sábado, 31 de março de 2012

Vale do Aço cresce mas perde posição relativa em Minas Gerais


O Vale do Aço cresce mas perde posição relativa

O último dado sobre PIB dos 853 municípios mineiros são de 2009 (apenas 2 anos atrás) publicados recentemente pela Fundação João Pinheiro, FJP, em convênio com o IBGE. Mas são dados brutos, a preços correntes, que tem que ser trabalhados. A FJP publicou dados sobre os municípios mineiros de 1999 até 2009. Usando um deflator implícito oficial (do IBGE), deflacionamos os dados para verificar o crescimento real do PIB de alguns municípios (PIB real = PIB nominal – inflação). Nesta análise percebemos que o crescimento do PIB, descontada a inflação, dos municípios do Vale do Aço (Região Metropolitana - RMVA), crescerem a um ritmo menor que outros municípios industriais de Minas Gerais. Enquanto que a RMVA cresceu apenas 29% nestes 10 anos, a região metropolitana de Belo Horizonte, RMBH, cresceu 55%. Na RMVA, Ipatinga cresceu 37,5%; Cel. Fabriciano 23,3%; Timóteo 6% e Santana do Paraíso 80%. Na RMBH e Colar metropolitano alguns municípios se destacaram: Betim cresceu 90,8%; Contagem 57,2%; Sete Lagoas 48%. Outros municípios em Minas: Uberlândia 88%; Montes Claros 66%.

A Região Metropolitana do Vale do aço sofreu os efeitos da crise 2008/2009, tanto que o PIB de Ipatinga e Timóteo decresceram (em termos nominais e reais) de 2008 para 2009. O PIB de Ipatinga foi de 6.169.205,3 reais a preços correntes de 2008 e em 2009 caiu para 5.659.344 a preços correntes. Enquanto que os PIBs de Cel. Fabriciano e Santana do Paraíso continuaram crescendo.

Em valores correntes do ano, os maiores PIBs mineiros de 2009 foram: Belo Horizonte (44,6 bilhões), Betim (25,2 bi), Uberlândia (16,16 bi), Contagem (15,41 bi), Juiz de Fora (7,42 bi), Uberaba (6,49 bi), Ipatinga (5,66 bi), Sete Lagoas (4,11 bi), Montes Claros (3,81 bi), Itabira (3,41 bi), Varginha (3,05 bi) e Gov. Valadares (2,85 bi). Este último em 12o. lugar. Timóteo está em 24o. lugar com um PIB de R$1,7 bilhões, ocupava a 16a. posição em 1999. E Sete Lagoas que estava em 12a posição em 1999 sobe para 8a posição em 2009.
E a participação de cada um deles no PIB total de Minas Gerais em 2009 foram: BH 15,5%, Betim 8,8%, Uberlândia 5,6%, Contagem 5,4%, Juiz de Fora 2,6%, Uberaba 2,3%, Ipatinga 2,0%, (2,2% em 2008), Sete Lagoas 1,4%; Montes Claros 1,3%; e Itabira 1,2%, Varginha (1,06%) e Gov. Valadares (1%). Ipatinga ocupava o 7​o. PIB mineiro em 1999 (com 2,1% ) e continua ocupando o 7o. lugar em 2009 (com 1,97% do total) . Ou seja, mantendo este ritmo nos próximos anos, Ipatinga poderá ser ultrapassada por Sete Lagoas e Montes Claros, que crescem a um ritmo maior.

Em termos de população Ipatinga ocupava o décimo lugar em 2000, continuando na mesma posição em 2010, crescendo a uma taxa de 1,2%a.a no período 2010/2000. Outros municípios da região também crescem a taxas baixas: Timóteo (1,29%a.a.), Cel. Fabriciano (0,62%aa). Santana do Paraíso (com 25.500 hab) é a exceção da região: sua população cresce a 4,15%aa (é a sexta mais alta taxa do Estado) e seu PIB cresceu 80% no decênio 1999/2009. A população de Belo Oriente (com 23.000 hab) também cresceu a uma taxa acima da média dos três maiores da RMVA (1,83%aa) mas o seu PIB, embora maior que o de Santana de Paraíso, mal acompanhou a inflação do decênio referido (-0,02%).

Com isso a participação relativa de nossa região diminui: em 1999, a RMVA participava com 3,24% do PIB mineiro, diminuindo para 2,88% em 2009; enquanto que a RMBH subiu de 32,99% em 1999 para 35,3% em 2009. Estas condições também são refletidas na Renda per Capita: na RMBH, esta renda cresceu 29% em termos reais no período 1999/2009; enquanto que na RMVA a renda per capita cresceu apenas 14% ;ou seja na média a RMBH ultrapassou a renda per capita da RMVA. Em valores de 2009, a renda per capita da RMBH foi de R$19.839, enquanto que a renda per capita da RMVA foi de R$18.832. Em 1999 a renda per capita da RMVA era 4,2% maior do que a da RMBH. Mas individualmente, Ipatinga com R$23000, Timóteo com R$21000 e Belo Oriente com R$20.700 continuam com renda per capita maior do que a de Belo Horizonte com R$18.000 em 2009. Por enquanto, porque neste ritmo seremos ultrapassados brevemente.

A continuar neste ritmo, o que se percebe é que o Vale do Aço está ficando pra trás, porque as outras regiões crescem relativamente mais, são mais dinâmicas, procuram novas alternativas; enquanto que aqui as coisas continuam do mesmo jeito há décadas. As mudanças que aqui ocorreram aconteceram por conta do ambiente econômico geral, devido ao dinamismo da economia brasileira, principalmente na área do renascimento da indústria naval e do desenvolvimento do setor petroleiro a partir do pré-sal. Estes dois setores puxaram algumas demandas aqui da região, mas mesmo assim outras regiões mais dinâmicas estão concorrendo com o Vale do Aço, que pode até perder algumas indústrias. Novos incentivos estão sendo oferecidos pelas políticas macroeconômicas do governo federal para recuperar a indústria brasileira da concorrência internacional. As regiões e os aglomerados industriais (tais como os arranjos produtivos locais) devem aproveitar estes novos incentivos que são iguais em todo o território nacional. A diferença para atrair indústrias estão em novos estímulos (tipo incentivos fiscais, financiamento e investimentos) por parte dos governos estaduais e dos governos municipais de cada região. Se isso não acontecer, o Vale do Aço pode continuar perdendo posição relativa e até mesmo indústrias importantes para outras regiões de Minas ou do Brasil (aliás Minas já perdeu várias disputas por novas indústrias).

A economia da RMVA é dependente de poucos produtos (principalmente de aços planos) portanto é mais vulnerável que a economia da RMBH que é bastante diversificada. Nos últimos anos a indústria siderúrgica brasileira vem sofrendo concorrência de importados devido à supervalorização cambial. Esta situação deixa nossa indústria metalúrgica mais vulnerável às intempéries da economia principalmente em tempo de crise externa. Se o governo federal conseguir reverter a situação cambial, como parece indicar com medidas mais fundamentais, podendo dar mais proteção às nossas indústrias, a situação pode melhorar para o VA. Mas mesmo assim, não é bom ficar dependendo apenas de uns poucos produtos, principalmente quando são bens intermediários (ou commodities industriais como aço e celulose, considerados de baixa intensidade tecnológica) : e de pouca inovação tecnológica. A RMBH produz produtos de alto valor agregado e de muita inovação tecnológica. Mas sempre é bom diversificar mesmo que não seja com produtos de alto valor agregado, como é o caso de Uberlândia, que continua crescendo muito e no entanto produz (produtos primários e de baixa intensidade tecnológica) : cigarros, alimentos (abate, laticínios), bebidas e rações. Betim cresceu muito mas é dependente da indústria automobilística (alto valor agregado mas de média intensidade tecnológica) – uma crise no setor derruba a economia do município. Contagem é mais diversificada, possui várias indústrias importantes (algumas de alto valor agregado e de alta intensidade tecnológica): indústrias metalúrgica, química, de refratários, máquinas e equipamentos e material elétrico, eletrônico e comunicações.

Segundo a classificação da UNCTAD, são exemplos de produtos de alta intensidade tecnológica, os produtos eletrônicos e de informática, produtos farmacêuticos e produtos da química fina, aviões etc. Os produtos de média intensidade compreendem, entre outros, equipamentos mecânicos, automóveis e máquinas elétricas. O principal exemplo de produtos de baixa intensidade são os produtos de metal e suas obras. Os exemplos de produtos intensivos em mão-de-obra e recursos naturais vão desde papel até vários produtos da indústria têxtil. Por fim, as commodities primárias incluem carnes, óleos vegetais e vários produtos da indústria alimentícia até metais ferrosos e não ferrosos. Assim quanto mais intensidade tecnológica mais se agrega valor ao produto, de forma geral; embora alguns produtos de pouca inovação tecnológica agreguem mais valor do que a maioria, devido à sua escassez no mercado.

Em 2011 a economia de Minas Gerais cresceu 2,7% (como a brasileira) em relação a 2010 : sofreu índices negativos em alguns setores (Celulose, Metalurgia Básica, Veículos Automotores, Têxteis, etc) e índices positivos em outros: Prod. Metal, Fumo, Químicos, Prod. Alimentícios, etc.).

A distribuição espacial da produção em Minas Gerais manteve‐se bastante concentrada ao longo da série 1999‐2009. Os cinco maiores municípios participaram com mais de 35% do PIB durante todo o período, ao passo que os 653 menores participaram com menos de 14%. Em 2009, cinco municípios acumularam 38,2% da atividade industrial. Os 20 maiores possuem 61,5% do PIB industrial. Enquanto que os 653 menores municipios obtiveram apenas 5,2% no produto industrial de Minas. Os maiores PIBs industriais de Minas em 2009 foram : Betim com 15,9% do total industrial do Estado ; Belo Horizonte com 8,5% ; Contagem com 5,5%; Uberlândia com 4,8% e Ipatinga em quinto lugar com 3,5% do PIB industrial mineiro.

Daniel Miranda Soares é economista aposentado, ex-professor de Economia do Unileste.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Demóstenes e o silêncio revelador da mídia

Demóstenes e o silêncio revelador da mídia

De Terra Magazine

Silêncios denunciam imprensa no caso Demóstenes

Marcelo Semer
De São Paulo


Demóstenes Torres é promotor de justiça. Foi Procurador Geral da Justiça em Goiás e secretário de segurança do mesmo Estado.
No Senado, é reputado como um homem da lei, que a conhece como poucos. Além de um impiedoso líder da oposição, é vanguarda da moralidade e está constantemente no ataque às corrupções alheias. A mídia sempre lhe deu muito destaque por causa disso. 
 
De repente, o encanto se desfez.
O senador da lei e da ordem foi flagrado em escuta telefônica, com mais de trezentas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de quem teria recebido uma cozinha importada de presente.
A Polícia Federal ainda apura a participação do senador em negócios com o homem dos caça-níqueis e aponta que Cachoeira teria habilitado vários celulares Nextel fora do país para fugir dos grampos. Um deles parou nas mãos de Demóstenes.
Há quase um mês, essas revelações têm vindo à tona, sendo a última notícia, um pedido do senador para que o empresário pagasse seu táxi-aéreo.
Mesmo assim, com o potencial de escândalo que a ligação podia ensejar, vários órgãos de imprensa evitaram por semanas o assunto, abrandando o tom, sempre que podiam.
Por coincidência, são os mesmos que se acostumaram a dar notícias bombásticas sobre irregularidades no governo ou em partidos da base, como se uma corrupção pudesse ser mais relevante do que outra.

Encontrar o nome de Demóstenes Torres em certos jornais ou revistas foi tarefa árdua até para um experiente praticante de caça-palavras, mesmo quando o assunto já era faz tempo dominante nas redes sociais. Manchetes, nem pensar.
Avançar o sinal e condenar quando ainda existem apenas indícios é o cúmulo da imprudência. Provocar o vazamento parcial de conversas telefônicas submetidas a sigilo beira a ilicitude. Caça às bruxas por relações pessoais pode provocar profundas injustiças.
Tudo isso se explica, mas não justifica o porquê a mesma cautela e igual procedimento não são tomados com a maioria dos "investigados" - para muitos veículos da grande mídia, a regra tem sido atirar primeiro, perguntar depois.
Pior do que o sensacionalismo, no entanto, é o sensacionalismo seletivo, que explora apenas os vícios de quem lhe incomoda. Ele é tão corrupto quanto os corruptos que por meio dele se denunciam.
Todos nós assistimos a corrida da grande imprensa para derrubar ministros no primeiro ano do governo Dilma, manchete após manchete. Alguns com ótimas razões, outros com acusações mais pífias do que as produzidas contra o senador.
Não parece razoável que um órgão de imprensa possa escolher, por questões ideológicas, empresariais ou mesmo partidárias, que escândalo exibir ou qual ocultar em suas páginas. Isso seria apenas publicidade, jamais jornalismo.
Durante muito tempo, os jornais vêm se utilizando da excludente do "interesse público" para avançar sinais na invasão da privacidade ou no ataque a reputações alheias.
A jurisprudência dos tribunais, em regra, tem lhes dado razão: para o jogo democrático, a verdade descortinada ao eleitor é mais importante do que a suscetibilidade de quem se mete na política.
Mas onde fica o "interesse público", quando um órgão de imprensa mascara ou deliberadamente esconde de seus leitores uma denúncia de que tem conhecimento?
O direito do leitor, aquele mesmo que fundamenta as imunidades tributárias, o sigilo da fonte e até certos excessos de linguagem, estaria aí violentamente amputado.
Porque, no fundo, se trata mais de censura do que de liberdade de expressão.

Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

domingo, 25 de março de 2012

"Brasil não pode imitar políticas de livre mercado para crescer"

BRASIL FEZ 'REVOLUÇÃO RACIONAL', diz importante economista dos EUA

Alice Amsden, professora do MIT estudiosa do papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Morreu este ano, aos 68 anos

Da “Folha de São Paulo”

Professora do MIT (morreu no dia 15) enfatizou importância da Petrobras [indústria naval e outras políticas dos governos Lula e Dilma] em entrevista concedida à “Folha” em fevereiro

Alice Amsden afirma que Brasil ainda é muito pobre e não pode imitar políticas de livre mercado para crescer

Por Eleonora de Lucena, da ‘Folha’

“Alice Amsden era uma das mais importantes economistas heterodoxas de hoje. Mergulhou no processo de industrialização asiático e destrinchou o papel do Estado como indutor do desenvolvimento.

Professora de economia política no “Massachusetts Institute of Technology”(MIT), ela morreu no dia 15, em Cambridge (EUA), aos 68 anos.

Um mês antes, deu esta entrevista à “Folha”. Nela, fez elogios ao [recente] desenvolvimento brasileiro, afirmando que o país realizou uma "revolução racional", enfatizando a importância da Petrobras.

Sua avaliação era que o país, que tem "empresários de primeira linha", precisa ter um setor nacional forte, -público e privado.

Seu livro mais importante é "A Ascensão do 'Resto', os Desafios ao Ocidente de Economias com Industrialização Tardia" (UNESP, 2009).

-Folha - Como analisar o desenvolvimento brasileiro hoje?


Alice Amsden – Finalmente, as coisas estão indo bem no Brasil, depois de 500 anos.

O que está indo certo até o ponto em que o modelo brasileiro está começando a ser copiado pelo México e pela África lusófona?

Os novos países produtores de petróleo da África estão copiando o "nacionalismo de recursos" da Petrobras, em que uma companhia de propriedade nacional, em vez de uma empresa internacional, é o centro de um negócio gigante de petróleo.

-Quais foram as mudanças de longo prazo?

O Brasil parou de olhar na direção da teoria do mercado para buscar inspiração para as suas políticas.

Em vez de se dirigir para o beco sem saída das políticas universais -como o “livre-comércio” e as “vantagens comparativas”- e que eram supostamente boas para todos, começou a pensar com linhas dedutivas. Seu guia passou a ser as "experiências" de muitos países, não as teorias.

-Como é esse novo modelo?

O Brasil incentiva indústrias não com base nas "vantagens comparativas", mas com base no "conhecimento do negócio".

Se o conhecimento existe no Brasil, o governo pode avançar e apoiar uma nova indústria.

-Por exemplo?

A construção naval. Parabéns ao Brasil por fazer uma revolução racional.

-E a questão da inovação?

Está conectada com essa revolução. O Brasil começou inovando na fronteira mundial guiado pelo modelo de suas necessidades específicas (álcool, perfuração em águas profundas), não por um modelo, como no passado, que era baseado no que a ciência determinava como necessário a ser feito em pesquisa e desenvolvimento.

-Como a Sra. avalia o processo de privatização e as relações entre Estado e empresários?

O Brasil melhorou as relações entre o setor de negócios privado e os servidores públicos de alto nível. Agora, por causa da "privatização de veludo", os dois se complementam, em vez de cortar as gargantas uns dos outros.

O Brasil não fez privatização louca das joias da coroa, abrindo mão das melhores empresas públicas para executivos e engenheiros medíocres do exterior.[Por sorte não fez totalmente, pois o processo demotucano neoliberal foi interrompido com a eleição de Lula/PT]

-Qual o papel do setor privado no desenvolvimento?

Para ampliar o conteúdo nacional, a gestão pública pode assumir a liderança. Agora, por exemplo, a Petrobras está começando a usar navios de fornecedores nacionais e a Vale está se movendo na direção da produção de aço.

-Como a Sra. define o Brasil?

O Brasil é pró-capitalista, nacionalista e anti-imperialista. Com manobras inteligentes na OMC, mostrou uma forma brilhante de luta contra as tendências imperialistas do mundo desenvolvido.

Ficando mais rico, o Brasil não pode esquecer que é ainda um país muito pobre. Não pode imitar as políticas de “livre mercado” dos mais ricos e esperar se desenvolver".
FONTE: reportagem de Eleonora de Lucena publicada na “Folha de São Paulo”  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/32858-pais-fez-revolucao-racional-diz-economista.shtml). [trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].

sexta-feira, 16 de março de 2012

Marx, mais vivo e atual do que nunca

Marx, mais vivo e atual do que nunca, 129 anos após sua morte

Escrito por Atilio Boron   
Sexta, 16 de Março de 2012


Em um dia como hoje, há 129 anos, morria placidamente em Londres, aos 65 anos de idade, Karl Marx. Correu a sorte de todos os grandes gênios, sempre incompreendidos pela mediocridade reinante e o pensamento dominado pelo poder e pelas classes dominantes. Como Copérnico, Galileu, Servet, Darwin, Einstein e Freud, para mencionar apenas alguns poucos, foi menosprezado, perseguido, humilhado. Foi ridicularizado por anões intelectuais e burocratas acadêmicos que não chegavam a seus pés, e por políticos complacentes com os poderosos de turno, a quem causavam repugnância suas concepções revolucionárias.

A academia cuidou muito bem de fechar suas portas, e nem ele e nem seu eminente colega, Friedrich Engels, jamais habitaram os claustros universitários. E mais, Engels, que Marx disse ser “o homem mais culto da Europa”, nem sequer estudou em uma universidade. Mesmo assim, Marx e Engels produziram uma autêntica revolução copernicana nas humanidades e nas ciências sociais: depois deles, e ainda que seja difícil separar sua obra, podemos dizer que, depois de Marx, nem as humanidades, nem as ciências sociais voltariam a ser como antes. A amplitude enciclopédica de seus conhecimentos, a profundidade de seu olhar, sua impetuosa busca das evidências que confirmassem suas teorias fizeram de Marx, suas teorias e seu legado filosófico mais atuais do que nunca.

O mundo de hoje, surpreendentemente, se parece ao que ele e seu jovem amigo Engels prognosticaram em um texto assombroso: o Manifesto Comunista. Esse sórdido mundo de oligopólios de rapina, predatórios, de guerras de conquista, degradação da natureza e saque dos bens comuns, de desintegração social, de sociedades polarizadas e nações separadas por abismos de riqueza, poder e tecnologia, de plutocracias travestidas de democracia, de uniformização cultural pautada pelo american way of life, é o mundo que antecipou em todos os seus escritos.

Por isso são muitos que, já nos capitalismos desenvolvidos, se perguntam se o século 21 não será o século de Marx. Respondo a essa pergunta com um sim, sem hesitação, e já estamos vendo: as revoluções em marcha nos países árabes, as mobilizações dos indignados na Europa, a potência plebéia dos islandeses ao enfrentarem e derrotarem os banqueiros, as lutas dos gregos contra os sádicos burocratas da União Européia, do FMI e do Banco Central Europeu, o rastro de pólvora dos movimentos nascidos a partir do Occupy Wall Street, que abarcou mais de cem cidades estadunidenses, as grandes lutas da América Latina que derrotaram a ALCA e a sobrevivência dos governos de esquerda na região, começando pelo heróico exemplo cubano, dentre muitas outras mostras de que o legado do grande mestre está mais vivo do que nunca.

O caráter decisivo da acumulação capitalista, estudada como ninguém mais o fez em O Capital, era negado por todo o pensamento da burguesia e pelos governos dessa classe, que afirmavam que a história era movida pela paixão dos grandes homens, as crenças religiosas, os resultados de heróicas batalhas ou imprevistas contingências da história. Marx tirou a economia das catacumbas e não só assinalou sua centralidade como demonstrou que toda a economia é política, que nenhuma decisão econômica está livre de conotações políticas. E mais, que não há saber mais político e politizado do que a economia, rasgando as teorias dos tecnocratas de ontem e hoje que sustentam que seus planos de ajuste e suas absurdas elucubrações econométricas obedecem a meros cálculos técnicos e são politicamente neutros.

Hoje ninguém acredita seriamente nessas falácias, nem sequer os porta-vozes da direita (ainda que se abstenham de confessar). Poderia se dizer, provocando o sorriso debochado de Marx lá do além, que hoje são todos marxistas, mas à lá Monsieur Jordan, personagem de Le Bourgeois gentilhomme (O gentil homem burguês, O Burguês ridículo, dentre outras traduções já feitas da obra), de Molière, que falava em prosa sem saber. Por isso, quando estourou a nova crise geral do capitalismo, todos correram para comprar O Capital, começando pelos governantes dos capitalismos metropolitanos. É que a coisa era, e é, muito grave pra perderem tempo lendo as bobagens de Milton Friedman, Friedrich Von Hayek ou as monumentais sandices dos economistas do FMI, do Banco Mundial ou do Banco Central Europeu, tão ineptos como corruptos e que, por causa de ambas as coisas, não foram capazes de prever a crise que, tal como tsunami, está arrasando os capitalismos metropolitanos.

Por isso, por méritos próprios e vícios alheios, Marx está mais vivo do que nunca e o faro de seu pensamento ilumina de forma cada vez mais esclarecedora as tenebrosas realidades do mundo atual.

Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia da Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).


Tradução: Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.
Última atualização em Sexta, 16 de Março de 2012

terça-feira, 13 de março de 2012

Brasil X Japão : cuidado com falsas informações

Japão : um ano após tsunami

Que a mídia é tendenciosa todo mundo já sabe, mas na reportagem sobre o Japão nem a TV Educativa escapou. O noticiário ontem, dia 12/03/2012 da TV Brasil, tinha o mesmo conteúdo que um certo e-mail que percorreu a internet no final do ano passado, com a seguinte análise, resumidamente: um ano depois Nova Friburgo continua na mesma porque a corrupção não permitiu o avanço na reconstrução do desastre (as informações são corretas, mas não cita o que já se fez) enquanto que no Japão, um ano após o tsunami o país já foi reconstruído e os japoneses estão felizes apesar do desastre. Uma das telespectadoras entrevistada diz exatamente isso: enquanto aqui não se fez nada, o Japão já foi reconstruído.  É incrível como as notícias são tendenciosas. Nada mais falso.

Se você procurar outras fontes alternativas na internet, tais como os sítios "terra, BBC Brasil, IG" e outros verá que a coisa não é bem assim,
Consulte pelo menos estes três:  1) http://noticias.r7.com/internacional/noticias/um-ano-apos-o-tsunami-cidades-inteiras-foram-apagadas-do-mapa-veja ;  2)http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/120305_japao_tsunami_1ano_dg.shtml ;  e  3) http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/bbc/quase-um-ano-apos-tsunami-japao-ainda-tem-montanhas-de-entulho/n1597664566106.html.   

E no site da BBC, que visita os locais http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_fotos/2012/03/120310_japan_ewerthon_dg.shtml, os dados ainda são desanimadores: "O maior dos problemas é o número de famílias desabrigadas. Mais de 50 mil famílias continuam em moradias temporárias. Outro desafio é que os depósitos de lixo estão lotados, e o governo não consegue decidir o que fazer. São mais de 23 milhões de toneladas de entulho. Serão necessários mais dois anos para processar todo o lixo."  Ou seja, os japoneses estão longe de resolver tudo. O que já foi reconstruído até agora, é a infra-estrutura : reconstrução de estradas e trechos urbanos  - "Um ano depois, quase toda a infra-estrutura da região destruída já foi reconstruída."  ( e os repórteres se baseiam apenas neste aspecto pra dizer que tudo já foi feito.)

Segundo a BBC   "As autoridades conseguiram limpar as ruas e restabelecer as condições mínimas de vida da população nos centros urbanos das províncias mais afetadas, as de Iwate, Miyagi e Fukushima. Segundo uma estimativa divulgada pelo governo, essas províncias produziram um total de 23 milhões de toneladas de entulho, e, até o momento, foram processados apenas 5% do material recolhido."  Ou seja os japoneses processaram apenas 5% do entulho do tsunami  "O entulho foi aglomerado em parques, campos de beisebol, pátios de escolas destruídas e outros espaços públicos. Carros e barcos destruídos também esperam um fim. O resíduo gerado em Iwate, por exemplo, equivale a 11 anos de lixo produzido pela província. Já Miyagi tem um total de entulho equivalente a 19 anos. O custo estimado de eliminação destes resíduos passa dos R$ 16,4 bilhões. Segundo cálculos do governo japonês, a eliminação total de todo o resíduo gerado pelo tsunami deve se estender até março de 2014. "Mas será extremamente difícil cumprir essa meta se o processo continuar nesse ritmo tão lento", criticou o ministro do Meio Ambiente, Goshi Hosono.


Lentidão (na reportagem da BBC)
Reconstruir as cidades tem sido o maior desafio do governo japonês após a tragédia. A partir deste mês, os cofres públicos começam a liberar a primeira rodada de subsídios para as sete províncias e 59 municípios diretamente afetados pelo terremoto/tsunami.
São cerca de R$ 5,3 bilhões que devem ser aplicados na remoção de famílias para áreas mais elevadas e reconstrução de prédios públicos, como escolas, postos de saúde e portos.


Nem mesmo as fotos do  "antes" e "depois" escapam da tendenciosidade da mídia. Na TV mostram-se fotos de rodovias destruídas antes e reconstruídas depois (em si está correto), mas não mostram fotos de um ângulo maior das cidades destruídas: porque o antes tudo está destruído, mas o depois só se vê terrenos limpos sem as construções, como mostra o R7 (veja no endereço acima). Nesta última pode-se notar que cidades inteiras foram destruídas e os terrenos estão vazios. Na parte que os terrenos estão limpos houve preocupação do governo de limpar estas áreas para evitar doenças, mas os entulhos foram amontoados em outro lugar (parques, campos de beisebol e espaços públicos). 

Veja o “antes e depois”

Do R7


japão, tsunami, 700

Segundo uma pesquisa feita pelo jornal Nikkei, cerca de 60% dos 37 prefeitos de cidades e vilas japonesas ouvidos disseram que a retomada das atividades normais ainda é muito lenta. Pouca oferta de trabalho, problemas de moradia e dificuldade para frequentar escolas – as crianças foram obrigadas a ir estudar em cidades ou bairros distantes – são os principais problemas enfrentados pela população.A questão da reconstrução das casas é um dos assuntos que geram discussões nas reuniões com as autoridades.Até agora, em muitas vilas, não sabe se será possível reconstruir as residências nas áreas próximas ao mar. Por isto, muitos resolveram se mudar para outras regiões e as autoridades temem que, com o tempo, as cidades percam ainda mais moradores.
O tosador de cães Nobuchika Kimura, de Iwaki (província de Fukushima), é um dos que pensou em levar a esposa e duas filhas adolescentes para outra província e recomeçar a vida.Além de perder muitos amigos, vítimas da onda gigante, ele viu também seu negócio praticamente acabar."Mas consegui um bico num restaurante, único tipo de comércio que não foi afetado por aqui", contou à BBC Brasil.Kimura calcula um prejuízo de cerca de R$ 20 mil reais no seu rendimento anual. "E ainda vai levar um tempo para as coisas se normalizarem", admitiu o japonês, que foi obrigado a buscar clientes em cidades vizinhas.

Outra pesquisa, feita pelo jornal Yomiuri, mostrou que de 27.149 pequenos e médios empreendimentos localizados nas províncias de Miyagi, Iwate e Fukushima, 22% (5.947) fecharam temporariamente ou permanentemente suas portas.


Ou seja, as coisas estão longe de voltarem ao normal. No entanto, para a mídia o Japão já foi reconstruído e os japoneses estão felizes e sorridentes.



Isso me lembra um certo "complexo de vira-latas" que nossa elite ainda sofre. É o sentimento de achar que os estrangeiros são sempre melhores do que nós, que nós não conseguimos resolver nossos problemas mais graves porque somos incapazes de resolvê-los; enquanto que os estrangeiros são sempre muito capacitados e resolvem tudo.

quarta-feira, 7 de março de 2012

O Brasil está em processo de desindustrialização ?


O Brasil está em processo de desindustrialização ?

Na imprensa brasileira e na mídia em geral corre a notícia que há um processo de desindustrialização no Brasil, principalmente na imprensa tradicional e entre os líderes de oposição. Até mesmo alguns economistas e outros pseudo economistas acreditam nesta história. Jornalistas afirmam que o país está desindustrializando. Empresários do setor industrial usam a mídia como ameaça afirmando esta tese, como é o caso dos líderes industriais paulistas e instituições ligadas a eles, tais como Fiesp e CNI. Mas estes usam suas instituições como força de barganha para conseguir do governo vantagens para seus setores. 

Mas, enfim o país está desindustrializando ? A resposta para esta pergunta é muito simples : NÃO. Evidente que não. Todos os estudos que usam critérios mais científicos e rigorosos provam que não. E isso desde há alguns anos. André Nassif, economista-pesquisador do BNDES, escreveu na Revista de Economia Política de jan/mar de 2008, o artigo “Há evidências de desindustrialização no Brasil?” rebate argumento de Gabriel Palma (2005, da Stanford University) que afirma que os países latino-americanos vivem uma nova forma de “doença holandesa” (dutch disease). Nessa versão, as novas políticas econômicas teriam acarretado não apenas perda relativa e precoce de participação da indústria no PIB, como principalmente o retorno a um padrão de especialização internacional baseado em produtos intensivos em recursos naturais.
André Nassif usando uma metodologia rigorosa e estatísticas oficiais consegue provar que não, que isso não acontece com o país. No primeiro critério usa o conceito de produtividade do trabalho a longo prazo: pela razão entre produção física e pessoal ocupado. Neste critério geral, não houve desindustrialização, pelo contrário, houve expansão da produção física industrial. Um outro critério é a mudança na estrutura industrial brasileiro a longo prazo. Na década de 50 o peso do setor agropecuário era muito grande (24%) no PIB e o industrial de apenas 18%; já na década de 80 o setor agropecuário cai para 10% do PIB e o industrial aumenta sua participação para 31% do PIB, alcançando a participação recorde de 32% em 1986. Na década de 1990, com a abertura comercial o setor industrial começa a perder sua participação relativa no PIB, chegando a 22,7% de forma sustentada. A queda da participação industrial no PIB foi acompanhada por uma elevação do setor de serviços no PIB brasileiro. Mas essa tendência se manteve ao longo da década de 90 e início do século XXI, chegando a 23% em 2004. De fato, a perda de participação relativa da indústria de transformação no PIB brasileiro nesse período, está longe de ter sido movida pelos fatores microeconômicos internos ou externos que costumam explicar a desindustrialização em países avançados .
Para que a hipótese de desindustrialização manifestada pelos diversos focos da " nova doença holandesa" seja válida para o caso brasileiro, uma parte expressiva dos segmentos que constituem as indústrias com tecnologia intensiva em escala, diferenciada e baseada em ciência deverá mostrar, simultaneamente, perda de participação no valor adicionado e nas exportações totais da indústria. No entanto, estes ramos industriais não alteraram significativamente sua participação relativa no produto industrial entre 1996 e 2005. Houve sim, perda relativa, de cerca de 2% dos setores texteis e vestuário (intensiva em trabalho) e aumento maior do setor de produção de petróleo e gás (compensando aquela perda). Ou seja, não houve alterações significativas na estrutura industrial brasileira das duas últimas décadas. 
 
Mas e aí vem o perigo; existe um más que pode levar o Brasil a sua desindustrialização – são as políticas de altos juros e supervalorização cambial. A partir de 2009 o Real sofre um processo de supervalorização: “O aumento desproporcional das importações e a perda de competitividade das exportações de manufaturados constituem-se nos maiores obstáculos ao investimento industrial e à geração de empregos e renda e, portanto, à constituição do ciclo virtuoso de crescimento liderado pelo investimento e pela indústria” – dizem Fernando Sarti e Célio Hiratuka do Instituto de Economia da Unicamp (2011). O risco de impactos negativos de uma expansão das importações será muito maior em um processo de valorização cambial. Porque esta política tende a substituir a produção industrial brasileira por produtos importados mais baratos. A participação da indústria na economia nacional já foi de 30% na década de 1980, mas atualmente caiu para cerca de 17% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) da Universidade de Campinas. “Não foi uma perda em termos absolutos, mas relativos, porque outros segmentos cresceram muito mais." (segundo o professor Júlio Almeida do Iedi). Entre esses segmentos destacam-se, por exemplo, o forte desenvolvimento da agropecuária, impulsionado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e do setor de serviços, principalmente nas áreas de telecomunicações, financeira e de software. De acordo com o professor, “a indústria sofreu desaceleração, enquanto os demais segmentos da economia cresceram. Não regredimos, mas poderíamos ter evoluído muito mais, uma vez que a indústria tem muito a dar ao Brasil”. O economista do Iedi ressaltou que a valorização do real em relação ao dólar é um fator decisivo para o “encolhimento” da indústria
 
O governo tem lançado políticas de incentivo à indústria nacional, mas de forma pontual, ou seja protegendo este ou aquele setor da concorrência internacional: foi assim no final do governo Lula com a indústria de eletrodomésticos e com a indústria automobilística. E agora com o governo Dilma com o plano Brasil Maior, que é um incentivo à inovação do setor e também aumentando a alíquota de importação para veículos. Estas medidas protegem pontualmente certos segmentos da indústria nacional. Por exemplo, a indústria automobilística continua crescendo e deve continuar crescendo nos próximos anos. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) avalia que entre 2011 e 2015 as montadoras instaladas no Brasil investirão cerca de US$ 19 bilhões (média de US$ 3,8 por ano). O país é visto com grande potencial  de crescimento para venda de automóveis. A média no Brasil é de seis habitantes por carro no Brasil, enquanto nos Estados Unidos (maior consumidor mundial) a média é de um carro por habitante. Segundo a Anfavea, entre 2005 e 2011, a produção de carros no Brasil passou de 1,715 milhão de unidades para 3,420 milhões de unidades por ano. O país tem capacidade instalada para produzir 4,5 milhões de carros por ano. A industria automotiva equivale a 5% do Produto Interno Bruto brasileiro e a um quinto do PIB industrial. Mas o que vale são as inovações tecnológicas e maior conteúdo nacional , que é o caso da Ford do Brasil, que anunciou no início de 2012, a produção do modelo do carro mundial no Brasil (e também na Tailândia e Índia), o EcoSport projetado por engenheiros brasileiros e argentinos. O anúncio da montadora indica que a indústria brasileira pode agregar valor a seus produtos. “É um produto nosso que está virando item de exportação. Essa é uma mudança de patamar importante e alinhada com o pensamento da presidenta da República [Dilma Rousseff], que quer fazer do Brasil não uma plataforma de montagem e produção, mas uma plataforma de tecnologia, engenharia e design” (disse o governador da Bahia, Jacques Wagner). Se for por esse caminho tudo bem. Pode acontecer, mas o problema que estas empresas são multinacionais, podem mudar de rumo a qualquer hora e só olham os seus próprios interesses – enquanto estiver interessante produzir aqui, eles continuarão. 
 
Certos setores, no entanto, não conseguem concorrer com produtos importados : é o caso das siderúrgicas brasileiras. “A desindustrialização é uma realidade que passa pela perda da competitividade seja pelo câmbio, tributação, assimetria competitiva ou pela guerra comercial com a China, principalmente”, disse o presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, André Johannpeter. Para Johannpeter, cuja família é a principal acionista do Grupo Gerdau, se o governo não pode promover mudanças na política de câmbio, que se encontra desfavorável às exportações por causa da valorização do real, pode atuar em outras frentes. “Se o câmbio vai ser esse e a dificuldade para competir vai ser essa, há outras áreas que podem ser mexidas, como a tributária, o custo de energia, que é o terceiro mais caro do mundo, os encargos trabalhistas e a competição desleal”, disse ele. 
 
Aí, entramos numa área real de perigo que pode provocar a desindustrialização (parcial ?) brasileira: a concorrência desleal da China. Não dá pra concorrer com a China, ela se preparou para dominar o mundo, ela tem a menor carga tributária, o salário mais baixo do mundo e a moeda mais desvalorizada do mundo. Simplesmente não dá pra concorrer com um país que tem esta estrutura, em termos assimétricos ou seja: livre comércio e livre câmbio de um lado; enquanto o outro lado controla estas variáveis. A China manipula sua moeda e seu câmbio e os termos do comércio exterior. Só existe um jeito de concorrer com ela, usando os mesmos instrumentos de controle monetário e cambial. Ou pelo menos tentar nos proteger com medidas protecionistas e anti-dumping,etc. Em 2005, Argentina, Brasil, Colômbia e México exportaram cerca de US$ 1 bilhão para a China em produtos metalmecânicos e importaram US$ 18,3 bilhões. Em 2010, o valor das exportações praticamente dobrou. No entanto, as importações saltaram para US$ 59,5 bilhões, elevando o déficit na balança comercial de US$ 17,3 bilhões em 2005 para US$ 57,5 bilhões no ano passado. “Exportamos cada vez mais produtos primários [para a China] e recebemos cada vez mais produtos manufaturados, o que significa que a geração de emprego e o valor adicionado estão na China”, disse Germano Mendes de Paula, do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (MG), que apresentou o estudo. Quase 63% do que é exportado pela China para o Brasil são produtos metalmecânicos, enquanto o Brasil exporta apenas 2,5% em produtos da cadeia de metalmecânica. O estudo também confirma a queda da participação dos manufaturados na pauta de exportações. Em 2005, os produtos manufaturados respondiam por 55% das exportações. No ano passado, o percentual caiu para 39%.

O processo de desindustrialização parece já ter sido iniciado em alguns setores da indústria brasileira, por exemplo, o setor de têxteis e vestuário já diminuiu sua participação interna na indústria brasileira; e vários outros setores tem sofrido a concorrência dos importados. No entanto, isto não caracteriza ainda um processo mais amplo de desindustrialização brasileira. 

Enquanto alguns setores sofrem concorrência e diminuem sua participação relativa no PIB industrial, outros crescem e aumentam sua participação relativa no PIB : é o caso de alguns setores isolados como o agropecuário (que tem incentivo da Embrapa para novos produtos), indústria aeronáutica (Embraer), a indústria naval e o setor de petróleo e gás. A indústria naval estava quase que completamente paralisada no final do governo FHC, empregava apenas 2000 homens. Hoje, este setor se recuperou, com incentivos do governo Lula (com recursos do Ministério da Marinha) e emprega cerca de 60,000 pessoas, mais que empregava no final da década de 1970, quando o Brasil possuia a segunda maior indústria naval do mundo. Outro setor promissor é o de petróleo e gás – este também cresceu muito, a produção de refino aumentou 35% em uma década e as novas reservas de pré-sal descobertas ainda nem mesmo iniciaram sua produção. Estas novas reservas deve colocar o Brasil em terceiro ou quarto maior produtor mundial. São as maiores descobertas de petróleo em várias décadas no mundo. O Pré-sal, localizado em águas profundas no litoral brasileiro exige novas tecnologias para ser explorado e a Petrobrás pesquisou e inventou estas novas tecnologias (que as multinacionais estão de olho grande) patenteadas por ela. 
 
Assim, podemos estar iniciando um novo tipo de industrialização brasileira, de maior conteúdo nacional, com maior investimento em P&D e inovações técnicas brasileiras que daria sustentabilidade de longo prazo às empresas brasileiras em condições de competitividade internacional. Com o pré-sal estamos criando e incentivando uma nova cadeia produtiva com conteúdo nacional amplamente integrada – haveria grandes avanços neste setor com investimentos e pesquisas de novos produtos de tecnologia nacional desde embarcações, navios, transportes, logística, novos equipamentos para extrair petróleo do fundo do mar, pesquisas em universidades com surgimentos de novos produtos, estímulo ao refino nacional e derivados e estímulo às exportações de derivados e de novos produtos ,etc. Enfim é um setor que promete muito e pode crescer ainda mais, o que ampliaria em muito as atividades industriais correlatas e os efeitos diretos e indiretos destas atividades. Aí sim teríamos um setor industrial de conteúdo e tecnologia inteiramente nacional, que poderia dar sua própria sustentação a longo prazo, sem ter que exportar lucros e depender de tecnologia importada. Este setor teria uma ampla participação na estrutura industrial brasileira e geraria uma integração também com os setores de serviços e de comércio. A desindustrialização aconteceria se apenas fôssemos exportar o óleo cru, como uma commodity qualquer e aí estaríamos sujeitos ao mercado internacional de commodities, como é o caso dos países exportadores de petróleo cru, tais como Venezuela, Arábia Saudita, Iraque, Irã, etc. Estes países sofrem da “doença holandesa”, como dissemos antes e por isso não conseguiram se industrializar. Não é o nosso caso, já que não dependemos de um só setor exportador e possuimos uma economia bastante diversificada e um grande mercado consumidor interno que garante a oferta de produtos industriais produzidos aqui. Tudo depende de uma política industrial bem definida e de uma política mais ampla de desenvolvimento econômico a longo prazo.

Daniel Miranda Soares é economista aposentado e ex-professor de Economia.

“A INFLAÇÃO ALEIJA, MAS O CÂMBIO MATA”

Reproduzo abaixo, dois textos interessantes sobre "desindustrialização" . O próximo será o meu.

 

O PIB e a volta do Estado-Nação

O PIB de 2011 mostra um recuo assustador do setor industrial na economia: de 2010 para 2011, a fatia da indústria no PIB recuou de 16,2% para 14,6%. As vendas do setor varejista cresceram mais de 7% no ano passado, mas produção industrial apenas 0,3%: a diferença foi atendida pelas importações, impulsionadas pelo Real forte, consequência do ingresso maciço de capital especulativo, atraído pelos juros siderais do país.

O conjunto explica por que o investimento brasileiro despencou do equivalente a mais de 21% do PIB em 2010 para menos de 5% dele em 2011. Não há panacéia para reverter a espiral descendente da atividade industrial e, por tabela, do investimento.

A solução, em primeiro lugar, contempla uma ousadia política: entender que o Estado-Nação, ou seja, a soberania sobre a moeda, portanto, o controle sobre o fluxo de capitais estrangeiros, tornou-se um imperativo histórico diante da desordem financeira e cambial gerada pelo colapso do neoliberalismo.

À contragosto do mainstream neoliberal e financista, a agenda do Estado-Nação está de volta. Ainda que a mídia conservadora omita, é a pauta óbvia por trás da guerra cambial denunciada pela Presidenta Dilma Rousseff, que apontou o dilúvio monetário como uma nova forma de protecionismo dos Estados ricos; é o que está por trás da reforma no BC argentino (Leia reportagem nesta pág); é também o que explica, em boa parte, a opção eleitoral da sociedade russa por um Estado forte (com as devidas e justas ressalvas à precariedade da democracia russa, nascida para legitimar o saque contra o patrimônio público soviético).

A volta do Estado-Nação --repita-se, a soberania no manejo da moeda, do câmbio e dos juros-- não representa um retorno ao nacional-desenvolvimentismo dos anos 50/60, que subestimou a questão social e ignorou o meio-ambiente na ordenação estratégica do crescimento (Leia em Carta Maior a coluna de José Luis Fiori sobre os dilemas do desenvolvimentistmo no século XXI) Tampouco significa uma alternativa global à montanha desordenada de ruínas produzida pela crise de 2008. Trata-se ,porém, da opção disponível à deriva mundial alimentada por uma lógica financista que até o colapso das subprimes arrogava-se virtuosa, eterna e universal.

Hoje, avulta até aos olhos desavisados, aquilo que se pretendia universal era um feixe de interesses pantagruélicos, engendrados pela supremacia das finanças desreguladas, cuja regressividade eviscerou Nações, Estados, direitos sociais e a própria subjetividade. A percepção consciente ou intuitiva de que há incontornável necessidade de um poder capaz de barrar e reverter essa engrenagem, explica a urgência de se devolver o imperativo da soberania à caixa de ferramentas da política econômica brasileira. (Leia mais sobre esse debate no texto de Dani Rodrik:
http://www.project-syndicate.org/commentary/rodrik67/English)
Postado por Saul Leblon às 11:42


A INFLAÇÃO ALEIJA, MAS O CÂMBIO MATA (Mario Henrique Simonsen)

Por Rodrigo Vianna

“O Serra pode ser criticado por muitos motivos. Mas num ponto é preciso concordar com ele: o Brasil está num processo de desindustrialização [para o qual ele muito contribuiu como ministro do planejamento no governo FHC com a “âncora cambial” e ao passar, na “privataria”, muitas indústrias nossas para mãos estrangeiras]. Logo no início do governo Dilma, publiquei aqui um modesto artigo que tocava nesse ponto – lembrando os alertas lançados por dois importantes economistas: Delfim Neto e Marcio Pochmann.


A “CartaCapital” desta semana traz, na capa, exatamente o tema da desindustrialização. Ou seja: nesse ponto, Serra está bem acompanhado. O que não ajuda muito o tucano é o fato de ter sido ministro (do Planejamento) num governo que adotou a doutrina ultraliberal feito dogma, abrindo a economia sem nenhum tipo de freio, expondo a indústria (e o país) à tal “âncora cambial” – que servia para frear a inflação e consolidar o Real, mas que teve papel nefasto para o Mercado Interno.

Agora, Dilma diz – na Alemanha, que Brasil vai se proteger da guerra cambial.

Lembro bem que, durante o governo FHC, a cada reclamação do setor industrial, gente ligada ao tucanato ia para a imprensa e chamava o prédio da FIESP de “grande monumento ao custo Brasil”. Quase na galhofa. Os tucanos (ou parte deles, porque havia gente ajuizada como Bresser, que não achava graça nenhuma em jogar fora o capital nacional) pareciam ter um desejo sádico de quebrar a indústria nacional, arrebentar esse patrimônio construído a duras penas desde o governo Vargas.

O tucanato podia se dar a esse luxo. Afinal, na ampla coalizão que sustentava FHC, o setor financeiro era claramente hegemônico (basta ver onde foi trabalhar o Ministro Malan, após deixar o governo).

Lula e Dilma mantiveram o setor financeiro na grande aliança que sustenta o governo. Isso é inegável. Mas a ênfase mudou. Lula cumpriu o velho programa dos “economistas do PMDB”, que passaram anos e anos lutando para que o Brasil priorizasse o mercado interno de massas e crescesse dividindo o bolo. Isso só pôde ser feito em aliança com a indústria. Lula pôs em prática, também, a velha tese do partidão: a famosa “aliança do operariado com a burguesia industrial”. Lula fez isso, e, ao mesmo tempo, incorporou vinte milhões de miseráveis ao mercado. E – ufa! - sem desagradar a Banca. Ficou de fora do grande arranjo lulista a classe média tradicional (ou “pequena-burguesia”, como diziam os petistas quando ainda estavam sob influência do marxismo); não é à toa que dela parte a oposição mais virulenta a Dilma/Lula.

Mas essa é outra história… Quero me concentrar em outro ponto. O compromisso de Lula com o setor produtivo industrial, de certa forma, era sinalizado pela presença de um “capitão da indústria” na vice-presidência. José Alencar passou oito anos brigando para derrubar os juros. Era a forma de Lula equilibrar o jogo, ainda que, no primeiro mandato, a balança tenha pendido mais para o núcleo duro financista, representado pela dupla Palocci/Meirelles.

No segundo mandato, a presença de Mantega na Fazenda foi decisiva para que, na crise de 2008, Lula adotasse uma saída “expansionista” para enfrentar a crise. Uma das medidas para fazer o Brasil resistir à crise foi a redução de alíquotas de imposto para os carros. Isso mostra o papel dinâmico da indústria. Mostra porque é fundamental preservar o imenso patrimônio industrial brasileiro. Lula manteve a aliança com a banca. Mas deu mais ênfase ao mercado interno e à indústria. No governo Lula, ninguém chamava a FIESP de “monumento ao custo Brasil”…

Mas o fato é que “mudar a ênfase” é muito pouco. Do contrário, qualquer dia vamos acordar, olhar para o lado e perguntar: cadê a indústria que tava aqui? A China comeu.

O Brasil, hoje, é vítima de sua estabilidade. Mais que isso: dólares não param de chegar, deixando o Real cada vez mais forte. Por que? Porque nossos juros altos atraem capital. E há muito dinheiro voando por aí. Os EUA detêm a famosa “maquininha de imprimir papel-moeda”. Os tolos liberais brasileiros sempre disseram que política expansionista era um erro. E que era preciso “enxugar” a economia, e “fazer a lição de casa” e blá-blá-blá. O “Federal Reserve” não acredita na cantilena liberal. Na crise, inundou o mundo de dólares. Qual o objetivo? Os produtos dos EUA precisam ficar mais baratos! É uma tentativa desesperada de recuperar a indústria dos EUA – dizimada pelos chineses.

Como diz meu colega Azenha: Reagan iniciou o processo de exportar empregos industriais para a China e o México. Os EUA queriam ficar apenas com a “economia limpa”, do setor de serviços. Agora, os EUA descobrem que só os “serviços” não seguram o país na hora da crise. E também se perguntam: cadê a indústria? A China comeu!

Do outro lado do mundo, a China segura a cotação do yuan. É o que explica – em parte – os preços imbatíveis dos produtos industriais chineses.

E o Brasil?

Não há saída. Agora, não bastam mudanças cosméticas. Não basta baixar IPI aqui ou ali. Nossa indústria está sendo dizimada. Não se trata de “choradeira da FIESP”. Conheço duas pessoas – empresários de pequeno porte – que trabalham com exportação de produtos brasileiros. Os dois estão com a corda no pescoço. A duras penas, seguram os clientes que ainda não se mandaram; não conseguem novos clientes. O mundo quer comprar barato da China.

Ok, talvez não consigamos concorrer com os chineses, a não ser aqui na América Latina, o que já não seria pouco…

Mas o principal, agora, é fazer a defesa de nosso mercado interno. Isso é urgente. O governo precisa adotar medidas duras para conter a valorização do dólar e para impedir a entrada dos produtos chineses.

Recentemente, entrevistei o professor Bresser Pereira, e ele foi claro. O Brasil precisa controlar a entrada e saída de dólares. Se Dilma não fizer isso agora, o estrago pode ser definitivo.

O que nos consola é: esse não é um drama (apenas) brasileiro. O mundo vive a tal “guerra cambial”. EUA e China usam suas armas. Precisamos usar as nossas, lembrando sempre da velha frase do Mário Henrique Simonsen: a inflação aleija, mas o câmbio mata.”

FONTE: escrito por Rodrigo Viana em seu blog “Escrivinhador”  (http://www.rodrigovianna.com.br/forca-da-grana/cade-a-industria-que-tava-aqui.html#more-11864). [Imagem do Google e trecho entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].