terça-feira, 26 de novembro de 2019

O FRACASSO DAS TEORIAS E PRÁTICAS DO NEOLIBERALISMO


NEOLIBERALISMO - TEORIA E PRÁTICA DE MITOS FRACASSADOS

Vamos analisar a seguir três autores professores universitários, a partir de seus livros mais conhecidos que desmistificam e destroem os principais argumentos usados pelo Neoliberalismo para justificar o Estado Mínimo e a preponderância do “mercado livre e espontâneo” sobre o Estado e a sociedade. Este Neoliberalismo foi revivido recentemente, a partir dos anos 1980 (governos Thatcher e Reagan) em cima da crise fiscal do keynesianismo pós-guerra para criar a hegemonia do capital financeiro internacional especulativo sobre os outros setores da economia. Para isso reviveram autores antigos como Adam Smith (liberalismo clássico do séc. XIX) e outros do pós-guerra como Hayek. Também usaram autores que questionavam o social a favor do individual (Ayn Rand – que defende o egoísmo contra o altruísmo) criando ideologias neoliberais nas instituições civis para justificar a “liberdade” total do capital financeiro em detrimento dos movimentos populares e democráticos.

PROFESSOR OTHONIEL PINHEIRO DESMISTIFICA O “ALMOÇO GRÁTIS” DOS NEOLIBERAIS..No site da bíblia dos seguidores de Von Mises - “mises.org.br” , há um desprezo total por fatores sociais relevantes que possuem influência direta nos processos econômicos.. No artigo “dez leis fundamentais da economia” onde o “mercado livre” é o supra sumo que deveria guiar todas as decisões econômicas, há especificamente o item 3. (Não há nada que seja realmente gratuito.), onde se ataca os serviços públicos oriundos do Estado do Bem Estar Social, como saúde e educação gratuitas, que eles chamam de “almoço grátis” - o site diz que alguém paga por isso.

Segundo Othoniel Pinheiro Neto (Livro: Fanatismo & Manipulação: o esquema da nova colonização do Brasil, Pontes Editores, Campinas, 2019), sim, alguém quem ? O argumento despreza que a camada mais pobre da população, a quem são destinados os serviços públicos de saúde e educação, é a maior produtora da riqueza de uma nação, ou seja, aquilo que ele chama de “almoço grátis” é, em verdade, redistribuição da riqueza indevidamente apropriada pelas elites no sistema de produção. O “almoço grátis” nada mais é do que justiça social, que somente poderá ser conduzida pelo Estado, instituição tão criticada por eles…..Na verdade, esquecem que os pobres no Brasil pagam muito mais impostos que os ricos; portanto não estão recebendo almoço grátis, pois a carga tributária é pesadamente regressiva – quem ganha pouco paga mais e quem ganha muito paga pouco imposto.
Para Othoniel, argumentos de autores como Mises, Rothbard, Hayek e Smith não cabem para a saúde econômica de um país periférico e excludente como o Brasil, que ainda precisa da presença do Estado para conceder autonomia aos indivíduos, redistribuir a renda injustamente apropriada pelas elites e fazer justiça social para o bem da própria economia nacional… A redistribuição de renda faz a economia girar, aumenta o mercado interno e portanto aumenta a demanda por produtos em geral, beneficiando assim os empresários que podem aumentar a produção para atender o mercado interno.

Governos liberais aumentaram nas últimas décadas a transferência de receita fiscal (taxando os mais pobres em detrimento dos mais ricos) dos mais pobres para os mais ricos, via aumentando suas despesas governamentais como a DÍVIDA PÚBLICA como pagamento de juros e amortização transferida a banqueiros, rentistas e capital financeiro internacional. No Brasil os gastos com estas despesas só tem aumentado e no ano passado atingiu cerca de metade das despesas governamentais previstas no orçamento federal.
É o caso do Brasil, EUA e alguns países da Europa nos últimos anos.


ALMOÇO GRÁTIS ? Pode-se ver pela tabela abaixo que 79% da população brasileira ganha até 3 salários mínimos e pagam 53,8% dos impostos arrecadados pelo governo em todos os níveis….Se somarmos a faixa até 5 salários mínimos são 89% da população que pagam 66,44% dos impostos totais….E o que eles recebem em troca ? Já os muito ricos, acima de 20 salários mínimos que são apenas 0,84% da população pagam apenas 7,3% dos impostos. Nos países ricos e desenvolvidos a carga tributária é mais distribuída, ricos pagam mais impostos, pagam alíquotas maiores no IR, p.ex. No Brasil a alíquota mais alta é 27,5%, nos EUA é 39,6%, Austrália e Inglaterra e França são 45%; Japão 40% e Itália 43%…..No Brasil, Renda e Patrimônio pagam 25% dos impostos, enquanto que na Alemanha é 34%, Bélgica é 43%, nos EUA é 59,4%, Itália é 38%, Japão é 39%, Reino Unido é 48%…. No Brasil os impostos que incidem sobre o consumo representam 50% dos impostos arrecadados pelo governo (ou seja o dobro arrecadado por Renda e Patrimônio) enquanto que em todos os países desenvolvidos estes impostos representam bem menos do que os impostos arrecadados com o consumo.





O ATAQUE DE FRIEDRICH HAYEK AO ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL – POR WENDY BROWN…..

O neoliberalismo tinha o franco objetivo de desmantelar o Estado Social, seja privatizando-o (a Revolução Reagan-Thatcher) seja eliminando completamente tudo o que resta de bem estar social ou “desconstruindo o Estado Administrativo” (objetivo de Steve Bannon para o governo Trump). Posteriormente contratado por Bolsonaro para orientar o seu governo.
Esta crítica contundente ao neoliberalismo e às teorias de Hayek está condensada no livro de Wendy Brown, professora de ciência política na Universidade da Califórnia em Berkeley, em seu livro : Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. Editora Filosófica Politeia. São Paulo, 2019.
Como diz Brown em seu livro “não é apenas a regulação e a redistribuição sociais que são rejeitadas como interferência inapropriada nos mercados ou como assaltos à liberdade. A dependência da democracia em relação à igualdade política também é alijada. “ Segundo ela Wolfgang Streeck chama isso de deseconomicizar a democracia. Neoliberais querem gerar uma cultura antidemocrática desde baixo, ao mesmo tempo que constrói e legitima formas antidemocráticas de poder estatal desde cima. O governo Trump está neste caminho.
A democracia é o local onde os cidadãos exercem seus direitos políticos e o local onde se faz a provisão dos bens públicos atendendo demandas democráticas da maioria dos cidadãos e também o local em que as desigualdades historicamente produzidas se manifestam com acesso, voz e tratamento político diferenciado e podem ser pelo menos corrigidas parcialmente.

Brown diz: “É sintomático que são precisamente a existência da sociedade e a idéia do social – sua inteligibilidade, seu refúgio de poderes estratificantes e, acima de tudo, sua adequação como um local de justiça e do bem comum – o que o neoliberalismo se propôs a destruir conceitual, normativa e praticamente. Denunciada como um termo sem sentido por Hayek e notoriamente declarada inexistente por Thatcher (“não existe tal coisa”), “sociedade” é um termo pejorativo para a direita hoje, que denuncia os “guerreiros da justiça social” por minar a liberdade com uma agenda tirânica de igualdade social, de direitos civis, de ação afirmativa e até mesmo de educação pública.”

A hostilidade de Hayek em relação ao social é sobredeterminada, poder-se-ia dizer até mesmo exacerbada, na medida em que busca fundamentos epistemológicos, ontológicos, políticos, econômicos e até mesmo morais. Ele considera a própria noção do social falsa e perigosa, sem sentido e oca, destrutiva e desonesta, uma “fraude semântica”. Para ele, o social é um disfarce para o poder coercitivo do governo. Hayek considera que a justiça social é uma “miragem” e a atração por ela é “a mais grave ameaça à maioria dos outros valores de uma civilização livre”. Para ele, a justiça social como ação política conduz a sociedade a um sistema totalitário.. Hayek declara que “a desigualdade é essencial para o desenvolvimento” e que “a evolução não pode ser justa” no sentido popular da palavra. Para ele, a justiça social ataca a justiça, a liberdade e o desenvolvimento civilizacional garantidos pelo mercado e pela moral. A sociedade guiada pela justiça social deve ser desmantelada.


ISTVÁN MÉSZÁROS DESTRÓI O MITO DO NEOLIBERALISMO.
István Mészáros, filósofo húngaro, que foi assistente de Lukács, é considerado um dos principais intelectuais marxistas contemporâneo, recebeu vários prêmios, lecionou em diversas universidades européias (a última na Universidade de Sussex, Inglaterra) e escreveu dezenas de livros editados em diversas línguas, inclusive traduzidos em português.

Em seu livro “Para Além do Capital – rumo a uma teoria de transição” - São Paulo, Boitempo, 2011 - Mészáros afirma que o Neoliberalismo é um completo mito. ..… ”a história revela que o aparecimento de mercados nacionais, não foi, de forma alguma, o resultado da emancipação gradual e espontânea da esfera econômica do controle governamental. Pelo contrário, o mercado foi o resultado de uma intervenção consciente e frequentemente violenta por parte do governo, que impôs a organização do mercado à sociedade com finalidades não econômicas” (citando Polányi).
Quanto ao “funcionamento espontâneo” do mercado, até mesmo no auge do capitalismo do laissez-faire, sua operação estava, na realidade, sujeita às pesadas restrições relativas à ação corretiva do Estado tornada necessária pelos defeitos estruturais de controle tanto da esfera produtiva como das relações distributivas no sistema do capital. Isto explica não só por que o aparecimento e a consolidação dos mercados nacionais são inconcebíveis sem grandes envolvimentos do Estado como o fato de que a dominação estrutural das relações de mercado internacionais é limitada a um mero punhado de potências econômicas….. estas economias necessitam de um poder estatal suficiente para sustentar a dinâmica de reprodução do capital e defender os interesses destes sistemas econômicos.

Só um lunático ou um apologista como Hayek pode sugerir que o mercado global pode sem perigo, ser deixados ao “sistema coordenador espontâneo” do “mecanismo de mercado”. Desconhece implacáveis relações de poder dentro do sistema globalmente imposto pelos poderes dominantes, e por eles distorcido em seu próprio favor com todos os meios à sua disposição.

Para entender a realidade do mercado atual, é necessário que se tenha constantemente em mente sua grande dependência do Estado, já que pesadas esferas da atividade econômica são absolutamente inviáveis no sistema do capital contemporâneo sem o apoio direto do Estado em uma escala fenomenal.
Isto fica claro no caso do complexo militar-industrial, que constitui um setor de máxima importância nas economias dos países capitalistas dominantes. ….O termo "complexo industrial-militar" tem origem a partir das correlações entre militarismo, indústria e pesquisa tecnológica (principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, tendo Eisenhower cunhado o termo naquele momento), constituindo a base da economia estadunidense até os dias atuais e, destarte, sendo o caso mais emblemático…..investigadores mostraram a enorme influência dos imperativos bélicos para a pesquisa científica de universidades e de institutos ligados a empresas, para a inovação tecnológica nos ramos mais avançados da indústria (eletrônica, informática, naval, aeroespacial, química, nuclear, etc.) e até para próprio volume de produção das principais firmas multinacionais. O orçamento de defesa em dólares do governo dos EUA corresponde a 20% de seu orçamento total e cerca de 35% do orçamento militar mundial.

E não para por aí… em vários setores o Estado interfere e regula para privilegiar suas empresas nacionais no mercado global….por exemplo a política agrícola comum em toda União Européia é altamente subsidiada, tal como a política agrícola dos EUA….. ONDE ESTÁ O “SISTEMA COORDENADOR ESPONTÂNEO” DO MERCADO ?
Na Inglaterra, p.ex. a participação da agricultura no PIB é de mero 1,5%, mas os subsídios estatais transferidos aos fazendeiros são proporcionalmente astronômicos – só os criadores de ovelhas (uma parte menor do sistema) recebem um subsídio anual de mais de 370 milhões de libras esterlinas.
De modo igualmente generoso, são tratados às expensas dos contribuintes, projetos como o do Airbus europeu; e os protestos dos EUA contra estes subsídios são hipócritas, já que as gigantescas corporações produtoras de aviões Boeing e Lockheed, recebem também nos Estados Unidos imensos subsídios na forma de contratos militares e pesquisa financiada pelo Estado.

Mas a intervenção estatal no “mercado espontâneo” não se esgota por aí. O Estado é importante também para facilitar e proteger a concentração e centralização monopolistas do capital, bem como para impor leis gerais, promulgadas para evitar a articulação de uma alternativa hegemônica do trabalho ao sistema do capital. O Estado dá proteção legal à subordinação do mercado ao sistema do capital. O Estado facilita o estabelecimento de monopólios e quase monopólios. P.ex. A Tate & Lyle e a Silver Spoon controlam juntas mais de 95% da produção e distribuição de açúcar na Inglaterra, mas nada é feito para reparar a situação….mesmo assim estas empresas praticam corrupção política, mas nem assim nada é feito, não faz diferença….. foram um dos maiores financiadores do Partido Conservador britânico...o partido ganha e nomeia homens chaves nas Políticas Públicas…..outra pura coincidência.

As “privatizações” e a ideologia hipócrita da “livre competição” de Hayek, geraram na Inglaterra gigantescos monopólios e quase monopólios privados capazes de acumular lucros astronômicos. Talvez a única área em que os subsídios e monopólios controlados e induzidos pelo Estado ainda não conseguiu atingir seja a “economia de consumo” de butiques, carros usados e quiosques de esquina.

Daniel Miranda Soares é economista, mestre pela UFV e ex-professor universitário aposentado.