ICMS dos municípios. Para que tenhamos critérios mais justos e distributivistas é necessário que a participação do VAF continue diminuindo, pelo menos gradualmente e não fique congelado durante um longo período como ocorreu anteriormente.


*Daniel Miranda Soares é economista, EPPGG, ex-pesquisador da FJP e mestre pela UFV.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Medidas Básicas poderiam salvar muitas vidas

Estudo mostra que medidas básicas de prevenção poderiam salvar muitas vidas
Autor(es): Janes Rocha Do Rio
Valor Econômico - 14/01/2011


"Uma vergonha nacional." Assim o professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/RJ), define a catástrofe que abalou a região serrana do Estado, destruindo o centro de Nova Friburgo e bairros de Petrópolis e Teresópolis. "São recorrentes esses desastres", diz, resgatando da memória em alguns segundos pelo menos quatro grandes tragédias parecidas nos últimos 40 anos.
Para ficar só nos episódios mais recentes, Pinguelli lembrou dos temporais seguidos de deslizamentos de terra que causaram morte e destruição em Santa Catarina, em 2008. Atendendo o pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Coppe fez sugestões para prevenir e mitigar os efeitos das chuvas naquele Estado. Em meados de janeiro de 2010, pouco depois de calamidade parecida em Angra dos Reis, e novamente atendendo a pedidos, dessa vez do Estado do Rio de Janeiro, a Coppe entregou um documento com propostas semelhantes.

Basicamente foi sugerido: mapeamento das áreas de risco em encostas e planícies sujeitas a deslizamentos e enchentes; criação de núcleos de profissionais em geologia; aquisição de radares meteorológicos; implantação de um programa permanente de educação ambiental e gestão de risco de enchentes e deslizamentos; definição de critérios técnicos para adaptação da legislação para uso e ocupação do solo; criação de um grupo de trabalho com especialistas para apoiar tecnicamente a implementação das medidas.

A adoção dessas medidas depende tanto do governo do Estado - a quem foi entregue o estudo - quanto dos municípios, aos quais estão atribuídas, por lei, algumas tarefas, como a definição dos critérios para uso e ocupação do solo. Segundo Pinguelli Rosa e o professor de Geotecnia do Coppe, Willy Alvarenga Lacerda, Angra dos Reis fez rapidamente a remoção de 500 casas e construção de um muro de contenção.
A avaliação de ambos é que a maior parte das medidas que dependiam do município foram tomadas, exceto as mais de fundo, que são a educação ambiental e adaptação da legislação de ocupação do solo. O risco de uma nova tragédia foi eliminado? "Não", responde Lacerda. "Mas pelo menos as medidas estão sendo tomadas."

Pinguelli critica a falta de medidas básicas, que não custam nada comparadas à quantidade de vidas que podem ser salvas em casos de temporais com enxurradas e deslizamentos de terra. Primeiro, a contratação de radares meteorológicos. Esse equipamento, que custa apenas R$ 2,5 milhões a unidade (com instalação), é capaz de prever e informar a aproximação de tempestades e outros fenômenos climáticos de grande intensidade com antecedência. No entanto, o Brasil tem apenas 11 deles, a maioria pertencente à Força Aérea, utilizados exclusivamente no controle do tráfego aéreo.

A recomendação do Coppe ao governo fluminense foi atendida em dezembro, quando a Fundação Instituto de Geotécnica do Município (Geo-Rio) começou a operar um radar no morro do Sumaré, no Parque Nacional da Tijuca. Há um radar da Aeronáutica no Pico do Couto, em Petrópolis, mas mesmo que estivesse a serviço da sociedade civil, não teria ajudado muito desta vez, porque ele quebrou na segunda-feira, uma noite antes da tragédia, disse Pinguelli.
De forma geral, diz o diretor do Coppe, não falta só prevenção, organização e política habitacional.

"Aqui (no Brasil) não tem nem sequer um alerta", diz o diretor do Coppe, comparando com os Estados Unidos e Europa, em que sirenes, rotas de fuga e abrigos estão sempre à disposição da população que vive em áreas sujeitas a catástrofes naturais, e não apenas quando elas acontecem. "Os governos estaduais e municipais mantêm sistemas de alerta (climático), inclusive partilhado com as empresas, mas nada chega a população. Toda a sociedade deveria ser alertada, tem que haver uma organização social e política. Pelo menos teria que haver um alerta sonoro."


terça-feira, 11 de janeiro de 2011

CRUCIFIXOGATE

CRUCIFIXOGATE


MINISTRA DESMENTE “FOLHA” PELO TWITTER! JORNAL QUERIA USAR RELIGIÃO CONTRA DILMA
Rodrigo Vianna

“Estranhei quando vi a “reportagem” da “Folha” logo cedo nesse domingo: os jornalistas Valdo Cruz, Simone Iglesias e Breno Costa trouxeram - no pé de uma matéria na página A9 – a informação de que Dilma retirara o crucifixo do gabinete e a Bíblia da mesa de trabalho do Palácio do Planalto.
Uma pulga atrás da orelha: por que o jornal não deu foto, mostrando o gabinete “antes” (com crucifixo e Bíblia) e “depois” (sob a intervenção da malvada presidenta atéia)?E, se o fato era tão importante (a ponto de os editores botarem em primeira página), por que os repórteres incluíram a informação no pé e não na abertura do texto? Jabuti não sobe em árvore – é o que dizem.
O assunto talvez não interessasse aos jornalistas que assinaram a matéria, mas certamente interessou aos donos do jornal. E certamente interessa à direita que trouxe a religião para o centro do debate político, sob os auspícios de Serra, na última campanha eleitoral. É uma forma de mandar o recado: nós avisamos, ela é a favor do aborto, não é religiosa, esses comunistas são perigosos!Pois bem. Isso estava evidente.

Mas o mais interessante veio no começo da tarde. A ministra-chefe da Secom, Helena Chagas, usou o twitter para desmentir a “Folha”. Entendam bem: a ministra não minimizou, não tentou explicar a decisão (que, aliás, seria legítima) de retirar crucifixo e Bíblia. Não! A ministra, simplesmente desmentiu o jornal!E o curioso: desmentiu não com nota oficial, mas pelo twitter!!!

O que disse Helena Chagas:
1)- “Pessoal, só esclarecendo:a presidenta Dilma não tirou o crucifixo da parede de seu gabinete. A peça é do ex-presidente Lula e foi na mudança”;
2)- “Aliás, o crucifixo,que Lula ganhou de um amigo no início do governo,é de origem portuguesa.Mais:Dilma também não tirou a bíblia do gabinete.”;
3)- “A bíblia está na sala contígua, em cima de uma mesa – onde, por sinal, a presidenta já a encontrou ao chegar ao Planalto. Por fim…”;
4)- “…um último detalhe:embora goste de trabalhar com laptop,a presidenta não mudou o computador da mesa de trabalho.Continua sendo um desktop.”

Ou seja: segundo a ministra, a “Folha” errou no factual!A “Folha” pode detestar a Dilma, e pode até achar que deve insuflar a direita religiosa. Mas, pra isso, precisa se ater aos fatos!De todo jeito, sejamos cuidadosos: vamos aguardar as explicações do jornal da família Frias…Esse episódio, do “crucifixogate”, tem tudo pra entrar na mesma lista do “bolinhagate”, do grampo sem áudio e da ficha falsa da Dilma! Com um detalhe extra: ao desmentir o jornal pelo twitter, Helena Chagas não deixa de mandar um recado pra turma da Barão de Limeira – vocês já não estão com essa bola toda.Humilhante: o maior jornal (?!) do país desmentido pelo twitter!”

FONTE: escrito pelo jornalista Rodrigo Vianna em seu blog “Escrivinhador” (http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/ministra-desmente-folha-pelo-twitter-jornal-queria-apelar-pra-religiao-contra-dilma.html#more-5908).

domingo, 9 de janeiro de 2011

O BRASIL SERÁ O 4º PIB MUNDIAL EM 2050

O BRASIL SERÁ O 4º PIB MUNDIAL EM 2050

PIB: BRASIL ULTRAPASSA A FRANÇA ESTE ANO E O REINO UNIDO EM 2013, APONTA INSTITUTO INGLÊS

ESTUDO DA “PRICEWATERHOUSECOOPERS” PREVÊ O BRASIL COMO O 4º PIB MUNDIAL EM 2050

“Antes de 2020, os sete grandes emergentes já terão superado os tradicionais países do G-7 em tamanho do PIB"
Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo

“GENEBRA - A economia brasileira vai superar pela primeira vez a da França neste ano e já em 2013 vai ultrapassar a do Reino Unido, atingindo a sétima posição no planeta e se preparando para, em 2050, tornar-se a quarta maior economia do mundo. Mas um brasileiro terá de esperar pelo menos mais 40 anos para ter a renda média de hoje de um alemão.
Os dados fazem parte de um estudo da “PricewaterhouseCoopers”.
Segundo o estudo, antes de 2020 as sete grandes economias emergentes já terão superado os tradicionais países do G-7 em tamanho do PIB. A constatação do levantamento é que, em meados do século, o cenário econômico mundial será bem diferente do atual, com China e Índia nos dois primeiros lugares e o atual líder – os Estados Unidos – apenas na terceira posição. No caso do Brasil, o País subirá várias posições no ranking das maiores economias, incentivado por seu mercado doméstico e pela exportação de recursos naturais num primeiro momento.
Se a comparação do PIB do Brasil for calculada em paridade de poder de compra (PPP), o País passaria da atual nona posição entre as maiores economias para a quarta, elevando PIB de US$ 2 trilhões em 2009 para US$ 9,7 trilhões em 2050.
A projeção é de que já este ano o Brasil supere a França em PIB. Em 2010, já havia superado a Espanha. Em 2013, superaria o Reino Unido. Finalmente, em 2025, passaria a Alemanha – o motor da economia europeia. Em 2037, seria a vez de superar a Rússia e, em 2039, o Japão.

Em comparação que leve em conta a taxa de câmbio do mercado, conhecido como PIB nominal, o Brasil também chegaria em 2050 na quarta posição entre as maiores economias, com US$ 9,2 trilhões de PIB. Hoje, o País ocupa a 8ª posição. Por esses cálculos, o Brasil superaria a Itália em 2017, passaria o Reino Unido em 2023 e ultrapassaria a França em 2027. Em 2032, seria a vez de superar a Alemanha e, em 2044, passaria o Japão.

RENDA. O avanço do Brasil pode impressionar. Mas, para o autor do levantamento, ser a quarta maior economia do mundo não significa que a pobreza será automaticamente erradicada. "Isso dependerá de política de Estado para garantir a distribuição da riqueza", afirmou ao Estado o economista John Hawksworth, chefe do grupo que realizou a projeção. Ele lembra que, hoje, um brasileiro tem em média uma renda equivalente a 22% da renda de um americano. Em 40 anos, ganhará ainda menos da metade do que será a renda de um trabalhador nos Estados Unidos. No Brasil, a renda passaria dos atuais US$ 10 mil por ano para quase US$ 40 mil em 2050. Na prática, a renda média de um brasileiro levará mais 40 anos para alcançar a de um alemão hoje. Em termos de expansão do PIB, a consultoria destaca que o Brasil não estará entre os líderes e, mesmo na quarta posição mundial, o País terá em 40 anos um PIB que não difere do tamanho atual da economia chinesa. A projeção é de crescimento de 4,4% ao ano. Mas abaixo do crescimento de México, Argentina, Indonésia, China e Índia. Ainda assim, duas vezes mais rápido que o dos Estados Unidos e quatro vezes superior ao do Japão. Em renda per capita, a expansão será de 3,3%, abaixo de 4,6% da China, 5,3% da Índia e metade da do Vietnã.
"O grande desafio do Brasil será o de manter a estabilidade e investir em infraestrutura para permitir que essa expansão possa de fato ocorrer", avalia Hawksworth .

EMERGENTES. Outra constatação do relatório é a nova posição dos emergentes no cenário internacional. Em 2050, os sete maiores emergentes (China, Índia, Brasil, Rússia, México, Indonésia e Turquia) terão um PIB duas vezes superior ao tradicional G-7, formado por países industrializados. Isso, se ocorrer, será uma transformação importante em comparação com 2007, quando os ricos ainda tinham uma economia três vezes maior que a dos emergentes. Mas as projeções indicam que, antes de 2020, a China já superará os EUA em paridade de poder de compra. A crise atual já havia possibilitado à China superar o Japão e se tornar a segunda maior economia do planeta. Em PIB nominal, porém, terá de esperar até 2032. A grande novidade dos próximos 40 anos será a Índia, o país que mais crescerá. Em termos nominais, seu PIB será o terceiro maior do mundo, encostado ao dos Estados Unidos. Em paridade de compra, o PIB será 14% superior ao americano. Os indianos deverão superar o Japão em 2011 e o Brasil em 2014. Juntos, americanos, chineses e indianos terão 50% do PIB mundial."

FONTE: reportagem de Jamil Chade, de “O Estado de S. Paulo” (http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+brasil,estudo-preve-o-brasil-como-o-4eordm-pib-mundial-em-2050,not_50225,0.htm)

IRLANDA : FRACASSO DO NEOLIBERALISMO

A CRISE IRLANDESA: FRACASSO TOTAL DO NEOLIBERALISMO
Por Eric Toussaint

sábado, 8 de janeiro de 2011
“Durante uma década a Irlanda foi apresentada pelos promotores mais fervorosos do capitalismo neoliberal como o modelo a seguir. O "tigre celta" ostentava uma taxa de crescimento mais elevada que a média europeia.


A taxa de tributação das empresas havia sido reduzida a 12,5% [1] e a taxa efetivamente paga pelas numerosas transnacionais que ali tinham domicílio oscilava entre 3% e 4%: um sonho! Um déficit fiscal igual a zero em 2007. Uma taxa de desemprego de 0% em 2008. Um verdadeiro encanto: todo o mundo parecia ali encontrar o seu quinhão. Os trabalhadores tinham um emprego (é certo que muitas vezes precário), as suas famílias consumiam alegremente, elas desfrutavam do efeito riqueza e os capitalistas, tanto nacionais como estrangeiros, ostentavam resultados extraordinários.
Em outubro de 2008, dois ou três dias antes de o governo salvar da falência os grandes bancos "belgas" (Fortis e Dexia) a expensas dos cidadãos, Bruno Colmant, diretor da Bolsa de Bruxelas e professor de economia, publicou um artigo em Le Soir, o diário belga francófono de referência, no qual afirmava que a Bélgica devia absolutamente seguir o exemplo irlandês e desregulamentar ainda um pouco mais o seu sistema financeiro. Segundo Bruno Colmant, a Bélgica devia modificar o quadro institucional e legal a fim de se tornar uma plataforma do capital internacional como a Irlanda.
Algumas semanas mais tarde, o Tigre Celta estava de rastros. Na Irlanda, a desregulamentação financeira encorajou uma explosão dos empréstimos às famílias (o endividamento familiar havia atingido 190% do PIB na véspera da crise), nomeadamente no ramo imobiliário, o que estimulou a economia (indústria da construção, atividades financeiras etc). O setor bancário inchou de forma exponencial com a instalação de numerosas sociedades estrangeiras [2] e o aumento dos ativos dos bancos irlandeses. Formaram-se bolhas bursáteis e imobiliárias. O total das capitalizações bursáteis, das emissões de obrigações e dos ativos dos bancos atingiu catorze vezes o PIB do país. Aquilo que não podia acontecer neste mundo encantador aconteceu então: em Setembro-Outubro de 2008, o castelo de cartas ruiu, as bolhas financeiras e imobiliárias explodiram.
Empresas fecham ou deixam o país, o desemprego sobe em flecha (de 0% em 2008, ele salta para 14% no princípio de 2010). O número de famílias incapazes de pagar os credores cresce muito rapidamente. Todo o sistema bancário irlandês está à beira da falência e o governo, completamente em pânico e cego, garantiu o conjunto dos depósitos bancários com 489 bilhões de euros (cerca de três vezes o PIB irlandês, que se elevava a 168 bilhões de euros). Ele nacionaliza o ‘Allied Irish Bank’, principal financiador do imobiliário, injetando 48,5 bilhões de euros (cerca de 30% do PIB). As exportações enfraquecem. As receitas do Estado baixam. O déficit público salta de 14% do PIB em 2009 para 32% em 2010 (mais da metade é atribuível ao apoio maciço aos bancos: 46 bilhões de injeção de fundos próprios e 31 de compra de ativos de risco). O plano europeu de ajuda do fim de 2010, com participação do FMI, eleva-se a 85 bilhões de euros de empréstimos (dos quais 22,5 fornecidos pelo FMI) e já se verifica que será insuficiente.
Em contrapartida, o remédio de cavalo imposto ao tigre celta é de fato um plano de austeridade drástico que pesa fortemente sobre o poder de compra das famílias, tendo como consequência redução do consumo, das despesas públicas nos domínios sociais, dos salários da função pública e na infraestrutura (em proveito do reembolso da dívida) e das receitas fiscais.

As principais medidas do plano de austeridade são terríveis no plano social:
• supressão de 24750 empregos de funcionários (8% do efetivo, o que equivale à supressão de 350 mil empregos na França);
• os novos contratados receberão um salário 10% inferior;
• baixa das transferências sociais com diminuição dos subsídios de desemprego e familiares, redução importante do orçamento da saúde, congelamento das pensões;
• aumento dos impostos suportados principalmente pela maioria da população vítima da crise, nomeadamente alta do IVA de 21 para 23% em 2014; criação de uma taxa imobiliária (afeta a metade das famílias, até então livres de tributação);
• baixa de 1€ do salário horário mínimo (de 8,65 para 7,65 euros, ou seja, -11%). As taxas dos empréstimos concedidos à Irlanda são muito elevadas: 5,7% para o do FMI e 6,05% para os empréstimos "europeus".

Eles servirão para reembolsar os bancos e outras sociedades financeiras que comprarão os títulos da dívida irlandesa — as quais tomam emprestado a uma taxa de 1% junto ao Banco Central Europeu. Um verdadeiro presente dos deuses para os financeiros privados. Segundo a AFP [Agência Fance Presse], "o diretor geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, declarou: "Isto vai andar, mas naturalmente é difícil [...] porque é duro para as pessoas' que terão de fazer sacrifícios em nome da austeridade fiscal". A oposição na rua e no parlamento foi muito forte. O Dail, câmara baixa, adotou o plano de ajuda de 85 bilhões de euros apenas por 81 votos contra 75. Longe de abandonar a sua orientação neoliberal, o FMI indicou que colocava entre as prioridades da Irlanda a adoção das reformas para suprimir "os obstáculos estruturais aos negócios", a fim de "sustentar a competitividade nos próximos anos". O socialista Dominique Strauss-Kahn diz-se convencido de que a chegada de um novo governo após as eleições previstas para o princípio de 2011 nada mudaria: "Estou confiante em que, ainda que os partidos da oposição, o Fine Gael e o trabalhista, critiquem o governo e o programa [...], eles compreendem a necessidade de o pôr em execução". Em suma, a liberalização econômica e financeira que visava atrair a qualquer preço os investimentos estrangeiros e as sociedades financeiras transnacionais conduziu a um fracasso completo. Para aumentar o insulto aos danos sofridos pela população vítima desta política, o governo e o FMI não encontraram nada melhor do que aprofundar a orientação neoliberal praticada desde há 20 anos e infligir à população, sob a pressão da finança internacional, um programa de ajustamento estrutural calcado sobre aqueles impostos desde há três décadas aos países do terceiro mundo.

Estas três décadas devem ao contrário servir de exemplo daquilo que não se deve fazer. Eis porque é urgente impor uma lógica radicalmente diferente, em favor dos povos e não da finança privada.

NOTAS
1 A taxa de tributação dos lucros das empresas eleva-se a 39,5% no Japão, 39,2% na Grã-Bretanha, 34,4% em França, 28% nos Estados Unidos.
2 As dificuldades do banco alemão Hypo Reale Estate (salvo em 2007 pelo governo de Angela Merckel) e a falência do banco Bear Sterns nos EUA (comprado em Março de 2008 pelo J.P. Morgan com a ajuda da administração Bush) provêm nomeadamente dos problemas dos seus fundos especulativos cuja sede era em Dublim.”

FONTE: escrito por Eric Toussaint, sociólogo belga, presidente do Comitê para a Abolição da Divida do Terceiro Mundo (CADTM). Reproduzido no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=145043&id_secao=2) [imagem do Google adicionada por este blog]