CEMIG – a privataria tucana em Minas
A empresa, que atua no
ramo de geração, transmissão e distribuição de energia, é a décima maior
companhia brasileira de capital aberto, segundo ranking da revista
estadunidense Forbes. Em abril de 2011, a Cemig foi uma das 37 empresas
brasileiras que figuraram na lista, e subiu 11 posições no ranking
mundial, alcançando a 671ª posição. É a segunda estatal brasileira no
ramo de energia. A empresa “estatal” possuia um capital social de R$4,2
bi em maio de 2012 com 853.018.228 ações, sendo destas 76,64% de livre
negociação – o restante capital público. O setor público possui 23,3% do
total das ações e 50,98% das ações ordinárias (com direito a voto). Das
ações com direito a voto (ordinárias) 32,96% pertence à Andrade
Gutierrez (AGC Energia s/a). Das ações preferenciais (de livre
negociação) 98,03% pertencem ao setor privado, que detém 76,6% do total
das ações (30% ao mercado interno e 46% ao mercado externo, destas
26,51% ADR's).
A Cemig teve parte do seu
capital privatizado em 1997, durante o governo tucano de Eduardo
Azeredo. O consórcio Southern Electric Participações (Southern Eletric, AES e Banco Opportunity do empresário Daniel Dantas)
obteve R$ 600 milhões do BNDES para adquirir 32,9% do controle
acionário da Cemig (capital votante), numa operação em 29/05/1997 na
Bolsa do Rio que durou apenas um minuto, tempo suficiente para o único consórcio interessado confirmar sua proposta. Ou seja, recebeu dinheiro do povo para adquirir o patrimônio do povo. Os
compradores vão participar da gestão da Cemig, num modelo chamado de
"privatização branca". O acordo de acionistas previa que os acionistas
receberiam dividendos de no mínimo 50% dos lucros, o que retirava da empresa a capacidade de fazer investimentos, mas era muito vantajoso para o consórcio. Com apenas 33% do capital votante ou menos de 14% do capital total, os
"parceiros estratégicos" tinham o controle da empresa, pois o acordo de
acionistas previa que as decisões da Diretoria e do Conselho de
Administração só teriam validade se fossem aprovadas por unanimidade.
Com um terço do número de diretores e com quatro dos 11 conselheiros, os
sócios minoritários reunidos no consórcio poderiam vetar qualquer
decisão.
O
eminente jurista Eros Grau, professor da USP, em seu parecer solicitado
pela assembléia legislativa de Minas respondeu que o acordo era ilegal e inconstitucional : o
acordo de acionistas é nulo de pleno direito, pois adverso à
Constituição do Estado de Minas Gerais e à lei estadual nº 11.968, de 10
de novembro de 1995.
Antes do acordo, o Estado de Minas Gerais detinha 84% do capital
votante da empresa sem qualquer acordo de acionista, com amplo e
irrestrito poder de decisão. O então governador Itamar Franco, apoiado pela maioria da ALMG, cortou os privilégios dos sócios privados e minoritários da CEMIG, a partir de 1999, colocando a AES no seu devido lugar. Essa empresa norte americana, acabou dando calote na instituição financeira (Bndes), em mais de 2 bilhões de Reais. A gigante da construção civil, Andrade Gutierrez – AG -, assume a dívida da AES com o BNDES, ficando com os 32,9% do capital votante da CEMIG.
Mas,
não foi bem assim. A dívida de 2,1 bi de Reais não foi paga na
totalidade e os papéis lançados pela AG, resgatáveis até 2020, são hoje
bancados por um novo acordo de acionistas, que pereniza a distribuição
privilegiada de dividendos para a maior sócia minoritária da CEMIG: a
AG. Desde 2003 (governo Aécio Neves) sem
maiores formalizações e debates públicos, a CEMIG volta a remunerar,
com 50% de seu lucro, os ditos sócios minoritários. Ou seja, todo o
custo operacional da empresa ficava limitado e espremido por algo
atípico: os ganhos dos acionistas pressionavam pela queda na qualidade e
na quantidade de investimentos em Minas Gerais, por exemplo, nas redes
aéreas e subterrâneas.
Cemig assalta consumidores mineiros.
Subsídio para indústrias, altas tarifas para a população; energia
elétrica em Minas Gerais é a mais cara do país. No início de 2003,
durante o governo Aécio Neves, a tarifa de Minas Gerais era exatamente
igual as de Brasília, Rio Grande do Sul e São Paulo (0,23 por kWh -
residencial B1). Mas nos anos seguintes, a Cemig implementou uma
política de aumentos dos preços de seus serviços, atingindo o
inacreditável percentual de 74% (até 2008) - um verdadeiro tarifaço.
Enquanto os consumidores residenciais mineiros pagam R$ 497 por
megawatts/hora de energia, além dos impostos, as indústrias, chamadas de
"consumidores livres", pagam R$ 81 pela mesma quantidade, ou seja, 5
vezes menos. Em abril de 2007, a tarifa dos consumidores residenciais
aumentou 6,5%, enquanto o reajuste para as indústrias foi de 2,89%. O
ICMS na conta de luz é de 32% em Minas enquanto que em outras praças
(DF, RJ, SP) é de 17%. O tarifaço resultou num aumento arbitrário do
lucro da Cemig. Só nos últimos 3 anos, o lucro cresceu 70%. De 1998 a
2002 a média histórica de lucro da empresa era de 10%. Em 2005, esse
percentual foi para 17%. Um lucro adicional de mais de R$ 2 bilhões.
Numa projeção pessimista, durante o governo tucano em Minas, o lucro da
Cemig salta para a casa dos R$ 6 bilhões. E 63% dos dividendos da
empresa vão para grupos privados internacionais. (NovoJornal).
Fernando Duarte, técnico
do Dieese, aponta que o panorama do controle acionário da Cemig mudou em
1997, no processo de tentativa de privatização da empresa, e que, desde
então, a participação de acionistas preferenciais estrangeiros (aqueles
que não têm direito a voto, mas têm direito a participação dos lucros)
tem crescido gradativamente.
"O que chama atenção é que a Cemig
distribui mais do que seus dividendos. Em 2005, a empresa lucrou R$ 2,03
bilhões e distribuiu R$ 2,07 bilhões. Está sendo dada prioridade máxima
aos acionistas, enquanto o lucro da empresa poderia ser destinado a
investimentos na melhoria da qualidade do serviço e para rever a
política tarifária", afirma.
A Cemig possui 8.859
empregados mas o que não consta nos dados oficiais é o número de
trabalhadores terceirizados: 18 mil; como afirma Jairo Nogueira Filho,
coordenador do Sindieletro. A cada 45 dias, um trabalhador precarizado
da Cemig morre no trabalho.“Esse trabalhador tem baixos salários, um treinamento que não é o adequado,
e trabalha por produtividade, ou seja, quanto mais serviço ele fizer,
mais vai ganhar. Isso vai contra a lógica do setor elétrico, que é um
setor de alto risco. Não dá pra brincar com energia elétrica. Aí começou
a carnificina”, ressalta Jairo.
Ainda segundo Jairo Nogueira Filho, coordenador do
Sindieletro, houve uma tentativa clara de privatização da Cemig em 1995,
durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso e sob o governo de
Eduardo Azeredo, ambos do PSDB. “As concessões foram renovadas em 95,
com o adendo de autorização de terceirização do setor elétrico, já
pensando na privatização do setor”, aponta.
No entanto, ele denuncia que o ex-governador Aécio
Neves (PSDB) fez uma manobra para realizar o que chama de “privatização
branca”. “O que o governador Aécio fez? Incluiu a Andrade Gutierrez,
através da compra da Light no Rio, e estabeleceu um novo acordo de
acionistas, consolidado pelo atual governador Antonio Anastasia, com os
pontos que Itamar tinha conseguido desfazer. A Cemig passa hoje 50% dos
dividendos para empresas minoritárias, através de um acordo aprovado por
acionistas. No meu entender, isso é contrário ao que a Justiça
determinou”, aponta.
O desrespeito ao
trabalhador vai além da falta de treinamento. A médica do trabalho Ana
Lúcia Murta, com 17 anos de experiência na área e cinco especificamente
no setor elétrico, aponta que há alojamentos em péssimas condições de
acomodação, de conforto, de higiene; uniformes e equipamentos
inadequados, falta de cumprimento da legislação trabalhista e jornadas
que ultrapassam o limite legal, devido à pressão de produtividade.
Líderes do MSC(Minas Sem Censura) querem
saber o porquê da precária manutenção em redes subterrâneas e aéreas da
CEMIG. Mas, intui que o sucateamento operacional que leva a acidentes
como o de Bandeira do Sul, a explosões de bueiros e a acidentes graves
com trabalhadores terceirizados, tem a ver com os privilégios de sócios
minoritários da CEMIG. Aliás, minoritários apenas na formalidade, mas
-de fato- mandam na estatal. Afinal, pagar dividendos que levam quase
todo o lucro da empresa implica queda de investimentos em manutenção. Se
tudo no universo se relaciona, as transações da CEMIG, AES, AG e Light
se relacionam de forma bem mais promíscua. Aliás, quedas de energia,
diminuição de podas de árvores, falta de manutenção da rede aérea, da
subterrânea, aumento dos acidentes com a terceirização, são
manifestações de um processo perverso de privatização das Centrais
Elétricas de Minas Gerais.
Daniel Miranda Soares é economista e administrador público aposentado.