quarta-feira, 27 de agosto de 2014

GETÚLIO VARGAS E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

O autor Adriano Benayon faz interessantes elogios mas também críticas à atuação política de Getúlio Vargas, enquadrando-o dentro do contexto geopolítico da época. Diz que apesar do esforço de Getúlio ele não conseguiu nos livrar da submissão ao império americano.

 

GETÚLIO VARGAS E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL



Por Adriano Benayon, doutor em economia e autor do livro "Globalização versus Desenvolvimento" 

Getúlio Vargas e a independência

"[Transcorreu domingoo 60º aniversário do golpe de Estado com o qual a oligarquia anglo-americana derrubou o presidente Vargas, em 24 de agosto de 1954.

2. Esse acontecimento teve efeitos tão desastrosos como importantes. Trata-se, nada menos, que da cassação da independência do Brasil.

3. A soberania do País nunca foi plenamente exercida, mas, se houve governante que tomou iniciativas para alcançá-la, esse foi Getúlio Vargas.

4. Exatamente por isso, a oligarquia imperial anglo-americana sempre conspirou contra ele, com a ajuda de pseudoelites e de agentes locais da política e da mídia, amiúde recrutados por meio de corrupção.

5. Em 1932, a oligarquia paulista promovera o fracassado movimento de 9 de julho, movida pelos interesses britânicos. Intitularam-no "constitucionalista", conquanto Getúlio organizara as eleições para a Constituinte que votou a Constituição de 1934, a qual instituiu significativos avanços econômicos e sociais.

6. Tão profunda como a estima dos verdadeiros industriais e a veneração dos trabalhadores brasileiros a Getúlio, foi a ojeriza da minoria desorientada pelos preconceitos da “democracia” liberal e dos contrários à industrialização, alimentada pela hostilidade da mídia, caluniosa e falsificadora dos fatos.

7. Vargas fora forçado, durante a Segunda Guerra Mundial, a ceder bases militares no Nordeste aos EUA, e cometeu o erro de insistir em enviar a Força Expedicionária Brasileira à Itália. A FEB foi equipada e armada pelos EUA e combateu sob comando norte-americano.

8. Daí se criaram laços entre os comandantes e oficiais de ligação estadunidenses e os oficiais brasileiros que conspiraram nos quatro golpes pró-EUA (1945, 1954, 1961 e 1964).

9. Em outubro de 1945, o pretexto foi derrubar um ditador, o que não tinha sentido, pois o presidente viabilizara eleições, já marcadas para o início de dezembro, e não era candidato. Após o golpe, recomendou votar no marechal Dutra, pois o brigadeiro Eduardo Gomes representava os que sempre se haviam oposto a Vargas.

10. Quando Vargas, eleito em 1950, voltou à presidência, nos braços do povo, já estava em marcha a desestabilização de seu governo, a qual culminou com o crime da rua Toneleros, já em agosto de 1954.

11. O crime foi dirigido pelo chefe da delegacia de ordem política e social (DOPS), famosa por seus métodos desumanos de repressão aos comunistas desde a época do Estado Novo, instituído por golpe militar, em 1937.

12. Esse golpe proveio de oficiais do exército, que colocaram Felinto Muller na chefia da polícia. Vargas, presidente constitucional desde 1934, permaneceu à frente do governo, mas não teve poder e/ou vontade suficiente para limitar significativamente as violências.

13. Ele sempre foi contemporizador, negociava com pessoas de diferentes tendências e, por vezes, as colocava ou mantinha no governo. Ao voltar Vargas, em 1951, continuou na DOPS o filonazista Cecil Borer, que vinha da administração do marechal Dutra. Como tantos pró-nazistas, mundo afora, movido pelo anticomunismo, Dutra subordinou-se aos interesses dos EUA.

14. Apesar de seus erros, Vargas merece lugar de honra na história do Brasil, por ter dado o indispensável apoio do Estado ao desenvolvimento industrial, que despontava desde o início do século XX e ganhou força, de 1914 a 1945, graças também à redução dos vínculos comerciais e financeiros com os centros mundiais, propiciada pelas duas guerras e a longa depressão dos anos 30.

15. Antes do fim da Segunda Guerra Mundial, o império já planejava fazer abortar esse processo. Mais tarde, diria o notório Henry Kissinger: “para os EUA seria intolerável o surgimento de uma nova potência industrial no hemisfério sul.”


16. Os serviços secretos dos EUA e do Reino Unido vinham, de há muito, operando na desestabilização do presidente. Em 1954, Borer envolveu informantes da polícia e pistoleiros no crime da Toneleros, que matou o major Vaz, da aeronáutica, simulando que o alvo seria o virulento adversário de Vargas, Carlos Lacerda.

17. Na armação policial-jornalistica-militar, Vaz, casado e pai de filhos pequenos, substituiu, na ocasião, o solteiro major Gustavo Borges. Lacerda engessou o pé dizendo ter tomado um tiro de revólver, mas, se isso fosse verdade, o pé teria sido destroçado. Nunca se encontrou um prontuário de atendimento em hospital.

18. A conspiração enredou a guarda pessoal do presidente e o fiel guarda-costas Gregório Fortunato, que foi torturado e ameaçado para confessar o que não fez. Condenado a 15 anos de detenção, foi assassinado na prisão, em operação de queima de arquivo.

19. O golpe de 1954 é o maior marco negativo da história do Brasil, pois o governo udenista-militar, dele egresso, criou vantagens incríveis para as empresas transnacionais dominarem por completo a produção industrial do País. Fez os brasileiros pagar caríssimo para serem explorados.

20. Foi, assim, inviabilizado o desenvolvimento de tecnologias nacionais, a não ser por grandes empresas estatais ou apenas em nichos menores, no caso de indústrias privadas nacionais, ainda assim, fadadas a ser desnacionalizadas.

21. Tanto o golpe de 1964, que instituiu os governos militares, como a falsa democratização, a partir de 1985, intensificaram as políticas pró-capital estrangeiro em detrimento do País.

22. Os governos de 1954-1955 e 1956-1960 (JK) foram motores da desnacionalização da economia. Os de Collor e FHC/PSDB os mais monoliticamente entreguistas. Nenhum operou reversões nessa marcha infeliz.

23. A herança hoje é a desindustrialização e a colossal dívida pública, tendo a União já gastado nela, desde 1988, quase 20 trilhões de reais. Além disso, recorrentes crises devidas aos déficits de comércio exterior.

24. As realizações do presidente Vargas fazem dele o principal herói nacional e exemplo para futuros líderes. Mas não sem reservas, porque lhe faltou combatividade e espírito revolucionário.

25. Não me parece verdade que o nobre sacrifício de sua vida tenha frustrado os objetivos dos imperialistas. Preservaram-se as estatais, mas a própria Petrobrás - que já nascera sem o monopólio na distribuição, o segmento mais lucrativo – acabou, em parte, arrancada da propriedade estatal. Além disso, nos anos 90 [FHC/PSDB], ocorreram as doações-privatizações de dezenas de fabulosas estatais, algumas criadas durante governos militares.

26. A grande derrota estratégica deu-se com a entrega dos mercados e da produção industrial privada às transnacionais. Sem isso, a dívida externa não teria explodido em 1982, nem sido torradas as estatais, a pretexto de liquidar dívidas públicas, as quais, depois disso, ao contrário, se avolumaram como nunca.

27. O momento para evitar esse lastimável destino, era com Vargas, amado pelo povo, que foi às ruas, em massa nunca vista, pronto a tudo, quando de sua morte. Aí não havia liderança, nem plano.

28. Getúlio precisava ter cortado, no nascedouro, os lances que minaram suas bases de poder. Entre esses, o acordo militar Brasil-Estados Unidos, de 1952, negociado por Neves da Fontoura, ministro das Relações Exteriores, e por Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior das FFAA, sem o conhecimento do ministro do Exército, Estillac Leal.

28. Este se demitiu, pois Vargas assinou o acordo, e, com isso, cedeu aos que, mais uma vez, o traíam, e perdeu seu ministro nacionalista.

29. Fraquejou novamente em 1953, quando, embora mantendo o correto reajuste do salário mínimo, demitiu João Goulart do ministério do Trabalho, medida exigida em memorial assinado por 82 coronéis do Exército. Nesse episódio, caiu o ministro do Exército, Cyro do Espírito Santo Cardoso.

30. Não era tarefa simples sustentar-se sob constante e intensa pressão contrária da alta finança anglo-americana, a qual não economiza recursos nem hesita em recorrer à corrupção e a práticas celeradas. Entretanto, a pior maneira de reagir a essa pressão é fazer concessões, em vez de cortar a crista dos golpistas.

31. Deixando de coibir aquelas práticas, Vargas facilitou o caminho dos inimigos. Sobraram-lhe escrúpulos, ao exagerar em sua tolerância, para não ser acoimado de "ditador". Faltaram bons serviços de inteligência e a compreensão de que seria derrotado, se não mobilizasse o povo e a oficialidade nacionalista."


FONTE: escrito por Adriano Benayon, doutor em economia e autor do livro "Globalização versus Desenvolvimento". Artigo publicado no "Pátria Latina" (http://www.patrialatina.com.br/colunaconteudo.php?idprog=97108695bd93b6be52fa0334874c8722&codcolunista=33&cod=3358).

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

As eleições e a mídia - Marcos Coimbra

As eleições e a mídia - Por Marcos Coimbra*


Na próxima terça 19, com o inicio da propaganda eleitoral na televisão e no rádio, entraremos na etapa final da mais longa eleição de nossa história. Começou em 2011 e nossa vida política gira em torno dela desde então.

A batalha da sucessão de Dilma Roussef foi iniciada quando cessou o curto período de lua de mel com as oposições, no primeiro ano de governo. Talvez em razão do vexame protagonizado por José Serra na campanha, o antipetismo andava em baixa.

Durou pouco. Na entrada de 2012, o clima político deteriorou-se. As oposições perceberam que, se não fizessem nada, marchariam para nova derrota na eleição deste ano. Ao analisar as pesquisas de avaliação do governo e notar que Dilma batia recordes de popularidade a cada mês, notaram ser elevadas as possibilidades do PT chegar aos 16 anos no poder. E particularmente odiosa. Serem derrotados outra vez por dilma doía mais do que perder para Lula.

Ela era "apenas" uma gestora petista, sem a aura mitológica do ex-presidente. Sua primeira eleição podia ser creditada, quase integralmente, à força do mito. Mas a segunda, se viesse, seria a vitória de uma candidatura "normal". Quantas outras poderiam se seguir?

A perspectiva era inaceitável para os adversários do PT. Na sociedade, no sistema político e no empresariado, seus expoentes arregaçaram as mangas para evitá-la. A ponta de lança da reação foi a mídia hegemônica, em especial a Rede Globo.

Recordar é viver. Muitos se esqueceram, outros nem souberam, mas a realidade é que a "grande imprensa" formulou com clareza um projeto de intervenção na vida política nacional.

Não é teoria conspiratória. Quem disse que os "meios de comunicação estão fazendo de fato a  posição oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente fragilizada", foi a Associação Nacional de Jornais, por meio de sua presidenta, uma das principais executivas do Grupo Folha. Enunciada em 2010, a frase nunca foi tão verdadeira quanto de 2012 para cá.
Como resultado da operação da vanguarda midiática oposicionista, estamos há três anos imersos na eleição de 2014. A derrota de Dilma é buscada de todas as formas. O "mensalão"? Joaquim Barbosa? A "festa cívica" do "povo nas ruas"? O "vexame" da Copa do Mundo? A "compra da refinaria"? O "fim do Plano Real"? A "volta da inflação"? O "apagão" na energia? A "crise na economia"? A "desindustrialização"? O "desemprego"?
Nada disso nunca teve verdadeira importância. Tudo foi e continua a ser parte do esforço para diminuir a chance de reeleição da presidenta.

Ou alguém acha que os analistas e comentaristas dessa mídia acreditam, de fato, na cantilena que apregoam quando se vestem de verde-amarelo e se dizem preocupados com a moral pública, os empregos dos trabalhadores ou a renda dos pobres? Ou queiram fazer "bom jornalismo"?

Temos agora uma ferramenta para elucidar o papel da mídia na eleição. Por iniciativa do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, está no ar o manchetômetro (http:www.manchetometro.com.br
), um site que acompanha a cobertura diária da eleição na "grande imprensa": os jornais Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo, além do Jornal Nacional da Globo (como se percebe, os organizadores do projeto julgaram desnecessário analisar o "jornalismo" do Grupo Abril).

Lá, vê-se que os três principais candidatos a presidente foram objeto, nesses veículos. de 275 reportagens de capa desde o inicio de 2014. Aécio Neves, de 38, com 19 favoráveis e 19 desfavoráveis. Tamanha neutralidade equidistante cessa com Dilma: ela foi tratada em 210 textos de capa. Do total, quinze são favoráveis e 195 desfavoráveis. Em outras palavras: 93% de  abordagens negativas.

É assim que a população  brasileira tem sido servida de informações desde quando começou o ano eleitoral. É isso que a mídia faz para exercer o papel autoassumido de ser a "oposição de fato".

O pior é que a influência dessas empresas ultrapassa o noticiário. Elas contratam as pesquisas eleitorais que desejam e as divulgam quando e como querem. E organizam os  debates entre os candidatos.

Está mais que na hora de discutir a interferência dessa mídia no processo eleitoral e, por extensão, na democracia brasileira.