domingo, 15 de novembro de 2020

AS EXPERIÊNCIAS SOCIALISTAS DA CHINA, VIETNÃ E CUBA

 A QUE RUPTURA NOS CONVOCA A CRISE ATUAL DO CAPITALISMO?

Postado em 11/11/2020 9:21 por Rémy Herrera - Economista, investigador do CNRS. Transcrição da videoconferência de 6 de Novembro de 2020 no debate organizado para o centenário do PCF.


As três questões inicialmente colocadas foram:
– Porquê uma ruptura com o capitalismo?
– Porquê a escolha de uma alternativa socialista?
– Que lições podem ser aprendidas da China, Vietnã, Cuba?


Quero agradecer aos organizadores desta iniciativa pelo seu convite para falar, para falar outra vez de socialismo. Trata-se de algo feliz, pois fazem lustros que o PCF renunciou a falar e, na realidade, renunciou de todo ao socialismo. E, pessoalmente, penso que é nomeadamente por causa desta renúncia que o Partido está onde está, ou seja, no ponto mais baixo.


O problema é que, ao abandonar o socialismo – que é uma via, que é uma transição –, o Partido abandonou também a busca do ideal comunista. Daí este estado actual de deriva, ou esta impressão de perdição.

Portanto, confesso que – estou certamente muito satisfeito com esta iniciativa, mas que – me sinto um pouco como padre operário convidado a um concílio do Vaticano, ou um membros dos alcoólicos anónimos convidado a um salão de vinhos e bebidas espirituosas para dizer: “é preciso parar de beber!”. Permitam-me dizer isto a brincar para não ser demasiado desagradável.

Aceitei estar aqui e participar deste debate, não para dividir, mas para contribuir, modestamente, para a unidade daquelas e daqueles que querem falar de socialismo para iniciar uma transição socialista, em ruptura com o sistema no qual vivemos, e no qual vivemos cada vez mais mal.

Este sistema está em crise. Esta crise não data de ontem, ela remonta a pelo menos um meio século, ela é estrutural, grave, mesmo gravíssima, ela é multidimensional. Ela é sistémica, o que quer dizer que o sistema não encontrará solução por si mesmo. O capitalismo declina, o capitalismo degenera e se não se afunda rapidamente é porque o seu Estado o sustém com grande esforço; como foi o caso em 2008 quando a vertente financeira do sistema entrou em colapso, e como ainda hoje acontece com a chamada crise dita “sanitária” e uma economia que vive sob perfusão.

O que estou a dizer é que não haverá saída para o problema sanitário com pessoas que destroem o hospital público; nem saída para o problema financeiro com bancos que continuam a especular. Não haverá solução para o problema ambiental com ecologistas uns mais neoliberais do que outros, tal como não houve solução para os problemas sociais com os social-liberais do PS. E acrescentarei que tão pouco haverá saída para o terrorismo religioso com os mercadores do templo que enfraqueceram a educação nacional e a laicidade, vendendo-a ao sector privado, que além disso é confessional.

O capital jamais encontrará uma solução através da sua lógica interna do lucro, por razões profundas e múltiplas, nomeadamente porque as suas novas tecnologias tendem a poupar muito trabalho humano e a minar a criação de valor, porque o trabalho improdutivo está a ganhar terreno ao trabalho produtivo, porque as contradições do capital exigem uma intervenção estatal que custa cada vez mais caro, mas também porque a acumulação excessiva provém agora sobretudo do capital fictício e porque as finanças encerram todo o sistema numa espiral de destruições, conflitos e guerras que acabam por nos ameaçar a todos com a morte.

É por isso que querer embarcar numa transição socialista não é apenas responder a um espírito de justiça, é responder ao apelo da razão, é mesmo uma questão de sobrevivência para a humanidade, para a ida. E é aí que estamos, camaradas

O socialismo não é apenas uma palavra, é uma luta. Não é um fim, mas um processo de transição, longo, difícil, que pode tomar mil formas no caminho da emancipação, no caminho da libertação do trabalho da dominação do capital. Porque isso é que é o capitalismo, a dominação do capital sobre o trabalho.

Sei que dirão: já se tentou e correu mal. Mas quando exactamente foi tentado o socialismo neste país? Em 1981? Em 1981, o que tivemos foi o mitterrandismo e “a invenção do neoliberalismo de estado”, mas não o socialismo. É o que explico no meu último livro, En Lutte !

E a URSS e a Europa de Leste, não será isso um fracasso? O que vos direi acerca deste assunto é que o capitalismo levou séculos a emergir e a libertar-se do feudalismo, então porque não deveria o socialismo, com uma ambição muito mais bela e muito mais justa, ter direito a um tempo longo? E além disso, será o socialismo o mesmo por toda a parte? Se assim fosse, então teria falhado por toda a parte. Ora, isto não é o caso, não é de todo o caso. Faz-se crer que o socialismo por toda a parte para que os trabalhadores abandonem a luta e se submetam, para que os povos do Norte e do Sul acreditem que não há mais alternativa.



É aqui que as experiências da China, Vietname e Cuba são interessantes para as nossas lutas.

A China é a maior história de êxito econômico do mundo e mesmo da história mundial. Nossos inimigos dizem: China? É o capitalismo! Então deveríamos acreditar neles, repetir isso e atribuir o êxito chinês ao capitalismo? Mas o capitalismo não merece tal elogio! Não, este êxito chinês deve-se principalmente, essencialmente, ao socialismo. Nenhum dos recentes êxitos chineses teria sido possível sem uma luta encarniçada contra o capitalismo, sem um controlo rigoroso por parte dos capitalistas, sem a revolução socialista que começou em 1949, que tirou o povo chinês da miséria e da guerra e que lhe trouxe o progresso social, a educação, a saúde, as infra-estruturas públicas, a independência, a dignidade.

Portanto, permaneçamos modestos – mas não submissos. Os chineses dizem: explora-se uma transição longa ao socialismo. Procuremos compreender, aprendamos, sejamos respeitosos.

Que não haja aqui mal-entendido: a China está longe, muito longe, do ideal comunista; há demasiada desigualdade, demasiados defeitos nesta etapa da transição, que é uma etapa inicial do socialismo. Mas o que é certo é que o povo chinês e seus dirigentes estão lançados na batalha da transição socialista. Como isso acabará? Não sei. Mas é impossível negar sua vontade. A história não está acabada.

Além disso, camaradas, imaginem por um momento a França com propriedade colectiva do solo e subsolo; com a maior parte das grandes empresas industriais como sociedades de estado; com todas as infra-estruturas nacionalizadas; com moeda, bancos, finanças controladas pelo Estado; controlando também o comportamento das transnacionais estrangeiras no território nacional; mais a planificação e, no topo do poder, para supervisionar um Estado super-poderoso, quem? Um Partido Comunista! Imaginem o nosso país organizado dessa forma, ou seja, como a China está agora. Então, o que é que se diria? Que é capitalismo? Estão a brincar! Dir-se-ia: é o socialismo. Nossos inimigos capitalistas diriam mesmo: é o comunismo! Digamos antes que é uma forma de socialismo de mercado, com capitalistas, claro, mas capitalistas estritamente controlados pelo poder político de um Partido Comunista.

A China certamente não é comunista, mas ela está em luta com o capitalismo para tentar dominá-lo. É preciso tentar compreender tudo isso, pensar por nós mesmos e, em primeiro lugar, libertar-se da ideologia dominante, da opressão dos media dominantes, que se tornaram entre nós o primeiro obstáculo à liberdade de expressão.



No Vietnã é aproximadamente a mesma coisa que na China desde o “Doi Moi”, ou seja a renovação do socialismo, um processo de economia de mercado socialista, principiado após os anos muito difíceis do pós-guerra, depois de o exército dos Estados Unidos ter despejado sobre o Vietnã três vezes mais bombas do que todos os beligerantes da Segundo Guerra Mundial somados. E muito recentemente, a maneira notável como o Vietnã soube enfrentar a pandemia do Covid-19 foi aqui, em França, completamente silenciada, com o pretexto de que não era possível, com o pretexto de que os vietnamitas mentem. Mas é o nosso governo que, submetido à finança e em guerra contra todo um povo, que nos mente!

Destas três experiências socialistas atuais, é Cuba que está mais afastada do capitalismo. É lógico portanto que seja contra Cuba que o imperialismo mais se encarniça – impondo-lhe o bloqueio. Sem o socialismo, Cuba jamais teria podido manter-se após a queda da União Soviética. Mas sem a resistência de Cuba, hoje não se falaria mais em socialismo na América Latina. Ora, por toda a parte neste continente latino-americano os povos estão de pé e lutam pelo socialismo. Olhem a Bolívia e a recente vitória do seu povo, magnífica! Dir-se-á: há penúria em Cuba. Mas é o bloqueio imperialista que cria a penúria em Cuba, não o socialismo. Havia de tudo em Cuba antes da queda da URSS. Agora, faltam muitas coisas em Cuba, materialmente, mas a ela não lhe falta certamente espírito de solidariedade. Os italianos sabem-no bem, todos os países africanos e quase todos os países do Sul também o sabem, os que recebem desde há muito tempo os cuidados das missões internacionalistas cubanas. Caros camaradas, Cuba é absolutamente fundamental para nós porque os cubanos provam que é possível resistir.



O que nos ensinam estes três países é portanto:

  • primeiro, que é preciso resistir, mesmo se o imperialismo impõe um bloqueio, mesmo se o imperialismo arrasou o vosso país;

  • a seguir, que há uma alternativa, que esta alternativa chama-se socialismo, que cabe aos Partidos Comunistas assumirem suas responsabilidades;

  • e finalmente que o socialismo permanece actual, que ele deve, que pode mesmo ultrapassar o capitalismo, que não é sinónimo de ineficácia e de penúria, mas de partilha, mesmo de opulência (uma certa opulência, como o desejava Marx, como o desejava Lenine).

Aquilo que é preciso compreender é que o capitalismo está a acabar, que o capitalismo agoniza, que ele vai desencadear uma violência extraordinária contra todos os povos antes de desaparecer e que é o socialismo, a solidariedade, que marcham com a história.

Mas além destas lições importantes, o que é que podemos extrair mais concretamente de tudo isto? As experiências socialistas cubana, vietnamita e chinesa são evidentemente inexportáveis, além de serem imensamente aperfeiçoáveis, em todos os domínios, mas elas nos interessam porque fundem três dimensões chave: a dimensão da emancipação social (anti-capitalista), a dimensão da independência nacional (anti-imperialista) e a dimensão do humanismo igualitário (anti-racista). É a articulação destas três dimensões que define sua respectiva transição socialista, que define seu “projeto comunista”. E mesmo se estas três revoluções, que estão sempre de pé neste momento, têm cada uma dela condições históricas, sócio-economicas e culturais singulares – o que significa que será preciso encontrar, nós, em França, nossas próprias formas de luta, renovadas, adaptadas para serem mais eficazes frente aos desafios atuais –, a análise das motivações profundas destas três revoluções é, a meu ver, útil para nós. As três são, como disse: 1. anti-racistas; 2. anti-imperialistas; 3. anti-capitalistas. O que é que isso significa para nós?



1. O anti-racismo, naturalmente, porque combater o racismo da extrema-direita e do sistema tornou-se uma prioridade absoluta. Mas não ao modo da direita, que ergue comunitarismo hostis entre si; nem como o faz a “nova direita” social-liberal do PS, anti-racista em palavras, mas cuja ações visam neutralizar as lutas populares, sobretudo na cidades, nos bairros. Não, nosso combate contra o racismo não é societal, ele é político, é socio-económico. E passa-se o mesmo com outros combates fundamentais e conexos, o combate pela democracia, pela igualdade homens-mulheres, pela protecção ambiental, que também devem ser colocados no cerne das nossas lutas comuns pelo socialismo. A este respeito, o Islão político, como todos os outros fascismos, não quer de modo algum romper com o capitalismo; pelo contrário, é um aliado e cúmplice do imperialismo. Por isso, também aqui, a escolha do socialismo será para nós o baluarte mais seguro contra todos os fascismos, inclusive o fascismo do islamismo político.

2. O anti-imperialismo, o que quer dizer não só pôr fim à lógica das guerras da OTAN sob a hegemonia dos EUA, mas também libertar-se do jugo europeu. Desejo de todo o coração boa sorte a Fabien Roussel no PCF se ele quiser falar de socialismo permanecendo na zona euro. A União Europeia foi construída precisamente para impedir o socialismo, este era mesmo o seu objetivo primordial. Boa sorte também para Laurent Brun na CGT se ele quiser permanecer na Confederação Europeia de Sindicatos, que é euro-liberal, social-liberal, inteiramente submissa ao capital. Realmente muito boa sorte para ambos se quiserem reformar o irreformável. Enquanto se espera por Godot – esta Europa social que nunca irá acontecer, pela razão de que o quadro europeu tal como existe o proíbe – é a direita e a extrema-direita que ocupam o terreno da contestação que nós decidimos desertar. Pois recordo-vos que o conceito de soberania nacional nasceu nas nossas fileiras (em Valmy). Na verdade, a censura do debate sobre o euro não é apenas antidemocrática, ela é simplesmente suicida. Não reconstruiremos uma perspectiva socialista, ou mesmo moderadamente socialista, sem radicalmente por o euro em causa.

3. O anti-capitalismo. Isso significa a necessidade de romper com o sistema de dominação do capital em última análise, ultrapassada, tornada quase unicamente destrutiva, assassina, mesmo criminosa. A alternativa anti-capitalista é a transição socialista. É a única alternativa razoável. O que quer dizer isto, para nós? Isso quer dizer, mais concretamente:

= serviços públicos fortes, concebidos como condições de cidadania;

    = a planificação, pela aplicação de uma estratégia de desenvolvimento, socialista;

    = o controle da moeda, da banca e dos sectores estratégicos da economia, o que implica portanto nacionalizações, a repensar totalmente em relação às experiências passadas;

    = uma propriedade dos recursos naturais coletiva e a urgência de uma proteção da natureza;

    = formas de propriedade certamente diversas, mas orientadas para a socialização das forças produtivas;

    = uma elevação muito forte dos rendimentos do trabalho, muito mais rápida, com um objectivo de justiça social, uma óptica igualitária;

    = relações exteriores garantindo a troca ganhador-ganhador e fundamentadas sobre a paz;

    = e, naturalmente, uma forma de democracia política ampliada, não fictícia como hoje, mas autêntica, amplamente participativa, tornando possíveis e concretizando as escolhas colectivas estratégicas.

Portanto, juntos, vamos deslegitimar o capitalismo, que promete abundância, mas generaliza a penúria (vê-se o que isso provoca em plena pandemia!). Vamos descredibilizar este sistema capitalista que nos vende felicidade na publicidade, mas que nos empurra para a pior crise desde 1945; que sacraliza a liberdade individual, mas desmantela os nossos direitos, destrói os nossos serviços públicos, empobrece cada vez mais os seres humanos. Desmascaremos este sistema arcaico que fala de democracia mas impõe a ditadura da finança. Camaradas, não se adapta a uma ditadura, combate-se contra ela. A ordem que nos impõe o capital financeiro é, hoje em dia, uma ditadura. Nosso dever imediato de toda e de todos é unirmo-nos para lhe pôr fim.


domingo, 1 de novembro de 2020

 PT  ENVELHECE E ENFRENTA ELEIÇÕES SEM VOTOS E SEM RUMO (Kotscho).

Excelente artigo de Ricardo Kotscho, pequeno, didático e resume tudo em poucas palavras. Explica porque o PT envelheceu e não renovou os seus métodos, sendo engolido por novas tecnologias digitais perversas que dominam eleições em vários países. PT também não renovou suas lideranças e agora enfrenta estas eleições praticamente destruído, sem votos e sem rumo. 

 Abaixo, o artigo de Ricardo Kotscho, publicado em sua coluna do UOL em 30/10/2020.

 

Aos 40 anos, PT chega às eleições envelhecido, sem votos e sem  rumo 

A bordo de velhos nomes e velhas propostas, o Partido dos Trabalhadores chega às urnas em 2020 com remotas chances de eleger prefeitos nas principais capitais do país, como mostram todas as pesquisas. Não dá para brigar com os fatos. Aos 40 anos, o PT envelheceu e está sem rumo, apenas tentando acertar as contas com o passado e glorificar as conquistas dos seus períodos de governo....


Cheguei a essa triste conclusão assistindo terça-feira ao programa produzido pelo partido e exibido nas redes sociais para celebrar os 75 anos de Lula, seu fundador e ainda a principal liderança. Fora os filhos e netos do ex-presidente, a maioria dos personagens que desfilaram na tela está na minha faixa etária, ou seja, não têm muito futuro pela frente. Quem não ficou careca está de cabelos brancos ou grisalhos.... -


A maior prova de que o discurso petista já não empolga é que, ao longo de mais de uma hora de programa, em nenhum momento a audiência chegou a 400 pessoas assistindo no YouTube. Apenas 400 pessoas! Dá para acreditar? Já na eleição municipal de 2016, o PT perdeu dois terços das suas prefeituras e só elegeu o prefeito de uma capital, Rio Branco, no Acre....


Não houve uma renovação de lideranças e de propostas, nada mudou no comando do partido, que só teve dois presidentes nos últimos muitos anos, e hoje lidera as pesquisas apenas em Vitória, no Espírito Santo. Para um partido que venceu quatro eleições presidenciais consecutivas neste século, não basta colocar a culpa na mídia, na Lava Jato e nos adversários para justificar a derrocada....


Algo se rompeu na relação do PT com o seu eleitorado. Os tempos mudaram e as receitas usadas nas antigas campanhas eleitorais também envelheceram, já não empolgam mais.…


Foi-se o tempo dos grandes comícios (e não só por conta da pandemia) e da militância aguerrida, que fazia campanha de porta em porta, carregando suas bandeiras com a estrela por todos as esquinas e grotões do país. Ninguém mais vende a bicicleta, empresta o carro ou falta no emprego para fazer campanha pelo PT.…


Como vimos em 2018, as eleições agora se decidem nos algoritmos da internet, e não mais nos programas na TV; nos memes e nas fake news, e não mais nas propostas de governo; apenas nas altas rodas do poder econômico e não em assembleias de operários e estudantes....


Numa democracia em que os partidos perderam a importância e o respeito, com a multiplicação de siglas de aluguel que têm donos, assim como as novas igrejas, que brotam por toda parte, a sociedade civil cedeu lugar às corporações militares e religiosas, abrindo espaço para as milícias e o crime organizado, cada vez mais influentes....


Esta é a nova realidade da política brasileira, gostemos dela ou não. 

Dia 15 de novembro, as urnas vão provar. 

Vida que segue....


FONTE:......https://noticias.uol.com.br/colunas/balaio-do-kotscho/2020/10/30/aos-40-anos-pt-chega-as-eleicoes-envelhecido-sem-votos-e-sem-rumo.htm?cmpid=copiaecola&fbclid=IwAR2Lvo_OulXfKGBbnBtaU_0O12D0t2kGz67dXMgegQHM5tqYRp-g2-9x428

domingo, 25 de outubro de 2020

 

PORQUE A DEMOCRACIA BURGUESA NÃO FUNCIONA 

NO TERCEIRO MUNDO ?


PORQUE A DEMOCRACIA BURGUESA É FRÁGIL E INSTÁVEL NO TERCEIRO MUNDO E FORTE E ESTÁVEL NO PRIMEIRO MUNDO ? Jones Manoel responde à pergunta acima em entrevista ao canal do Youtube “Tese Onze” de Sabrina Fernandez. Jones, historiador, mestre em serviço social, professor e militante do partidão, discute no Tese Onze de 28 de maio de 2019 , um pouco sobre as análises dominantes sobre a democracia no Brasil e mostra a diferença entre essas análises e uma análise marxista. A entrevista é longa e Jones discorre sobre várias teorias diferentes, de Jessé Souza à de marxistas ….. vamos nos concentrar em afirmações conclusivas que ele chega depois de analisar os autores da Teoria da Dependência, das relações entre Centro e Periferia : Rui Mauro Marini, Vânia Bambirra, Theotônio dos Santos e outros.


Por que a democracia no Brasil corre riscos e não está lá uma beleza ?


RELAÇÕES CENTRO-PERIFERIA E A TEORIA DA DEPENDÊNCIA.


Acho que muita gente já explicou esta questão…. Um deles Florestan Fernandes e o outro é Ruy Mauro Marini. Basicamente, a primeira coisa que temos que entender é que existe um SISTEMA CAPITALISTA MUNDIAL…..uma estrutura mundial de poder, que existem países centrais no capitalismo e existem países periféricos ….o capitalismo é capitalismo na França, Estados Unidos, Brasil e Peru…. Mas são formas diferentes de ser do capitalismo….. nas características básicas do capitalismo (propriedade privada dos meios de produção, estado burguês, etc.) a França é o mesmo que o Brasil, mas as formas concretas com que as relações sociais de produção se articulam são diferentes em cada país….. as formações sociais são particulares…..são formas de ser do capitalismo periférico, do capitalismo dependente. … o capitalismo periférico transfere riquezas para o capitalismo central…. Transferindo riquezas como ? Empresas multinacionais exploram muito mais os trabalhadores brasileiros do que os trabalhadores no centro do capitalismo…. p.ex: a Volkswagen no Brasil paga um salário infinitamente menor aos trabalhadores daqui do que ela paga ao trabalhador alemão…. As condições de trabalho do trabalhador brasileiro são muito piores, os danos ambientais são muito piores, ….porque as empresas dos países nórdicos são mais “humanas” ? Porque elas transferem os danos ambientais para os países periféricos….porque há um racismo ambiental que transferem os danos para os países pobres e ninguém vai ligar pra isso… Um exemplo: quando Notre Dame pega fogo todo mundo liga e fica emocionado, mas quando acontece enchentes, queimadas e danos na África, ninguém liga, não sai nem no noticiário da mídia…..

Então a atuação das multinacionais, juros e pagamento da dívida pública, pagamentos de royalties e dividendos, transferência de lucros das grandes empresas monopolistas que atuam no comércio internacional; transferem riquezas para seus países sedes (desenvolvidos ou Primeiro Mundo).. historicamente os preços dos produtos primários como café, laranja, soja, carnes e a mineração (ferro e outros), enfim commodities em geral estão em queda ou estão estáveis…. Já os preços dos produtos industrializados, manufaturados de alta tecnologia, estão sempre em alta. ….daí estas diferenças são sempre positivas para países centrais…. é claro que houve uma atipia, com o crescimento espantoso da China que propiciou a alta de algumas commodities….e as coisas já estão voltando ao normal….


ENTÃO, COMO DIZIA A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina, organismo da ONU com sede em Santiago do Chile, onde trabalharam economistas famosos como Celso Furtado e Raúl Prebisch de linhas não ortodoxas) HÁ UMA TROCA DESIGUAL NESTE COMÉRCIO…. Em todos os níveis, no nível da produção, no nível do comércio, no nível das finanças, instituições de crédito, governança global, FMI, ONU, BANCO MUNDIAL, todas estas instituições nas relações desiguais entre Centro e Periferia, funcionam estruturalmente transferindo riquezas para o centro do sistema. Este nível de riqueza possibilita um padrão de dominação capitalista com níveis de igualdade sócio econômica muito maiores no centro do sistema do que na periferia.

E possibilita também que as burguesias do sistema central consigam aguentar um conflito redistributivo mais intenso, mantendo a democracia, mantendo a estabilidade das instituições, e eleições livres….tanto que num país central do sistema é possível você ter coisas como o Partido Comunista Francês que chegou a ter mais de um milhão de militantes, passou mais de 40 anos existindo, tendo um papel central na política francesa, e o sistema não precisou dar golpes de estado, ou instalar uma ditadura militar, porque no centro do capitalismo este tipo de conflito redistributivo mais intenso, com uma militância operária mais ativa, militância social de maneira geral, era possível aguentar, se aguentar isso.


JÁ NA PERIFERIA DO SISTEMA , como a gente funciona estruturalmente transferindo riquezas para fora, o padrão de acumulação capitalista no Brasil, para compensar esta transferência de riquezas, aqui se emprega a superexploração da fôrça do trabalho, que é um conceito do Ruy Mauro Marini (o Florestan Fernandes trabalha com conceito semelhante). … OS DOIS AUTORES percebem que na periferia do sistema o nível de exploração dos trabalhadores e oprimidos em geral, é infinitamente mais intenso, é maior, é mais alargado, e isso faz com que não haja possibilidade de sustentar aqui conflitos redistributivos maiores, mais intensos. QUALQUER NÍVEL DE ATIVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR coloca em risco o padrão de acumulação do capital.


OUTRA PROVA DISSO: o Partido Comunista Francês cresceu e foi ativo durante 40 anos…. Já o PCB no Brasil passou metade de sua vida partidária na ilegalidade…. se no centro é normal você ter um partido comunista com peso de massa…. na periferia do capitalismo não pode… a burguesia aqui funciona dentro de suas classes dominantes e camadas médias que a auxiliam com controle dos aparelhos de estado, enquanto que amplas massas da população são destituídas de direitos de saúde, educação, cultura, lazer, segurança, de boas condições de trabalho, salário… elas não tem uma base material para legitimar este sistema, portanto o sistema funciona para além da legitimidade das massas e controla esse grau sistemático de ilegitimidade a partir de doses cada vez mais violentas de repressão, de controle e de extermínio. ENTÃO, fundamentalmente na periferia do sistema capitalista, não é só no Brasil, mas também África, Ásia, América do Sul, América Central, são regiões em que a democracia é frágil, instável, usando até uma linguagem liberal ……


E porque em toda a periferia ela é instável e na parte central do capitalismo, na maioria dos países da Europa, Japão e Estados Unidos, não ? …..SERÁ PORQUE? Porque são mais civilizados ?, o clima é melhor ?, são mais educados ?, melhores do que a gente ? E nós somos bárbaros ? NA VERDADE NÃO, porque isto tem a ver com o padrão de exploração sobre a classe trabalhadora e com esta sistemática transferência de riquezas para fora.

Enquanto que no Centro do sistema capitalista se aumenta o investimento do Estado em áreas sensíveis ao desenvolvimento econômico e à competição capitalista como p.ex. 5G, Biotecnologia, exploração espacial, inovações tecnológicas…...no Brasil quer se desmontar as universidades públicas, porque é uma balbúrdia, uma bagunça, …...


A BURGUESIA BRASILEIRA NÃO TEM PROJETO PRÓPRIO.


A raiz da fragilidade da economia brasileira está no seu caráter dependente e subdesenvolvida e na sua forma de ser capitalista, a burguesia brasileira não tem projeto para romper com isso… ela tá muito bem, obrigada. VÂNIA BAMBIRRA, parceira de idéias de Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini, criou um conceito fantástico sobre a burguesia brasileira, ….ela diz que nossas classes burguesas são classes dominantes-dominadas, elas dominam o conjunto dos explorados e oprimidos do país, mas ao mesmo tempo são dominadas pelo imperialismo estadunidense, que é quem comanda, desse hemisfério do globo, a acumulação capitalista. Elas são dominadas, mas não são oprimidas por eles, na verdade elas são subservientes a um outro projeto, em vez de desenvolver o seu próprio projeto. Portanto, isso de Bolsonaro ser subserviente ao Trump não é uma novidade na relação Brasil-EUA. Não custa lembrar que Lula quando foi eleito, antes de tomar posse, ele foi para os EUA encontrar Bush, pedir bênção a Bush e garantir que no seu governo os contratos não seriam alterados, seria um governo bem comportado, nada de bolivarianismo…. Lula tem uma frase assim “a América Latina não precisa da espada de Bolívar, ela precisa de crédito.”


Esse é o X da explicação…….


A PERSPECTIVA PATRIMONIALISTA DE JESSÉ SOUZA.


ASSIM PODE-SE PERCEBER QUE A PERSPECTIVA DE JESSÉ SOUZA, autor do livro “A Elite do Atraso” não é marxista….. a perspectiva marxista é a que citamos atrás: de Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra, Florestan Fernandes, Theotônio dos Santos, etc., baseada na Teoria da Dependência….. Jessé Souza parte da concepção do patrimonialismo das teorias de Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, embora ele ache que criticou estes dois, acaba por justificá-los….. ele parte de uma concepção vira-lata de que o Brasil está condenado pela herança colonial ibérica…. Pra nosso azar nós não fomos colonizados pelos protestantes, por isso que a gente não é os EUA….. Jessé diz que a “elite do atraso” (e não classe dominante) é formada por que existe uma herança da escravidão nunca superada e que o grau de desigualdade é tão grande por que é causada por essa herança…. E que o baixo grau de estabilidade e de desigualdade da democracia brasileira está explicado…. e que a elite nacional não tem um projeto popular democrático nacionalista devido à herança colonial…. a elite demoniza o Estado, é uma elite golpista e por aí vai…. Aparentemente a análise do Jessé parece correta…. Tem muitos pontos interessantes, tipo a elite não gosta de pobre, etc…. mas aí sua teoria não explica tudo, porque DÁ A IMPRESSÃO DE QUE A ELITE PODE SER REFORMADA, ela poderia mudar o seu projeto se ela ficar mais boazinha… poderia por exemplo se comportar como a elite alemã……

A EXPLICAÇÃO DE JESSÉ NÃO TEM FUNDAMENTO PORQUE NÃO COMPREENDE O SISTEMA CAPITALISTA GLOBAL….. o grande exemplo de vida dele é a Alemanha onde existe um grau bem menor de desigualdade social e o capital cultural foi democratizado, as massas foram integradas na sociedade de consumo, etc….. porque a elite alemã tem uma visão mais integradora, compreende a importância do comércio popular, e possui um projeto nacional soberano. OU SEJA O QUE O JESSÉ SOUZA ESTÁ DIZENDO é que a gente precisa ter uma elite como a elite alemã, tem que ensinar a elite a ser uma boa elite….. JESSÉ NÃO COMPREENDE o papel da Alemanha no capitalismo global, que ela é de centro e domina os países periféricos inclusive da Europa como Grécia, Irlanda, etc.….falta entender a dinâmica global do sistema capitalista e que a Alemanha possui melhores condições sociais para os seus trabalhadores exatamente devido às relações centro-periferia que transfere riquezas da periferia para o centro….. desconhece que as multinacionais alemãs financiaram ditaduras sangrentas na periferia, banhos de sangue, golpes militares, Pinochets, Videlas, etc…. Jessé desconhece o papel da elite nacional dentro de uma estruturação global do capitalismo…. na verdade ele está criando razões iluministas para a burguesia brasileira…. Ele não entende que a burguesia do Brasil, Argentina, Peru e outros nunca atuou com um projeto soberano nacional independente…..porque eles sempre foram subservientes ao imperialismo…..


CONCLUINDO: a democracia brasileira nunca foi um mar de rosas, ela sempre foi um vale de lágrimas….. não podemos acreditar na democracia brasileira como se ela fosse possível e maravilhosa, que precisamos restaurar aquele paraíso perdido dos governos Lula-Dilma….. não podemos idealizar um passado que nunca foi ideal…...precisamos na verdade fazer uma crítica radical ao funcionamento do capitalismo na periferia do sistema….. a democracia burguesa para beneficiar a maioria dos brasileiros só vai funcionar se cortar os laços de dependência com o capitalismo central … mas para chegarmos neste ponto, em um país de periferia, teríamos que romper também com o sistema capitalista e com a democracia burguesa, iniciando uma transição para um sistema socialista, anti-colonial e anti-imperialista. O governo de Evo Morales e seu programa socialista aguentaria se sustentar dentro dos parâmetros institucionais atuais da sociedade burguesa boliviana que por sua vez é subserviente ao imperialismo ianque ?  Provavelmente não, a não ser que tenha forte apoio de países socialistas.


Daniel Miranda Soares é economista pela UFMG, mestre pela UFV e ex-professor universitário.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

 

NOTAS SOBRE O DOCUMENTÁRIO “O DILEMA DAS 

REDES” EXIBIDO NA NETFLIX.


Primeiro vamos reproduzir uma excelente reportagem de Raquel Carneiro, atualizado em 14 set 2020, da revista VEJA.

‘O Dilema das Redes’: documentário da Netflix explica avanço bolsonarista.

Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”. A fala do professor de estatística Edward Tufte, da Universidade de Yale, é uma das frases de efeito do documentário.
O alto potencial viciante de aplicativos como Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp é o cerne do filme que destrincha os bastidores de funcionamento destes programas e como eles, ao contrário de sua razão de ser, que seria conectar pessoas, aumentaram a divisão, a polarização e a radicalização. A produção examina desde os perigos das redes para a saúde mental de adolescentes até a propagação de fake news, e a ascensão ao poder de populistas de direita como o brasileiro Jair Bolsonaro.

Dirigido pelo documentarista americano Jeff Orlowski, o filme começa de forma provocativa. Antigos funcionários de empresas como as citadas acima, além da superpoderosa Google e da aparentemente inofensiva Pinterest, são colocados diante das câmeras para responder o que faziam nessas companhias e por que saíram delas. As respostas coincidem: os desligamentos foram motivados por questões éticas pessoais. O espectador do documentário está, então, pronto e atento para ouvir a razão de tanto arrependimento da parte de mentes brilhantes que, para o bem e para o mal, fizeram das redes um ambiente comum indispensável de se viver no século XXI.

Ao longo de sua primeira metade, o documentário destrincha informações que não são uma grande novidade aos que já se interessam minimamente pelo assunto.
Basicamente, as empresas de tecnologia lucram transformando o próprio usuário em produto. Seus hábitos, gostos, desejos, tristezas, crenças – tudo é coletado por sistemas de inteligência artificial hoje amplamente conhecidos como algoritmos. Com estes dados, as redes sociais indicam de forma personalizada a cada pessoa desde opções de entretenimento e contato com outros indivíduos, até produtos e propagandas que induzem ao consumo.
O documentário da Netflix se destaca de outros do tipo ao explicar de forma didática esse intrincado funcionamento, com a ajuda de especialistas em tecnologia e saúde mental, além de uma representação fictícia de uma família afetada pelo sistema.


Em sua segunda metade, o filme esquenta e revela de fato o campo minado onde a humanidade se enfiou sem olhar para o chão — e com a cara na tela do celular. Os
antigos funcionários passam a falar sobre os efeitos negativos que os incomodaram na chamada tecnologia persuasiva, que instiga o usuário a agir conforme os algoritmos sugerem que ele deva agir. A partir da necessidade humana de se conectar com outras pessoas, o que leva à busca obsessiva por aprovação e adequação, adolescentes nascidos entre o fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000 se tornaram parte de um aumento das estatísticas de casos de depressão e taxas de suicídio.

Daí em diante, o clima de pesadelo do documentário só aumenta. Segundo estes profissionais, o modelo de negócio das redes sociais lucra com a desinformação, já que notícias falsas tendem a se espalhar seis vezes mais rápido que as verdadeiras. Teorias conspiratórias aliciam cada vez mais pessoas. E em um mundo sem diálogos, em que a sociedade se mostra incapaz de discernir com o que é verdade e o que não é, o caos ganha espaço.

O genocídio de uma minoria étnica em Myanmar, em 2018, encontra vestígios na força do Facebook no país e na propagação de fake news. Conflitos em protestos nas ruas, da Europa aos Estados Unidos, costumam ser iniciados nas redes. A ascensão no mundo de políticos de extrema-esquerda e extrema-direita, como Jair Bolsonaro no Brasil, é ligada diretamente ao fenômeno das redes sociais – isso dito pela boca dos próprios que ajudaram a colocar essas redes de pé. O que parecia inofensivo se mostrou devastador. E seus idealizadores, agora, se movimentam para alertar a população. Se é que ainda dá tempo de reverter seus duros efeitos.


TRECHOS TIRADOS DO DOCUMENTÁRIO "O DILEMA

 DAS REDES"  DA NETFLIX.…

Shosana Zuboff (prof. Harvard) : "esses mercados deveriam ser fechados..... já proibimos outros mercados (mercado de órgãos humanos, de escravos, etc.)."

Jaron Lanier (Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais) : "saia do sistema, saia das redes.... ele acha que dentro de 20 anos destruiremos nossa civilização através da ignorância, provavelmente não combateremos o aquecimento, provavelmente destruiremos as democracias do mundo, transformando-as em uma espécie de autocracia disfuncional, provavelmente destruiremos a economia global, provavelmente não sobreviveremos.....”

Bailey Richardson (trabalhou no Instagram) ".... então precisamos mudar tudo....o milagre é a vontade coletiva.... esse sistema não vai mudar sem muita pressão popular.…"

Tristan Harris foi especialista ético do Google, em depoimento no senado americano : "Não é que a tecnologia em si seja uma ameaça existencial. É a capacidade da tecnologia de trazer à tona o pior da sociedade. O pior da sociedade é uma ameaça existencial. Se a tecnologia cria caos em massa, indignação, incivilidade, falta de confiança um no outro, solidão, alienação, mais polarização, mais polarização eleitoral, mais populismo, mais distração e incapacidade de focar nos problemas reais. Isso é a sociedade. E agora a sociedade se vê incapaz de se curar e reverte a um estado de caos. Isso afeta a todos inclusive quem não usa esses produtos. Essas coisas viraram Frankensteins digitais que estão transformando o mundo em seu pior....seja na saúde mental das crianças, seja na política e nos discursos políticos, sem assumir a responsabilidade por tais ações.... acho que as plataformas precisam ser responsabilizadas quando admitem propaganda política.… a tecnologia vai se integrar mais às vidas das pessoas, não menos.....os algoritmos ficarão melhores em deduzir o que te mantém na tela, não ficarão piores…...é utopia e distopia ao mesmo tempo.… não dá pra voltar atrás.... as empresas estão agindo como se fossem governos, não há regulamentação nem regras para elas, não temos nenhuma lei que regulamenta a privacidade digital, há momentos que os interesses das pessoas são mais importante do que os lucros bilionários de uma empresa gigante… o intuito das redes é criar dois lados que não se escutam mais....que não querem mais dialogar e não confiam um no outro.... o Google e a inteligência artificial não sabem distinguir o que é verdade e o que não é.... eles não tem um padrão do que é verdade, se baseiam nos cliques, ....e se não acreditamos o que é verdade, não conseguiremos resolver nenhum de nossos problemas....













segunda-feira, 7 de setembro de 2020

 

Domenico Losurdo, pensador que fez Caetano abandonar o liberalismo, contrapõe o Marxismo Oriental ao Marxismo Ocidental.

Sob o título "Domenico Losurdo, um crítico da hipocrisia liberal", a revista Jacobin publica artigo do historiador David Broder, conhecedor do movimento comunista na França e Itália, com tradução de Marianna Braghini

6 de setembro de 2020


Falecido em junho de 2018, Domenico Losurdo foi um marxista-leninista italiano que criticou acidamente o pensamento liberal-burguês e o revisionismo no próprio movimento socialista e comunista. 

O cantor e compositor Caetano Veloso disse em entrevista ao programa Conversa com Bial, na TV Globo, na noite desta sexta-feira (4), que tem menos raiva do socialismo hoje em dia e se considera “menos liberalóide” do que há dois anos. Ele disse ter tido contato com leituras críticas ao liberalismo através de "um moço de Pernambuco, Jones Manoel".

Jones Manoel conduz o programa Trincheira Vermelha na TV 247, em que discute temas da história e da geopolítica, desde uma perspectiva marxista. 



TEXTO DA REVISTA JACOBIN

"Pode parecer estranho começar o obituário de alguém de 77 anos de idade dizendo que ele foi levado de nós em seu apogeu. Antes de Domenico Losurdo ser atingido por um tumor cerebral, o marxista italiano estava no auge de sua capacidade. Somente ano passado ele publicou uma polêmica contra as pretensões do marxismo ocidental, seguindo um trabalho de 2016, no qual ele lançou um olhar crítico aos projetos de paz através da história", escreve David Broder.

"Como professor emérito na Universidade de Urbino e presidente da Associazione Marx XXI, Losurdo, mesmo em idade avançada, manteve suas atividades ao redor do mundo em conferências e apresentações de livros. Sempre entusiasmado em promover seu pensamento no âmbito internacional, até mesmo logo antes de sua morte, ele estava trabalhando em um novo capítulo para a versão em inglês de seu livro “Antonio Gramsci: From Liberalism to Critical Communism.”

Esta é apenas uma das três obras de Losurdo em inglês previstas para serem publicados, continuando o esforço em tornar seu trabalho conhecido para camadas de leitores ainda mais amplas. Ele já estava entre os mais reconhecidos marxistas italianos em âmbito internacional, enquanto um robusto militante e historiador de filosofia, sempre atento em expor as realidades materiais, as condições históricas e sociais, que estiveram por trás de todos os ideais e sistemas filosóficos.

Particularmente, isso tomou a forma de um ataque perfurante à hipocrisia liberal, mais notadamente expresso em um trabalho inicialmente publicado em italiano, em 2005, depois traduzido para o inglês pela Verso em 2011, como “Liberalism: A Counter History” [“Contra-História do Liberalismo“]. Losurdo expôs a violência colonial e a posse de escravos que passaram de mão em mão com a ascensão do projeto liberal no século XVIII, apontando acidamente seus limites, a exclusão e a hipocrisia no coração do alegado universalismo do liberalismo.

Isso, inclusive, auxiliou os esforços de Losurdo, na defesa das experiências soviética e chinesa de construção do socialismo. Ele não explicou meramente seus crimes e erros (os quais ele admitia livremente) como uma resposta ao clima de guerra sob as quais emergiram. Além disso, ele expôs as falsas assimetrias que levaram os liberais a comparar a violência comunista e nazista, como se o colonialismo ocidental pudesse de alguma forma ser separado.

Revisionismo e anti-revisionismo

Domenico Losurdo foi, de fato, um escritor marcadamente político. Nascido no ano em que a Itália fascista se uniu à Alemanha nazista em sua guerra contra a URSS, ele foi parte de uma geração radicalizada nos anos 1960, na qual o “anti-revisionismo” maoísta exerceu uma forte influência em figuras da extrema esquerda. A partir deste contexto marxista-leninista, nos anos 1980 ele se juntou ao Partido Comunista Italiano (PCI) e posteriormente, após sua dissolução em 1991, ao esforço de refundação do partido, o Rifondazione Comunista (PRC).

Professor de filosofia da história na Universidade Urbino e um reconhecido estudioso de Hegel, em décadas mais recentes, o trabalho de Losurdo adotou um particular caráter proferidamente “militante”. Deparado com o colapso da União Soviética e com a corrida do triunfalismo liberal, Losurdo construiu críticas devastadoras àqueles que pintaram esta última ideologia como o prenúncio de um abrangente progresso humano.

Isso estava mais expresso, particularmente, em seu livro “Contra-História do Liberalismo”. Contrário à sua própria auto-hagiografia, Losurdo explorou o lado obscuro do afloramento do liberalismo em potências industriais como Inglaterra, Holanda e os Estados Unidos. Não somente estas sociedades construíram um legado de escravidão e expansão dos circuitos comerciais de escravos, bem como radicalizaram e formalizaram suas premissas na supremacia branca.

Para esta Contra-História, como também para seu estudo de “Democracia ou bonapartismo”, Losurdo revelou a dependência essencial do liberalismo com a segregação, criando barreiras de propriedade e raça. O liberalismo não só herdou as hierarquias do mundo pré-capitalista, como também criou outras novas; ele não apenas subverteu a monarquia e a regra hereditária, bem como impôs novas formas de divisão e exclusão nas massas coloniais e metropolitanas.

Aqui, Losurdo obteve maior sucesso ao expor as sombrias origens do liberalismo e os crimes nele engendrados, do que ao apresentar sua necessidade fundamental e permanente de formas particulares de exclusão (como a escravidão). Suas acusações à hipocrisia liberal frequentemente aparecem como se fossem uma demanda para o fim das falsas assimetrias e pontos cegos; o que significa dizer, a completa realização de um proclamado universalismo, mais do que sua simples destruição.

Esta determinação em historicizar o pensamento político é também chave para a defesa de Losurdo do socialismo ao estilo soviético. Contra aqueles que diriam que comunismo funciona em teoria, mas não na prática, seu trabalho coloca a questão de que o mesmo também poderia ser dito do liberalismo. A Contra-História pergunta, “assim como com qualquer outro grande movimento histórico,” não apenas o que o liberalismo pretende em sua “pureza abstrata,” mas em suas relações sociais reais.

Assim que a polêmica pesquisa de Losurdo sobre liberalismo estabeleceu os valores que reivindica, sob a áspera luz de sua realidade histórica, seus escritos sobre as críticas à URSS buscaram destacar o contexto histórico que os liberais preferem ignorar. Particularmente, Losurdo era incisivamente crítico à escola “totalitária” representada por Hannah Arendt e uma manada de historiadores anticomunistas, que por sua vez reduziram Stalin e Hitler à “irmãos gêmeos.”

Enquadrando o liberalismo nos termos da exclusão, Losurdo buscou reformular nossa visão do século XX, ao centralizá-la no colonialismo. A guerra nazista por “espaço habitável no Oriente” foi uma guerra colonial de agressão contra a URSS: ela pegou as ferramentas que a Grã-Bretanha, Bélgica e França utilizaram na África e Ásia, modernizando-as e reclinando-as para o continente europeu. Mesmo tal empreendimento assassino poderia assegurar a fidelidade de um pensador como Martin Heidegger, pois, sua cultura não era, de fato, tão inovadora assim. 

Neste sentido, Losurdo argumenta que o rótulo do “totalitarismos” difamou deliberadamente a URSS, enquanto reduzia à um plano secundário a violência massiva que já vinha sendo perpetrada por poderes coloniais nas décadas recentes. Por que nós ouvimos muito mais sobre o Massacre de Katyn e Holodomor do que sobre a carnificina dos Mau Mau ou da Fome em Bengala? Na visão de Losurdo, comparar Stalin a Hitler era como colocar Toussaint Louverture, líder da rebelião dos escravos haitianos, na mesma base moral que os proprietários de escravos franceses, simplesmente porque ambos os lados tinham lideranças “autoritárias”.

Foi sem dúvida uma reformulação provocativa. Losurdo estava tranquilo em pisar nos dedos dos pés, mas algumas vezes era tonalizado como alguém que queria contrariar. Embora ele reconhecesse os aspectos exorbitantes e paranoicos da liderança de Stalin, seus esforços para relativizá-lo eram frequentemente governados por um zelo polêmico injustificado pelas evidências reunidas. Isso tornou sua reformulação do stalinismo mais “interessante” do que necessariamente persuasiva.


Construindo o socialismo

Losurdo há muito tempo desafia a esquerda que, em sua visão, criticava abstratamente esforços reais de construção do socialismo sem sentir a necessidade de sujar suas mãos com escolhas pragmáticas. Isso foi resumido pelo seu recente estudo sobre o marxismo ocidental. Insistindo que, longe da URSS estar “degenerando-se” por conta de seu isolamento, a esquerda da Europa Ocidental que atrofiou-se em uma gama de debates por conta de seu isolamento dos processos reais de mudança social.

Nesta veneração da URSS e, verdade, da China (a qual ele continuava a ver como um país no caminho rumo ao socialismo, por meio de um tipo moderno de Nova Economia Política), Losurdo rejeitou agudamente qualquer inutilidade da história do século XX. Ele era mordaz com teóricos modelados na esquerda ocidental, de Theodor Adorno a Michel Foucault, e buscou expor os pontos cegos e mesmo o racismo alicerçado na rejeição dos esforços orientais de “construção do socialismo”.

O engajamento político de Losurdo foi uma ponte na divisão entre a história do século XX e o presente. O pequeno Partido Comunista no qual ele era envolvido nos anos recentes, autodenominado em homenagem ao PCI de Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti, buscou reviver o partido que se dissolveu após a queda do Muro de Berlim. Entretanto, o trabalho de Losurdo tendia a evitar qualquer exame dos processos específicos que levaram o histórico PCI à destruição. 

Atualmente, a esquerda italiana ainda precisa se recuperar da morte do PCI, ou talvez, de sua vida. Suas estruturas zumbis ainda permanecem conosco, como no neoliberal Partido Democrata; sua residual influência cultural incorpora a nostalgia de uma grande esquerda de outrora que é incapaz de dar vida à qualquer coisa nova. A extrema-direita está na ofensiva e parece faltar esperança; talvez seja mais fácil agarrar-se à velhas certezas do que iniciar um projeto comunista do zero.

Os esforços de Losurdo em recuperar esta herança eram frequentemente questionáveis, mas sempre estimulantes. E seu pensamento ainda está conosco. O ano de 2019 viu edições de seu livro “Democracia ou bonapartismo” (Unesp), sua vasta biografia de Nietzsche e seu estudo de Antonio Gramsci (ambos com Brill). Outras traduções previstas incluem estudos de Hegel e de Kant. Por meio destes títulos e da descoberta de seus trabalhos por novos leitores, o pensamento penetrante de Losurdo irá sobreviver ao tumor que o matou". 


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Fontes: Saiba quem é Domenico Losurdo, pensador que fez Caetano abandonar o liberalismo

https://www.brasil247.com/ideias/saiba-quem-e-domenico-losurdo-pensador-que-fez-caetano-abandonar-o-liberalismo

Domenico Losurdo, um crítico da hipocrisia liberal

https://jacobin.com.br/2019/11/domenico-losurdo-um-critico-da-hipocrisia-liberal/


sexta-feira, 29 de maio de 2020

MARXISMO OCIDENTAL X MARXISMO ORIENTAL



MARXISMO OCIDENTAL X MARXISMO ORIENTAL.
Notas e comentários sobre o livro “O Marxismo Ocidental “ de Domenico Losurdo.


O MARXISMO OCIDENTAL ATACA E CONDENA O MARXISMO ORIENTAL.
O livro do cientista político historiador e filósofo italiano Domenico Losurdo (O Marxismo Ocidental – como nasceu, como morreu, como pode renascer. Boi Tempo. 2018) discute uma interessante abordagem entre os dois tipos de marxismo que deveriam ser um só. Ele critica os marxistas ocidentais por analisarem o mundo num tipo de abordagem eurocêntrica, centrada apenas na visão do desenvolvimento capitalista na Europa (feudalismo > capitalismo > socialismo > comunismo), diferente da abordagem do marxismo oriental, que sem esquecer a luta de classes centra sua abordagem na luta anti-colonial e anti-imperialista. O marxismo ocidental queria excomungar o marxismo oriental, mas acabou sendo excomungado. Ele mesmo se definha e praticamente morre absorvendo parte da doutrina burguesa liberal, se contradiz e acaba concordando com as críticas liberais burguesas ao analisarem as experiências orientais. Os marxistas ocidentais no pós-guerra fria abominaram as experiências soviéticas e chinesas e desta forma sucubem à sua própria interpretação, pois ficaram presos às suas críticas tipicamente liberais burguesas. Dentre estes intelectuais eurocêntricos, o autor cita Perry Anderson (trotskista contra a União Soviética), Hannah Arendt, Michel Foucault, Giorgio Agamben, Antonio Negri, Slavoj Zizek, Max Horkheimer, Althusser, Marcuse, Adorno, Bloch, etc. Perry Anderson foi o primeiro a separar os dois marxismos, ao publicar em 1976, o livro “Considerações sobre o marxismo ocidental” elogiando o ocidental e condenando o marxismo oriental, mas ao fazer isso estava premeditando o seu suicídio. Deve-se reconhecer ao filósofo francês Maurice Merleau Ponty o primeiro a estabelecer as diferenças principais entre os dois marxismos. No Oriente (e na prática em todos os países onde os comunistas conquistaram o poder) o problema prioritário para os dirigentes políticos não era promover a “desintegração do aparelho estatal”, mas outro bem diferente : como evitar o perigo da submissão colonial ou semicolonial e de que maneira superar o atraso em relação aos países industrialmente mais avançados.

O Ocidente ao ganhar a guerra fria, praticamente mata o marxismo ocidental. Existia a visão de que o Ocidente era livre e democrático e o Oriente dominado por ditaduras totalitárias e cruéis. Daí que os marxistas sumiram durante um bom tempo na Europa. E vários marxistas ocidentais assumiram esta visão condenando os regimes orientais. Só agora, os ocidentais estão percebendo as diferenças entre os dois e começando a entender que a luta deveria na verdade, ser uma só.


MARXISMO OCIDENTAL DEFENDE O IMPERIALISMO “DEMOCRÁTICO” QUE IMPÕE DITADURAS E ESCRAVIDÃO NO TERCEIRO MUNDO.
Acontece que os marxistas no Ocidente negaram em suas análises, que as potências capitalistas ocidentais na verdade colocavam em prática políticas discriminatórias imperialistas tão ou pior do que os regimes totalitários. Bastava analisar suas relações com o Terceiro Mundo, com as colônias e semi-colônias e até mesmo dentro de seus próprios países e continentes. Estes países praticavam a escravidão em suas colônias com a maior naturalidade e justificativas aceitáveis. E a escravidão durou séculos, até recentemente. A escravidão é uma prática dominadora repressiva extremamente cruel que discriminava os negros e até povos orientais como seres inferiores ou como animais sem alma ou dignidade. E fazia parte das engrenagens do capitalismo para desenvolver, arrancar mais-valia e lucros extraordinários que por sua vez proporcionava grande impulso à acumulação de capital. No centro do capitalismo, desenvolvimento econômico acelerado, inovações tecnológicas e melhoria das condições de vida da população com as “migalhas” que vinham do Terceiro Mundo; enquanto que na periferia deste a exploração era selvagem, ditatorial e sub-humana. Hitler não faria melhor.

Os próprios liberais burgueses denunciavam esta situação ao longo dos séculos e descobriram as situações mais cruéis e terroristas do mundo. Um deles dizia que o imperialismo britânico mandava para a linha de frente de suas batalhas e guerras, servos e escravos numa quantidade enorme, para servir de contenção das linhas inimigas. Cerca de 50 milhões de africanos e 250 milhões de indianos morreram nessas lutas imperialistas, segundo um historiador britânico conservador A.J.P. Taylor, citado por Losurdo (p.197). Na Bélgica liberal os colonizadores reduziram a população indígena do Congo, de 20-40 milhões em 1890 para 8 milhões em 1911. Porque tratavam as populações de suas colônias como sendo inferiores ou de raças inferiores, portanto sujeitas a qualquer tipo de exploração, com total decisão sobre suas vidas e mortes…. Quando um povo possui a decisão de controlar vida e morte de seus subjugados, é claro que é uma decisão extrema, de controle total….ou seja totalitário, onde se elimina qualquer tipo de liberdade. É O PODER DA ESCRAVIDÃO….

O genocídio americano é considerado o Holocausto mais longo da história da humanidade, também conhecido como “os quinhentos anos de guerra”, quando foram dizimados 95% dos 114 milhões de indígenas americanos do atual território dos EUA e do Canadá. Hitler é um filhote de cachorro em comparação com os "conquistadores da América”. Os americanos usaram de tudo para destruir os nativos americanos : destruição em massa, guerra biológica (disseminando varíola nas roupas dos índios), matando dezenas de milhões de búfalos (base alimentar dos índios), esterilizando as mulheres indígenas (esterilização cirúrgica forçada), proibição de realização de serviços religiosos, etc…. A “solução final” do problema dos índios da América do Norte se tornou modelo para os posteriores Holocausto judeu (Hitler) e o apartheid sul-africano. Hitler se propunha imitar a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, pois pretendia estabelecer as “Índias alemãs” na Europa oriental e promover ali uma expansão colonial semelhante àquela do Faroeste da República norte-americana. Foi ao longo da opressão colonial e racial posta em prática justamente pelos EUA contra os nativos e negros que vieram à tona as palavras que depois se tornariam as palavras chaves da ideologia nazista : ultimate solution/endlosung, (solução final). O império colonial germânico devia ser construído graças ao trabalho forçado dos “indígenas”, dos eslavos praticamente reduzidos à condição de escravos, obrigados a trabalhar para manter o aparato produtivo necessário para a condução da guerra. Com o fim da Guerra de Secessão, os escravos negros foram substituídos pelos coolies, isto é, semi-escravos “amarelos”, provenientes da Índia e China. O expansionismo colonial, conduzido pelos países liberais, implicou a imposição de formas modernas de escravidão ou semiescravidão em detrimento dos povos dominados. Foi por isso que Lênin se referia ao conflito entre as grandes potências capitalistas e colonialistas da Primeira Guerra Mundial como guerra “entre proprietários de escravos para a consolidação e o fortalecimento da escravidão”. Se o que define a escravidão é o poder de vida e de morte exercido pelo patrão, a definição de Lênin mostra-se oportuna: as grandes potências coloniais se atribuíam o poder de vida e de morte sobre os povos que dominavam!

O horror do sistema colonialista decerto não termina com a derrota do Terceiro Reich e de seus aliados. Em vez de citar Argélia e o Vietnã, o autor cita duas tragédias menos conhecidas : Quênia (colônia britânica) e América Latina (quintal dos EUA). Na primeira ele se refere à Revolta dos Mau Mau, nos anos 50 no Quênia, onde o governo de Londres emprega métodos bárbaros para restabelecer a ordem na colônia , tipo campo de concentração de mulheres em Kamiti onde eram chicoteadas, interrogadas, reduzidas à inanição e trabalho forçado que incluia construção de valas comuns para enterrar cadáveres de outros campos de concentração. Na segunda, o autor se refere à América Latina, onde nesta época (anos 1950) se via os EUA instaurando ferozes ditaduras militares, mas também promovendo atos de genocídio, p.ex. como o citado pela Comissão da Verdade da Guatemala se referindo ao destino dos índios Maya, culpados por simpatizarem com opositores do regime apoiado por Washington.


MARXISMO ORIENTAL COMEÇA A INFLUENCIAR POSITIVAMENTE MOVIMENTOS DENTRO DO CAMPO DO MARXISMO OCIDENTAL.
Esse mundo, feito de escravidão, semiescravidão, relações servis de trabalho, formas monstruosas de sujeição, discriminações gritantes e terríveis cláusulas de exclusão ratificadas ou toleradas também no plano legal, depois de ter sofrido os primeiros duros golpes por obra dos jacobinos de
Paris e, sobretudo dos jacobinos negros de São Domingos (onde os escravos tomaram o poder), foi posto em crise apenas pelo movimento comunista, graças à sua ação direta e à influência por ele exercida. É uma influência que se fez sentir no próprio coração da metrópole capitalista, como é o caso dos afro-americanos. Eles eram oprimidos por um regime de white supremacy terrorista no momento em que eclodia a Revolução de Outubro, difusora de um espírito novo entre os povos de origem colonial. Os negros decididos a se libertar do jugo colonial e racial foram se filiando ao Partido Comunista formando um componente essencial deste. Durante os anos da Grande Depressão, do desemprego e da miséria em massa, aumentava a luta contra o regime de white supremacy. A absurda perseguição e discriminação racial contra os negros na América, mobilizou nos anos 1950 um movimento para que a Corte Suprema acabasse com a discriminação. O ministro da Justiça do governo escreveu uma carta à Corte: “A discriminação racial leva água para o moinho da propaganda comunista e suscita dúvidas também entre as nações amigas quanto à intensidade da nossa devoção à fé democrática.” Foi movida por tais preocupações que a Corte Suprema declarou inconstitucional a segregação racial nas escolas públicas. CONCLUSÂO : não é possível compreender o desmantelamento nos EUA do regime de white supremacy (herança tenaz do sistema colonialista-escravista mundial) sem o desafio da Revolução de Outubro e do movimento comunista.

DIFERENÇAS BÁSICAS ENTRE OS DOIS MARXISMOS.
O autor, Domenico Losurdo, também distingue duas diferenças importantes entre os dois marxismos, mas não necessariamente contraditórias. O marxismo oriental tem o foco mais voltado para o futuro em curso ou futuro próximo, mais imediato, na transição pós-capitalista a curto prazo ; enquanto que o marxismo ocidental tem o foco mais importante voltado para o futuro mais remoto e utópico, portanto mais distante no futuro, na concepção mais final do comunismo a longo prazo. Marx e Engels já haviam previsto estes dois aspectos da transição pós-capitalista ou destas duas definições do “comunismo”, que na verdade, são duas fases. Uma fase de curto prazo , intermediária ou “socialista” e uma fase mais avançada ou fase final ou “comunista”. É como se fosse construída uma ponte entre futuro em curso e futuro remoto. Segundo o autor, o marxismo ocidental, se quiser renascer, deve saber construir esta ponte entre estas duas diferentes temporalidades.

Os países que adotaram o marxismo oriental, como a China p.ex., ainda não concluíram a etapa do futuro próximo, ou seja, basicamente a revolução anti-colonial e a destruição do sistema colonialista-escravista mundial. Países centrais desenvolvidos que na verdade são países imperialistas desencadeiam guerras em todos os cantos do mundo, reabilitando explicitamente o colonialismo e o imperialismo e invocando de antemão guerras desnecessárias para silenciar os que ousam desafiar a pax americana. Guerras encadeadas, recentemente contra : Iraque, Afeganistão, Iugoslávia, Síria, inclusive a Palestina, etc. Vários intelectuais do marxismo ocidental apoiavam estas guerras, ao mesmo tempo que proclamavam a realização da utopia de um mundo sem guerras ? Até Zizek faz desdém pela luta anti-imperialista.


O EXEMPLO DO COMBATE AO COVID-19. O combate ao Coronavírus, indica a nível mundial, a importância que cada país proporciona à saúde de sua população. Ficou claro que o Ocidente prefere privilegiar a economia em detrimento da saúde de seu povo – ou seja priorizam os empresários e não a população em geral. Os exemplos estão aí: Itália, EUA, países ocidentais em geral. Enquanto que no Oriente, especialmente os países comunistas como China, Vietnã, Coréia, incluindo Cuba, todos eles priorizaram a saúde da população em detrimento da economia. Também foram muito mais eficientes no combate à pandemia. Tomaram medidas super restritivas para controlar rapidamente a propagação do vírus. E quem dá aval à estas informações é a OMS, organismo da ONU que elogiou as medidas e os resultados dos países do Oriente. Não se pode dizer que eles foram parciais, porque usaram os mesmos critérios para analisar todos os países – China, EUA, França, Vietnã, etc.


OCIDENTE DEMOCRÁTICO E ORIENTE TOTALITÁRIO ?
Hoje seria um absurdo dizer que os países comunistas seriam totalmente autoritários e os países ocidentais seriam totalmente democráticos. Quem conhece a gestão dos países como China e Cuba, sabem que os governos possuem um grande feed back com a população, possuem comitês de bairros e comitês representativos dentro dos partidos...e a prova disso é que 80% da população aprovam as medidas populares de seus governos. Afinal quem tem os níveis mais elevados de educação são estes países e a prova são as avaliações internacionais (que são neutras), tipo PISA da OCDE (avaliam alunos de cursos básicos de 79 países) que colocam os alunos dos países orientais com as notas mais altas.Na última avaliação de 2019, a China está em primeiro lugar nos três níveis (leitura, matemática e ciência) com 555 pontos (leitura), 591 (matemática) e 590 (ciência); os EUA conseguiram 505 (leitura - 13º), 478 (matemática - 38º) e 502 (ciência -18º). A solidariedade entre as pessoas são mais elevadas nestes países e a pandemia do COVID provou isso – voluntários organizavam pessoas em cada conjunto de apartamentos para fazer compras e monitorar os doentes em isolamento. Enquanto que no Ocidente, o individualismo é preponderante. Países orientais ofereceram ajuda com médicos e equipamentos aos países ocidentais (China e Cuba enviaram ajuda à Itália; Vietnã enviou ajuda para a França - que colonizou o Vietnã), enquanto que os EUA confiscavam equipamentos médicos vindos da China que passavam em seu território.
E quem disse que os países ocidentais são totalmente democráticos ? Que democracia é essa em que os políticos são representantes de grandes corporações ? Em que as principais decisões dos governos atendem interesses destes grandes grupos corporativos ? O resultado disso está na distribuição de renda e poder destes países, altamente concentrada nas mãos de uma minoria que controla os governos e toda a economia. Nos países orientais a distribuição de renda é muito mais justa e igualitária e não existe discriminação quanto ao atendimento de serviços essenciais como educação e saúde que são socializados à população em geral, enquanto que nos países ocidentais boa parte da educação e saúde são privatizados e não atendem a maioria.
MAS AS PESSOAS SÃO LIVRES PARA COMPRAR O QUE QUISEREM E FAZER O QUE QUISEREM. SÃO MESMO ? São livres para comprar os produtos que grandes empresas interessadas em aumentar lucro oferecem para você num leque de opções manipuladas pelas grandes empresas de propaganda e publicidade, que também precisam vender. Empresas direcionam produtos com taxas maiores de lucro e boa parte destes produtos são supérfluos e/ou de luxo. As pessoas são estimuladas a consumir produtos que não precisam e não são as melhores opções para elas. Milhões de pessoas consomem produtos que prejudicam sua saúde, aumentam a obesidade e até provocam doenças crônicas. No Brasil a maioria dos alimentos que as pessoas consomem estão envenenados com agrotóxicos que provocam doenças e câncer. Então elas procuram os médicos que receitam remédios que não curam imediatamente mas que você tem que tomar o resto da vida. Farmacêuticas produzem remédios que dão lucro – determinados remédios os pacientes precisam tomar sempre, para manter o nível de vendas e de lucros das grandes farmacêuticas. Por que não produzem remédios que curam de uma vez ? Ou remédios para doenças crônicas que atingem minorias da população ? Por que não dão lucro. O sistema não está interessado em curar nem melhorar a saúde das pessoas – porque estas coisas não dão lucro. AS PESSOAS PODEM FAZER O QUE QUISEREM ? SIM, desde que não prejudiquem o lucro das empresas que dominam o mercado, elegem políticos e mandam no governo, protegidas por leis aprovadas por políticos que elas elegeram.



O EXEMPLO DA CHINA, HOJE O MAIOR PIB DO MUNDO
O Partido comunista chinês, com Mao, promovia uma leitura de “significação” do marxismo, para dar impulso à luta anti-colonial e para um desenvolvimento das fôrças produtivas capaz de possibilitar a realização da independência também no plano econômico e tecnológico, para o rejuvenescimento de uma nação submetida ao colonialismo e ao imperialismo por séculos de humilhações desde as guerras do ópio. Longe de ser negada, a perspectiva socialista e comunista é orgulhosamente proclamada pelos dirigentes da República Popular da China. Sua realização está ligada a um processo histórico muito longo, no decorrer do qual a emancipação social não pode ser separada da emancipação nacional. O marxismo ocidental ainda fustiga o marxismo oriental, não reconhecendo a dependência do condicionamento material (desenvolvimento das fôrças produtivas). Mesma coisa o marxismo ocidental fez com o Vietnã e Cuba. Cuba que hoje faz concessões ao mercado e à propriedade privada, inspirando-se de modo bastante cauteloso no modelo chinês. Cuba luta pela independência econômica e tecnológica e mesmo assim recebe o desdém dos marxistas ocidentais. O marxismo oriental não pode abrir mão de concluir, em todos os níveis, a revolução anticolonial, mesmo apesar dos contratempos e erros eventuais surgidos durante o processo.

A China era um país pobre, com um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 150 bilhões e uma população de 800 milhões de pessoas, em 1978. Hoje, são 1,38 bilhão de habitantes e um PIB de US$ 12 trilhões, segundo dados da ONU. Segundo dados do FMI/BANCO MUNDIAL em 2018, a China tinha um PIB de US$13 trilhões e os EUA um PIB de US$20 trilhões. Mas em dólares PPC (paridade do poder de compra) que mede os reais valores das moedas locais (já que o dólar é uma medida cambial e altera os valores dos preços em cada país), a China teria um PIB de US$23 trilhões, o maior do mundo; e os EUA teria um PIB de US$19 trilhões. A partir de 1978, Deng Xiaoping, secretário do PCC inicia o processo de modernização econômica da China, abrindo o mercado para investimentos estrangeiros e permitindo a competição capitalista, aprendendo com as potências estrangeiras, abrindo para o exterior, fomentando novos métodos de gestão. A China desenvolveu aceleradamente suas fôrças produtivas, desde então, crescendo a taxas bem elevadas; no início 20% a.a., depois caindo para 15% e hoje continua crescendo a taxas de 6-8% a.a., ainda elevadas em termos ocidentais. Mas não devemos esquecer que o governo mantém o controle das regras do jogo econômico, possui grandes estatais, poder de polícia e promove investimentos importantes em educação, saúde, pesquisa e tecnologia, infra-estrutura, etc. No início das reformas, anos 1980, mais de 90% dos chineses viviam em condições de pobreza e miséria. Em 2017, apenas 2% dos chineses vivem nestas condições e o governo prometeu acabar com a pobreza neste ano de 2020. O desenvolvimento tecnológico também acelerou, hoje a China registra patentes em quantidade mais de duas vezes maior do que os EUA registram. Em 2014, a China havia alcançado o número extraordinário de 801 mil patentes, metade do total do planeta inteiro, contra apenas 285 mil dos americanos Possui mais pesquisadores PhD que os EUA. Em junho de 2020 a China lançará um foguete que colocará um rover em Marte, sendo o segundo país a fazer isso – os EUA já colocaram 4 rover neste planeta. Também colocou um satélite no lado oculto da lua, nenhum outro país tinham ousado fazer isso.

Obs: sobre a ascensão da China, era Colombiana, governos anti-coloniais e marxismo oriental, veja também o vídeo de Jones Manoel no Youtube:……e outros dele sobre o mesmo assunto.

Daniel Miranda Soares, economista pela UFMG, mestrado pela UFV, ex-professor universitário.