quarta-feira, 14 de agosto de 2019


DESMISTIFICANDO O CONCEITO DE SOCIALISMO.

Vamos começar a desmistificar o conceito de socialismo com a interessante definição do termo feita   pelo escritor  Antonio Cândido, em entrevista que concedeu ao Brasil de Fato .....Em seguida à entrevista vamos reproduzir um pequeno texto de Karl Marx, em que ele resume sua obra, na introdução à Crítica da Economia Política. Aqui podemos perceber a compatibilidade entre os dois autores.

Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1918, concluiu seus estudos secundários em Poços de Caldas (MG) e ingressou na recém-fundada Universidade de São Paulo em 1937, no curso de Ciências Sociais. Defendeu sua tese de doutorado, publicada depois como o livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, em 1954.  De 1958 a 1960 foi professor de literatura na Faculdade de Filosofia de Assis. Em 1961, passou a dar aulas de teoria literária e literatura comparada na USP, onde foi professor e orientou trabalhos até se aposentar, em 1992. Na década de 1940, militou no Partido Socialista Brasileiro, fazendo oposição à ditadura Vargas. Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Colaborou nos jornais Folha da Manhã e Diário de São Paulo, resenhando obras literárias.

Aos 93 anos, Antonio Candido explica a sua concepção de socialismo, nesta entrevista concedida ao site Brasil de Fato em 2011, entre outros assuntos..... “O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele”, afirma.


Brasil de Fato (08 de Agosto de 2011 edição 435): O senhor é socialista?

Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias... tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Por quê?
Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.
Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica.

O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?
O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro.   É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano.  O socialismo está andando… não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa).  O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão - e isso é bom. "
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TRECHO DO “PREFÁCIO À CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA DE 1859” EM QUE KARL MARX RESUME SEUS ESTUDOS.

Karl Marx.  Londres, 1859. 

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A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim:

na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção, que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura económica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estádio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. Estas relações transformam-se de formas de desenvolvimento das forças produtivas em seus entraves. Abre-se então uma época de revolução social. Com a transformação da base económica, toda a imensa superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Ao considerarmos estas transformações, é sempre preciso distinguir entre a transformação material das condições económicas de produção, susceptível de ser constatada de modo cientificamente rigoroso, e as formas jurídicas, políticas, religiosas ou filosóficas, numa palavra, ideológicas em que os homens tomam consciência deste conflito e o dirigem até ao fim. Assim como não se julga um indivíduo pelo que ele pensa de si próprio, também não se pode julgar uma tal época de revolução pela consciência que ela tem de si própria, é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma formação social nunca declina antes que se tenha desenvolvido todas as forças produtivas que ela é suficientemente ampla para conter e nunca surgem novas relações de produção superiores antes de as suas condições materiais de existência se terem gerado no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade nunca se propõe senão tarefas que pode levar a cabo, já que, se virmos bem as coisas, chegaremos sempre à conclusão de que a própria tarefa só surge se as condições materiais da sua resolução já existem ou estão, pelo menos, em vias de se formarem. Em traços largos, os modos de produção asiático, clássico, feudal e burguês moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação económica da sociedade. As relações de produção burguesas são a última forma antagónica do processo social da produção, antagónica, não no sentido de antagonismo individual, mas no de um antagonismo nascido das condições de existência social dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais que resolverão este antagonismo. Com esta formação social, termina, portanto, a pré-história da sociedade humana".

Prestem atenção, principalmente neste trecho....
(Uma formação social nunca declina antes que se tenha desenvolvido todas as forças produtivas que ela é suficientemente ampla para conter e nunca surgem novas relações de produção superiores antes de as suas condições materiais de existência se terem gerado no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade nunca se propõe senão tarefas que pode levar a cabo, já que, se virmos bem as coisas, chegaremos sempre à conclusão de que a própria tarefa só surge se as condições materiais da sua resolução já existem ou estão, pelo menos, em vias de se formarem).

Como podem ver, os dois textos são compatíveis.  Marx deixou claro que o socialismo só será gerado dentro do seio da velha sociedade, onde existe as condições materiais necessárias à sua existência. O socialismo só virá para resolver as contradições internas inerentes dentro do capitalismo e estas contradições só serão superadas por uma síntese - que é o resultado da luta de classes entre capital e trabalho. O capitalismo é o último modo de produção mais avançado da humanidade e ele está gerando dentro dele mesmo as condições para sua superação em um modo de produção superior à ele que é o SOCIALISMO....O socialismo só surgirá como modo de produção superior ao capitalismo e para tanto ele precisa resolver os conflitos, os problemas e as contradições geradas no seio do capitalismo.... Como disse Antônio Cândido, o socialismo nasceu junto com o capitalismo na revolução industrial e ele representa a face humana do capitalismo. Na luta pela igualdade, o socialismo vai conseguindo vitórias dentro do próprio capitalismo, humanizando sua face, melhorando o bem estar da população e suas condições de vida....e assim vai evoluindo, os dois juntos... pois o capital, como Marx dizia, tem seu lado positivo também que é o desenvolvimento das fôrças produtivas, o desenvolvimento de novas tecnologias... mas nós queremos novas tecnologias para todo mundo....e novas tecnologias que sejam benéficas à saúde da população e ao meio ambiente também......novas tecnologias que sejam mais baratas e que permite o acesso à toda população....e que o custo seja cada vez menor..... até chegar ao ponto de se produzir quase a custo zero, com tecnologias super avançadas......neste ponto bem mais avançado estaremos perto de chegar ao SOCIALISMO, pois as mercadorias serão tão acessíveis que provavelmente não terão preço ....e provavelmente não precisaremos de dinheiro....nem estimularemos a ganância e nem o lucro....pois todos estarão satisfeitos e não haverá necessidade de dinheiro nem de lucro, nem de ganância.... a luta pela igualdade representa a luta pela democracia cada vez mais profunda de modo a beneficiar toda  a população....e esta luta vai precisar de grandes avanços na ciência e na tecnologia para se conseguir superar a escassez de mercadorias....e assim as mercadorias deixariam de existir como mercadoria ... e todo mundo teria acesso a tudo......A CADA UM DE ACORDO COM AS SUAS NECESSIDADES E A CADA UM DE ACORDO COM A SUA CAPACIDADE.... esse é o ápice do SOCIALISMO.....a democracia plena que atinge todos os cidadãos é o próprio socialismo....Se um dia conseguirmos chegar neste ponto da democracia plena, chegaremos no socialismo e até lá conseguiremos superar o capitalismo como modo de produção.


Daniel Miranda Soares é economista, ex-professor universitário e mestre pela UFV.