sábado, 19 de outubro de 2013

"LIBRA" NÃO É SÓ PETRÓLEO


"LIBRA" NÃO É SÓ PETRÓLEO

 Por Saul Leblon

Em todo o mundo o discurso conservador subsiste em estado comatoso desde o colapso da ordem neoliberal, em 2008. O empenho é para injetar sobrevida ao defunto, resistir e desgastar o anseio de mudança. Até que se generalize o descrédito nos partidos, na luta pelo desenvolvimento e no aprofundamento da democracia política e econômica, como instrumento de emancipação histórica e social.


A ascensão da Frente Nacional Fascista na França é um sintoma (leia a reportagem de Eduardo Febbro; nesta pág). Outro, o poder de uma falange, como o Tea Party, de empurrar até perto do abismo fiscal a nação mais poderosa da terra. São manifestações mórbidas recorrentes. Que afrontam  o anseio da mudança instalado no coração da sociedade pela maior crise capitalista desde 1929.

Quando o extraordinário acontece, as lentes da rotina já não conseguem  explicar  a vida.  A ‘redescoberta’ de Marx, analisada por Emir Sader nesta pág  (leia o blog do Emir), é um sintoma do anseio por um novo foco. É  mais que uma redescoberta intelectual. Essa é a hora em que o preconceito histórico  inoculado  contra o socialismo perde força. Até nos EUA.

Uma pesquisa feita pela Pew Research, no final de 2011, tentou medir esse ponto de mutação. Os resultados foram significativos:

a) na faixa etária entre 19 e 28 anos a menção ao ‘socialismo’  encontra receptividade favorável entre 49% dos jovens norte-americanos (entre 43% ela é negativa).

b) entre a população negra – açoitada pela crise - os dados são ainda mais expressivos: respectivamente 55% de aprovação ; 36%, rejeição.

c) a mesma medição, agora para  ‘capitalismo’, obteve os seguintes percentuais  nos grupos mencionados: 46% e 47%, entre os jovens; e 41% favorável e  51%  negativo, entre os negros.

A informação consta de um artigo de Michelle Goldberg, cuja íntegra será publicada  nesta página. A liquefação da agenda neoliberal e do preconceito anti-socialista não amenizam  a responsabilidade  de se erguer linhas de passagem críveis ao passo seguinte da história. No caso brasileiro, a operação envolve agravantes  de singularidade e circunstância.

Em primeiro lugar, a responsabilidade de  ser governo. Portanto, mais que nunca,  de erguer pontes que partam da correlação de força existente para superá-las, sem risco de regressão.

Em segundo lugar, os sinais de desgaste na confortável pista incremental,  pela qual o país  tem transitado  para responder  a  desafios seculares  com  avanços específicos .

Um terceiro agravante: o  crepúsculo  de um ciclo internacional de alta da liquidez e dos  preços das commodities. A inflexão externa  adiciona percalços à renovação do motor do desenvolvimento brasileiro.

Quarto,  os capitais e os grandes oligopólios não estão parados. O colapso financeiro acelerou a descentralização produtiva que define a nova morfologia  da industrialização no mundo. Travada pelo câmbio desfavorável,  a manufatura brasileira ficou de fora do novo arranjo global das cadeias  de tecnologia e  suprimento.

O país não  resgatará sua competitividade  sem recuperar o terreno perdido nessa área. A flacidez industrial  rebaixa  a produtividade sistêmica da sua economia. Com efeitos regressivos na geração dos excedentes indispensáveis à convergência da riqueza . É nesse horizonte de mutações e desafios que deve ser analisado um  acontecimentos que divide o campo progressista brasileiro. O  leilão de Libra.

A mega-reserva do pré-sal, capaz de conter acumulações equivalentes a até 13 bilhões de barris de  petróleo e gás, deve ser leiloada na próxima 2ª feira (21). Democratas e nacionalistas sinceros divergem. Petroleiros vão à greve.

Defende-se que a Petrobrás assuma sozinha a tarefa de extrair uma riqueza guardada no fundo do oceano que pode conter até 100 bilhões de barris.

A Petrobras tem o domínio da tecnologia para fazê-lo. É quem foi mais longe nessa expertise em todo o mundo.

Mas não dispõe dos recursos financeiros para  acionar esse trunfo na escala e no tempo imperativo. Paradoxalmente, em boa parte, porque cumpriu seu papel de estatal na luta pelo desenvolvimento. Os preços dos combustíveis no Brasil foram congelados pelo governo como instrumento  de controle da inflação. Durante anos. Sob protesto da república dos acionistas ,  cuja pátria é o dividendo. E nada mais.

Secundariamente, o leilão será feito porque o governo necessita também de recursos para mitigar a conta fiscal de 2013. Ademais do peso dos juros  no orçamento federal – exaustivamente criticado por Carta Maior - o Estado, de fato, realizou pesados dispêndios este ano e nos anteriores.

Em ações contracíclicas para impedir a internalização da crise mundial no Brasil. O conservadorismo reprova acidamente essas escolhas. Solertes entreguistas, súbito, pintam-se de verde-amarelo  em defesa da estatal criada por Vargas. A emissão conservadora alveja  o que chama de ‘ uso político da Petrobras  e da receita pública’ para financiar  ‘ações populistas’ , que não corrigem as questões estruturais  do país. A alternativa martelada  é  a ‘purga’ saneadora.

Contra a inflação, choque de juros (muito superior ao que se assiste). Contra o desequilíbrio fiscal, cortes impiedosos na ‘gastança’. Qual?  Qualquer gasto público destinado a fomentar o desenvolvimento, financiar a demanda,  reduzir a pobreza e combater a desigualdade. O ponto é: sem agir  a contrapelo dos interditos conservadores, desde 2008, o Brasil teria  hoje um governo progressista?
 Subsistiria  ao cerco de 2010 contra Lula e Dilma? Ou  da terra  ‘semeada’ pela recessão e o desemprego  emergiria a colheita devastadora? José Serra, que, ato contínuo, reverteria a regulação soberana do pré-sal, como, aliás,  prometera à Chevron. O governo fez a escolha oposta.  O resto é a história dos dias que correm.

Ao decidir pelo leilão de Libra está dobrando a aposta. Qual seja:  mais importante que adiar  Libra  para um futuro de hipotética autossuficiência exploratória,  é  aceitar a participação de terceiros, mas preservar e colher, antes, o essencial. O essencial são os  impulsos industrializantes  embutidos na regulação soberana  das maiores reservas  descobertas neste século em todo o planeta.

Um exemplo resume todos os demais. O Brasil  hospeda  a maior  concentração de plataformas submarinas do mundo. Uma em cada cinco unidades existentes está a serviço da Petrobrás.  Em dez anos, essa proporção vai dobrar.  Assim como dobra a produção prevista de petróleo em sete anos: dos atuais  2 milhões de barris/dia para 4,5 milhões b/d.

Entre uma ponta e outra repousa a chance de a industrialização brasileira engatar  um salto tecnológico e de escala, ancorado nas encomendas  e encadeamentos  do pré-sal. Emprego, produtividade, salários e direitos sociais estão em jogo nesse salto.  A convergência sonhada entre a democracia política, a democracia social e a democracia econômica depende, em parte, do êxito desse aggiornamento industrializante da economia brasileira.

O leilão do dia 21 é um pedaço dessa aposta. Que tem a torcida adversa daqueles que não enxergam nenhuma outra urgência no horizonte do desenvolvimento brasileiro, em plena agonia da ordem neoliberal. Exceto recitar  mantras do  defunto. Na esperança de ganhar tempo para que o desalento faça o serviço sujo: desmoralizar  a política e interceptar o salto histórico do discernimento social brasileiro.

Uma  retração econômica redentora cuidaria do resto, injetando disciplina  nas contas fiscais e ordem no xadrez  político. Para, enfim, providenciar aquilo que as urnas sonegam:  devolver  a hegemonia do país a quem sabe dar ao ‘progresso’  o sentido excludente e genuflexo que ele sempre teve por aqui.

FONTE: escrito por Saul Leblon em editorial do site "Carta Maior"  (http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Libra-nao-e-so-petroleo/29234).

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Como transformar Excelentes notícias em Péssimas notícias

FOLHA DESTACA APENAS DADOS NEGATIVOS DA PNAD

Em sua coluna deste domingo, a ombudsman da Folha abordou a Pnad. Relata como a mídia transformou uma notícia excelente em um amontoado de péssimas notícias.

Pois bem, a última PNAD revelou um dado surpreendente. Tão surpreendente que surpreendeu até a Néri, um dos principais coordenadores da pesquisa: no ano passado, apesar do “pibinho” de 0,9%, o brasileiro ficou muito mais rico – a renda média cresceu 8,9%.

Pelos cálculos de Marcelo Neri, 50, presidente do Ipea, 3,5 milhões de brasileiros saltaram a linha de pobreza em 2012. "No conjunto das transformações, foi a melhor Pnad dos últimos 20 anos", diz Neri.
  

Mas não para a nossa grande imprensa conservadora e golpista, que transformou uma excelente notícia em péssima notícia. Veja abaixo o artigo de Suzana Singer, ombudsman da Folha. 

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FOLHA DE SÃO PAULO
6 de outubro de 2013

OMBUDSMAN
SUZANA SINGER ombudsman@uol.com.br @folha_ombudsman facebook.com/folha.ombudsman

Arauto das más notícias
Folha destaca apenas dados negativos da Pnad, apesar de a pesquisa ter apontado aumento de renda em 2012.

A edição que a Folha fez da pesquisa Pnad, que traça anualmente um quadro social do país, é um prato cheio para quem acha que o jornal só publica más notícias. Todos os destaques pinçados no levantamento eram negativos.

O título na capa informava que “Analfabetismo e desigualdade ficam estagnados no país” (28/9). Em “Cotidiano”, havia o aumento da diferença de renda entre homem e mulher, os salários inchados pela falta de mão de obra especializada e o celular como o único tipo de telefone em mais da metade dos lares. A análise dizia que o resultado da pesquisa pode significar “o fim da década inclusiva”.

Outros jornais optaram por manchetes do tipo uma no cravo outra na ferradura: “Renda média sobe, mas desigualdade para de cair” (“O Globo”), “Analfabetismo para de cair no país; emprego e renda sobem” (“Estado”), “Em todas as regiões houve aumento de renda, mas a desigualdade ficou estagnada” (Jornal Nacional).

Com seu característico catastrofismo, a Folha fez uma leitura míope da pesquisa, que é muito importante pela sua abrangência -são 363 mil entrevistados respondendo sobre escolaridade, trabalho, moradia e acesso a bens de consumo.
O dado mais surpreendente era que a renda do brasileiro cresceu em 2012, ano em que o PIB subiu apenas 0,9%. Na Folha, esse fenômeno só foi citado no meio de uma reportagem sobre a desigualdade.
Coube ao colunista Vinicius Torres Freire, no dia seguinte, chamar a atenção para o fato de que o Brasil estava mais rico “e não sabíamos”. “É possível dizer que a taxa de pobreza deve ter caído bem no ano passado”, escreveu Freire.

Pelos cálculos de Marcelo Neri, 50, presidente do Ipea, 3,5 milhões de brasileiros saltaram a linha de pobreza em 2012. “No conjunto das transformações, foi a melhor Pnad dos últimos 20 anos”, diz Neri.

A desigualdade parou mesmo de cair, mas foi porque os muito ricos (1% da população) ficaram ainda mais ricos (a renda subiu 10,8%), num ritmo mais rápido do que os muitos pobres (10% na base da pirâmide) ficaram menos pobres (ganho de renda de 6,4%). É claro que não se deve desprezar o abismo social, mas não dá para ignorar que houve uma melhora geral no ano passado, o que é um mistério a ser explicado pelos economistas.

Se o jornal subestimou o dado da renda, deu espaço demais para o fato de o analfabetismo ter parado de cair. Teve nesse ponto a companhia dos outros jornais e da TV.

Depois de 15 anos de queda contínua, a taxa de analfabetismo variou de 8,6% para 8,7%. A diferença, irrisória, pode ser apenas uma flutuação estatística. Nem o fato de a taxa ter parado de cair é importante, segundo os especialistas.
Os analfabetos brasileiros concentram-se, principalmente, na faixa etária mais alta (60 anos ou mais). Os mais velhos, que não tiveram acesso à escola na infância, são mais difíceis de serem alfabetizados. “Entre os jovens, a proporção de analfabetos continua caindo. A conclusão é que, embora nossa educação tenha muitos problemas, este não é um deles”, explica Simon Schwartzman, 74, presidente do Iets.

O destaque dado à diferença entre a remuneração de homens e mulheres também foi descabido. Em 2011, a brasileira recebia 73,7% do salário de um homem. No ano passado, era 72,9%.
Além de não ser uma variação muito significativa, pode ser um problema amostral. “As mulheres não estão necessariamente ganhando menos do que os homens. Se elas já têm uma renda média menor, basta crescer a participação feminina no mercado de trabalho para aumentar a diferença entre os sexos”, afirma Marcio Salvato, 44, professor de economia do Ibmec.

Entre os bens de consumo, o jornal destacou o celular e as motos. Wasmália Bivar, 53, presidente do IBGE, ressalta a máquina de lavar roupa, presente em 55% das casas. “Para a vida das famílias mais pobres, é um bem de grande significado, porque dá mais tempo livre para as mulheres.”

Não é fácil escolher o que há de mais relevante em uma pesquisa extensa como a Pnad, mas não dá para adotar o critério dos piores números. O jornalismo deve ter como primeira preocupação o que vai mal, apontar os problemas, só que o necessário viés crítico não pode impedir que se destaque o que é de fato o mais importante.

sábado, 5 de outubro de 2013

Qual é o partido de Marina?

Qual é o partido de Marina?

4 de outubro de 2013
Cite, o arguto leitor e a arguta leitora, quais eram as ideias do ex-futuro partido de Marina Silva, assim, de cabeça.
Tempo! Ficou difìcil, caríssimos?
Pois é, por isso é uma farsa.
Marina não é uma afirmação, não é um projeto político.
Nem mesmo um projeto político montado em torno de uma pessoa, como se poderia, até incorretamente, dizer que foi o PT em torno de Lula ou o PDT com Brizola.
Marina é uma negação: a negação da política, dos partidos, um messianismo sui generis, destes em que o papel do Messias é ser um nada, um ausente, um personagem cuja finalidade é tentar ser presidente para que outros não sejam.
Apenas isso.

Marina representa apenas a parcela da população que crê que o Estado é um mal e que uma nação é apenas um amontoado de interesses paroquiais.
Montam-se partidos com facilidade, e por isso há 32 deles no Brasil.
Montam-se, inclusive, muito mais por interesses e negócios que por ideologia, viu-se com o “Solidariedade” de Paulinho e outros que tais.
Ou por arranjos locais, como o PROS dos Gomes cearenses e do Garotinho fluminense.

Por que, então Marina não conseguiu montar o dela? Ou será que o “dote” de 19,3% dos votos nas eleições de 2010 não tornava “embarcar” no marinismo atraente eleitoralmente?
Por uma razão: Marina não disputa o poder, mas a notoriedade.

Não disputa o poder pelas razões que ao início se apontou: o de não ter um projeto de país, nem mesmo um projeto para o país.
Isso quer dizer que ela não tem representação social ou que não possa ou não deva concorrer a Presidência?
Não, absolutamente.

Marina representa uma parcela da elite brasileira que não consegue pensar além de seu próprio umbigo, que se sabe uma minoria e gosta disso.
Uma versão cult da “gente diferenciada”, que tem um “projeto social” tão vago e tolo quanto aquelas moças que diziam sonhar em ser “modelo-manequim”. E que tem vergonha de ser tucana, para não parecer o que é: direita.
Não tenha dúvida, caro amigo e cara amiga. Em colégios eleitorais como aqueles da foto das bruxas de Blair, dava Marina fácil.
Ela era, ali, uma espécie de bibelô bem arranjado, uma “bonne sauvage” educada, com seus lenços “style” à guisa de penachos. Um exotismo divertido.
Voto popular, mesmo, só entre os evangélicos.

Mas Marina era – e ainda pode ser – útil como candidata.
Desvia parcela da classe média que, com nariz torcido e resmungos, acabaria ficando com o povão e a política real e, com isso,  facilita a única coisa que a direita pode, neste momento, almejar: ir para o segundo turno.
Essa é a encruzilhada onde ela está.
Se for candidata por outro partido, depois de negar a todos, terá de despir os véus do “diferente”, se entregando a um arranjo eleitoral que, quando no Partido Verde, não era tão perceptível, embora fosse real e sua saída do PV, passadas as eleições, só o confirmou.
Se não for candidata, numa eleição já desde o início plebiscitária, teria de ser força de apoio – o que dificilmente sua vaidade permitiria – ou ausência.
A conversinha de discriminação à Rede não colou, porque Marina enredou-se na própria arrogância e incompetência de não conseguir, objetiva e tempestivamente um apoiamento que, convenhamos, seria irrisório para quem dizia ter a preferência de um quarto do eleitorado brasileiro.

Hoje, mais tarde, saberemos para onde vai Marina.
Ou, afinal, já sabemos: para lugar nenhum além de seu próprio egocentrismo.


Por: Fernando Brito
http://tijolaco.com.br/index.php/qual-e-o-partido-de-marina/ 

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A crise do capitalismo no Centro e na Periferia


A crise do capitalismo no Centro e na Periferia

Artigo ampliado. Original publicado no Diário do Aço em 30/09/2013
      A atual crise do capitalismo deflagrada pela crise dos subprime imobiliário nos EUA a partir de 2008, na verdade começou muito antes disso e se espalhou pelo mundo todo devido ao processo de globalização iniciado anteriormente. Mas desta vez a crise capitalista teve impactos diferenciados no sistema como um todo, basicamente atacou mais profundamente o centro do sistema – o mundo desenvolvido; mas também provocou estragos no resto do mundo – a periferia do sistema. Para o economista Amir Khair, mestre pela FGV, “o socorro do Estado ao sistema financeiro para evitar o colapso por ele engendrado ampliou déficits fiscais e endividamentos públicos sem precedentes” nos países centrais. Para ele, os países desenvolvidos cresciam antes da crise (período 2004/2008) a 2,3% aa, passando para depois da crise (período 2009/2012) a crescer apenas 0,5% aa.; uma queda de 77%. Nos EUA e Alemanha a queda foi de 53%, na área do euro foi de 147%, e no mundo a queda foi de 37%. 

       Por outro lado, a crise atingiu todos os países emergentes, desacelerando o crescimento econômico que vinham ostentando. Antes da crise, no período 2004/2008 a média anual de crescimento desses países foi de 7,5% e caiu para 5,4% no período 2009/2012, com perda de 2,1 pontos ou 29%. Uma queda bem menor do que os países centrais e menor do que a média mundial. O Brasil sentiu o golpe e o impacto da crise. Nos mesmos períodos o crescimento passou de 4,8% para 2,7%, com perda de 2,1 pontos ou 44%, portanto acima dos países emergentes, mas abaixo dos países centrais. 

      O geógrafo britânico David Harvey é um dos pensadores mais influentes e mais lidos da atualidade. Une geografia urbana, marxismo e filosofia social na compreensão das contradições do mundo contemporâneo. Professor na John Hopkins e Oxford, seu livro Condição pós-moderna (Loyola, 1992) foi apontado pelo Independent como um dos 50 trabalhos mais importantes no pós-guerra. Seu desenho no YouTube é bastante didático e analisa a crise atual do capitalismo, tendo mais de 2,3 milhões de visualizações. Segundo ele a crise atual teve como base a crise dos anos 70 e é resultado do excessivo poder dos trabalhadores e sindicatos do período pós-guerra (1945-1975), período considerado keynesiano, de grande intervenção do Estado na economia, mas em que houve melhoria das condições sociais dos trabalhadores : maiores salários, benefícios sociais, participação nos lucros, etc. Portanto maior carga tributária; enfim mais Estado e mais bem estar social. Contudo os capitalistas não gostavam porque perdiam poder e tinham menos lucro.
       A crise dos anos 70 põe a nu o período keynesiano e suas contradições capital/trabalho. E a tese é que em muitos aspectos a forma da crise atual é ditada muito pela forma como saímos da última. O problema na década de 1970 foi poder excessivo dos trabalhadores em relação ao capital. Assim a saída desta crise foi disciplinar os trabalhadores. E nós sabemos como isso foi conseguido. Foi feito através de off-shores foi adotado por Thatcher e Reagan e foi feito pela doutrina neo-liberal. E de todas as maneiras e feitios. Mas em 1985 ou 86 a questão do trabalho estava essencialmente resolvida para o capital. Tinha acesso a todas as fontes de trabalho do mundo. Ninguém hoje, citou sindicatos gananciosos como a raiz da crise. Ninguém hoje está dizendo “tem algo a ver com o poder excessivo do trabalho”. Se há algo, é o poder excessivo do capital. E em particular do excessivo poder do capital financeiro, que é a raiz do problema. E então, como é que isto aconteceu? Bem, desde 1970 temos estado numa fase que chamamos de “repressão salarial” em que os salários permaneceram estagnados, a participação dos salários na receita nacional vem paulatinamente diminuindo em todos os países da OCDE. Assim, a partir de Margaret Thatcher e Ronald Reagan se inicia um novo ciclo nas economias ocidentais onde se implanta o modelo neoliberal, desmontando o Estado keynesiano. Menos Estado e mais mercado. Os governos neoliberais tentam destruir todos os ganhos trabalhistas conquistados no período anterior por meio da desregulamentação do mercado de trabalho e do capital, p.ex. abrindo os mercados americano e europeu aos imigrantes para aumentar a oferta de trabalho no intuito de diminuir os salários, etc. Não deu muito certo, então partiram para o deslocamento geográfico da globalização. As multinacionais se deslocam para a China, onde a mão de obra é mais barata. A produção diminui no centro e aumenta na periferia, onde o custo de mão de obra é bem menor.

       No centro os salários caem a partir dos anos 80, 90. Então se diminui os salários, cria-se o problema de onde é que a procura vai surgir. A a resposta foi : “Bem, vem daí os cartões de crédito. Vamos dar cartões de crédito a toda a gente. Então ultrapassamos se preferir, o problema da procura efetiva, ao encher a economia de crédito. Pra não diminuir o consumo o sistema financeiro desenvolve novos produtos para endividar os trabalhadores – o crédito aumenta, a dívida dos trabalhadores triplica nestes 20,30 anos. Assim toda a história do capitalismo tem sido a história da engenharia financeira ou da inovação financeira. E a inovação financeira tem também o efeito de dar poder aos agentes financeiros .A engenharia financeira fica mais sofisticada – os financistas ganham mais poder – a renda se concentra nas mãos dos banqueiros, diminui o consumo, diminui a produção, fecham-se fábricas. E se se observa os lucros financeiros dos EUA , eles dispararam a partir dos anos 1990. E os lucros na produção estavam descendo. Basicamente lixou-se para a indústria para manter os financiadores felizes.

       Como diz Harvey no documentário do Youtube : “O ganho dos ricos se acelerou neste país. Somente no ano passado, o que aconteceu é que os principais proprietários de fundos de cobertura obtiveram remunerações de 3 bilhões cada, num só ano. E eu que pensava ter sido obsceno e insano há alguns anos atrás quando recebiam 250 milhões cada.” … Como boa parte do consumo dos americanos são de imóveis (68% dos americanos tem casa própria) a crise estoura no crédito imobiliário. Lá na ponta alguém tem que pagar. Os trabalhadores perdem suas casas, os bancos cobram e deixam de receber, começam a quebrar.  Nos últimos 30 anos o capitalismo deslocou seu centro de atividades de investimentos do setor produtivo para o setor financeiro especulativo (ativos e valorização de ativos) aluguel de terras, preços de imóveis e até mesmo o mercado de arte.... O setor financeiro inventou várias inovações que permitem que se ganhe dinheiro jogando com o dinheiro. Ou seja vivemos em um mundo muito propenso a crises e elas diziam quase sempre respeito a valores fictícios....dívidas...muitas das crises foram crises urbanas, pois grande parte dos investimentos urbanos é especulativo. Desta vez foi a crise das hipotecas da habitação. Aí entra o governo pra ajudar os bancos. Os governos se endividam, ampliam seus déficits fiscais para salvar o sistema financeiro. Ou seja dinheiro público vindo dos contribuintes vai parar nas mãos do setor privado para evitar a quebradeira das instituições financeiras. A crise está formada e se propaga dos EUA à Europa. 
 
       Depois atinge o resto do mundo pela queda na demanda geral efetiva. Nos países emergentes o ritmo de crescimento diminui, mas continua positivo, porque são atingidos apenas pela demanda externa de seus produtos. Na América Latina, ao contrário dos países centrais, o Estado não diminui e nem se endivida, permitindo uma recuperação dos salários e aumento do mercado interno, com distribuição de renda. Isto acontece porque os governos progressistas da América do Sul não adotam medidas neoliberais. Assim, a crise global os atinge com um impacto bem menor do que nos países centrais. A crise capitalista surge nos países desenvolvidos pela ganância do setor financeiro engedrado intrinsecamente pelas contradições internas do processo de acumulação de riquezas – uma crise típica do sistema capitalista. Esta crise no centro do sistema resultou numa concentração de renda e queda do poder aquisitivo dos trabalhadores e portanto da demanda efetiva. O efeito desta crise se espalha pelo resto do mundo exatamente por este resultado, queda da demanda efetiva. Os países periféricos diminuem seu comércio exterior com os países centrais, sendo atingidos desta forma pela crise capitalista.

Daniel Miranda Soares é economista e administrador público aposentado, com mestrado pela UFV.