terça-feira, 22 de outubro de 2024

IN MEMORIAM - JANE HENRIQUES DE OLIVEIRA

IN MEMORIAM - JANE HENRIQUES DE OLIVEIRA

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OS MARAVILHOSOS ANOS 70 

 


Os anos 70 foram os melhores anos de minha vida. Os rebeldes e revolucionários anos da juventude que se seguiram aos anos 60 no mundo. Aqui no Brasil também foi um reflexo dessa época, os hippies, os movimentos paz e amor, revolução nos costumes e questionamentos dos valores burgueses. Pra mim foi sintomático, cheguei em BH em 1970 pra trabalhar e frequentar um cursinho pré-vestibular. Passei no Vestibular em 1971 no curso de Economia da UFMG. Frequentei a UFMG quase toda a década, de 1971 a 1979. Morava num pequeno quartinho alugado na rua Sergipe, trabalhava como datilógrafo na UCMG do outro lado da rua e atravessava a cidade para frequentar as aulas no período da manhã. O salário era pouco mas dava para pagar as despesas sem maiores luxos,  a não ser um cineminha, um lanchinho, comprar alguns livros e encontrar os amigos em suas repúblicas espalhadas pela cidade.

Quando cheguei a BH, a primeira coisa que eu fiz foi deixar de frequentar a igreja, hábito que adquiri no interior de Minas. Assim comecei a me desvencilhar de valores tradicionais e adquirir novos valores com meus colegas universitários. Li o “Manifesto  Comunista” no ano seguinte e a partir daí novos livros na mesma linha.  Almoçava e jantava no “bandejão” ou bandejões que a UFMG tinha em cada faculdade. Como morava na Savassi eu frequentava o bandejão da escola de Arquitetura, perto da minha casa a uns 3 quarteirões. Lá fiz novas amizades principalmente com estudantes da FAFICH, que frequentava o restaurante porque era o mais próximo da faculdade deles. Eram estudantes de psicologia, história, letras, filosofia.... Discutíamos intensamente o socialismo, marxismo, revoluções, etc. E trocávamos leituras. Nos fins de semana íamos às casas e repúblicas dos colegas onde fazíamos um almoço coletivo. Também promovíamos festas nas repúblicas, no meu porão aconteceram várias, cada um levava uma bebida e salgadinhos. Todas com muitas discussões políticas, teorias políticas, etc.  Mas estávamos felizes por desfrutar da mesma visão do mundo e sonhar com um mundo melhor, mais igualitário e solidário, mais feliz e com menos preconceitos, enfim mais harmonioso e com poucos conflitos e problemas materiais e mais rico em convivência espiritual. Que as pessoas tivessem o mesmo nível de conhecimento e felicidade que nós, embora a distância entre nós e o povo ainda fossem astronômicas. Mas enquanto isso sonhávamos a nossa utopia felizes entre nós.

Bons tempos maravilhosos enquanto estávamos com nossos amigos. É claro que havia a repressão e a ditadura militar que perseguia movimentos de resistência à ela. Mas não estávamos diretamente envolvidos nos movimentos mais agressivos de combate à ditadura, embora participávamos de passeatas e protestos. 

 

 NA PORTA DA ARQUITETURA

Foi nessa época que conheci a Jane Henriques de Oliveira. No restaurante da Arquitetura. Aliás na porta do restaurante onde as pessoas ficavam depois de almoçar. No começo ela e sua turminha da História frequentavam diariamente o restaurante, no período quando eu já tinha iniciado o curso de Mestrado em Ciência Política, localizado na FAFICH.  Foi muito romântico o nosso primeiro encontro. A iniciativa foi dela. Num primeiro momento ela e suas amigas se aproximaram de mim e fomos pra minha casa  (na verdade um porão). Então ela se abriu e declarou seu amor por mim, no meu porão. A partir daí encontrávamos quase que diariamente, principalmente a sós no meu porão. Era um amor intenso, eram dois apaixonados que não se desgrudavam. Em 1978, eu tinha 27 anos e ela tinha 25. Quando alguém de brincadeira perguntava pra ela “onde você conheceu esse homem?”, ela respondia sempre “na porta da arquitetura”. Éramos jovens que desfrutávamos de todas as nossas energias e paixões. Era tão intenso que durou pouco tempo. Ela me deixou por conta de uma forte pressão exercida pelo seu amante muito ciumento.  E simplesmente acabou. Eu senti bastante este momento de ruptura, mas não pude fazer nada. E o tempo passou. Ela se formou e começou a trabalhar logo no ano seguinte. No final dos anos 70 ela já estava trabalhando como professora de História na rede pública municipal de Belo Horizonte, onde passou em concurso público. Mas eu não sabia disso, não dispunha de informações sobre ela e segui a vida.

No início dos anos 80 (na verdade junho de 1980) arranjei um emprego, por indicação de um professor do DCP-UFMG, fui contratado pela Secretaria do Trabalho e Ação Social, do governo do Estado, para trabalhar como agente comunitário em comunidades rurais em municípios selecionados no interior de Minas. Terminei os créditos do curso de ciência política mas não cheguei a defender minha dissertação de mestrado. Fui morar no interior onde fiquei até 1988. Em 1988 voltei pra BH, pra trabalhar na sede da secretaria.

ANOS 80 – DUAS FILHAS E DUAS NETINHAS  
 

Neste período, de 1979 a 1988 vivi com outra mulher com quem tive duas filhas maravilhosas e inteligentes. Nos separamos em 1988 logo que chegamos a BH. Mas eu sempre acompanhei minhas filhas ajudando na educação delas. Concluíram curso superior (uma em Viçosa, UFV) e ambas passaram em concurso público. Uma delas é funcionária da UFMG, onde hoje está cursando doutorado. Meus três filhos : Maíra (1980), Uiara (1983) e Inho (1993). Dois deles cursando doutorado na UFMG. UFMG e UFV – as duas instituição que nos perseguiram este tempo todo. Meus filhos, meus netos, meus orgulhos. A Jane sempre recebeu bem minhas filhas, tratando-as como se fossem da família. Tanto a Uiara quanto a Maíra foram sempre bem recebidas em nossa casa. Mesmo nos últimos anos, mais debilitada. As netinhas nem se fala. Teceu vários elogios às fotos das netinhas. Também concordou que a Maya era muito parecida com a Uiara.  Quando Maíra nos visitou com a Teçá, teceu muitos elogios à Teçá, achando-a muito esperta e com muita vivacidade.  Achou muito engraçado quando a Teçá me apelidou de “tesudinho”.

Na foto (esq. pra direita): Uiara e marido, Maíra e Daniel (Inho).  Outubro 2010.

 Minhas netinhas - Maya e Teçá – junho de 2024.

Tendo perdido meus créditos no curso de pós-graduação da UFMG, tive que fazer outro curso. Passei no mestrado em Extensão Rural da UFV. Fui aprovado graças à minha experiência de trabalho no governo do Estado. Terminei os créditos em 1990 e passei a matricular semestralmente no curso para preparar a defesa da dissertação. Foi nessa época, em Viçosa que reencontrei uma amiga da Jane, France Maria Gontijo, do curso de História, que também estava terminando o mesmo mestrado que eu. Ela defendeu sua dissertação em 1992 e eu em 1993. COINCIDÊNCIAS NÃO?

 

REENCONTRO 12 ANOS DEPOIS

 

Foto: 1990 – primeiro reencontro depois de 12 anos.

Foi então que a amiga dela, me deu o telefone da Jane. Desta vez  eu que tomei a iniciativa e liguei pra ela. A reação dela foi imediata. Ela aceitou e me convidou pra ir até o seu apartamento. Fui imediatamente. Estávamos morrendo de saudades.  Em 1990 tínhamos 39 anos e ela 37 anos. Ainda éramos jovens. Ainda dava tempo de viver momentos maravilhosos. Juntamos os panos. Juntamos nossas posses e compramos uma casinha no final do bairro Santa Amélia, próximo da escola onde ela lecionava. Ela viajava comigo quando eu tinha que visitar projetos e eventos da secretaria no interior de Minas. Ela foi comigo quando eu ganhei o título de cidadão honorário de uma pequena cidade onde eu tinha executado vários projetos comunitários. Em 1993 eu defendi minha dissertação em Viçosa. Nesse mesmo ano nasce nosso filho. Ela trabalhou até o final da década e aposentou pela Prefeitura de BH. Em 2002 mudamoso para Ipatinga, onde tinha conseguido umas aulas de Economia no UNILESTEMG (Centro Universitário do Leste de Minas da igreja Católica em Coronel Fabriciano)  terra onde morei antes de ir pra BH e meus pais moraram durante um longo tempo. Meu pai foi um dos primeiros operários da USIMINAS e ganhou uma casa num dos melhores bairros da empresa. Nosso filho já tinha 9 anos e foi estudar no mesmo colégio que estudei no ensino secundário e médio, antes do meu vestibular em 1971. Um dos melhores colégios do interior de Minas, na época.   Fez um bom curso e mais tarde passou no vestibular da UFV. Hoje frequenta um curso de Doutorado na UFMG.  O mundo dá voltas.   Estávamos felizes, fizemos várias viagens para visitá-lo em Viçosa. Cada viagem era uma aventura, hotéis, restaurantes, passeios, etc.

 

DONA  DIOLINDA  PREVIU O FUTURO ?

Pouco tempo antes de nos reencontrarmos a Jane tinha ido à um cartomante, que era muito frequentada por uma de suas melhores amigas.  Ela disse a Jane que ela voltaria a encontrar alguém muito querido do seu passado que tinha um pequeno defeito no nariz. Ela sempre lembrava desse episódio.

 

PERSONALIDADE FORTE, INTELIGENTE E BONITA

Era difícil achar um defeito na Jane. Ela era muito simples, humilde, nunca demonstrou orgulho nem arrogância, tinha uma personalidade muito correta, honestíssima até nos mínimos detalhes, fazia jus na avaliação  das pessoas, dizendo abertamente o que pensava, sem esconder suas percepções. Além de ser muito linda, rosto redondinho e olhos verdes brilhantes, seu sorriso realçava seus olhos alegres.  Acho que não dei o devido valor à sua beleza tanto quanto deveria ter dado, em sua vida – tanto a beleza corporal quanto a beleza de sua personalidade simples e única. Tinha um português perfeito, ela é que corrigia meus erros de português quando escrevia artigos para a imprensa local e avaliava os artigos. Possuia uma inteligência fina e sofisticada para perceber as intenções de linguagem das pessoas, coisa que eu não tenho. Sua inteligência linguística era muito avançada para analisar expressões, frases e contexto de linguagem.  Também sua inteligência geral era bem acima da média – passou no concurso público da Prefeitura de BH com nota alta. Já a sua inteligência espacial não era tão boa, igual a minha, para localizar endereços e espaços públicos geográficos.  Além do seu alto nível de capacidade intelectual, possuia uma personalidade firme e forte, não titubeava em suas percepções de coisas e pessoas. Em nossas discussões, valia aquela expressão popular “a mulher sempre tem razão”, pois ela sempre tinha razão na avaliação correta dos comportamentos das pessoas e até mesmo nas decisões de negócios.  Nas reformas das casas que possuimos, ela é que tomava a frente e liderava a execução das obras. Como eu disse era difícil achar um defeito na Jane. No entanto, sabíamos que o seu sucesso profissional (gozava de boa renda, tendo trabalhado em até três instituições no mesmo dia) gerou ciúmes e inveja por parte de alguns membros de sua famílias, separando grupos, gerando um certo bullying, mas que não provocou danos a ninguém. Ela não dava bola pra isso pois tinha apoio de outros irmãos mais conscientes.  Mas mesmo assim ela ajudava as pessoas quando elas precisavam.

 

A DOENÇA E O SOFRIMENTO FINAL

Nós percebemos muito tarde a doença que ela carregava. Só em 2012 quando ela começou a passar mal e a coisa piorou um pouco que consultamos um médico geriatra que percebeu a situação e passou para um nefrologista. O nefrologista fez uns exames e percebeu que seus rins já estavam trabalhando com insuficiência. No dia seguinte começou a fazer hemodiálise com apenas 4% dos rins funcionando. O tratamento é paliativo, apenas adia o sofrimento final, embora em alguns casos o paciente consegue sobreviver um longo período. Mas no caso dela, ela já entrou com problemas no pulmão (efizema) pois fumou a vida toda e no coração. Esses problemas foram sendo tratados na medida do possível pelo Centro de Terapia Renal do HMC. Foram contornados tanto quanto possível, mas eles vão se agravando lentamente. Uma saída para este tratamento é o transplante – ela teve 3 chances de doadores – mas foram incompatíveis. Ela foi perdendo peso para tirar água do pulmão – tirava a água mas diminuia de peso – isso foi um erro porque com menos peso ela ficava mais debilitada. Ela entrou no centro com cerca de 60 kg e no final já estava só com 40 kg – quase que pele e osso. O problema com o pulmão se agravou para pneumonia que não podia ser mais controlada. Ela foi internada duas semanas antes, ficou uma semana no hospital e  recebeu alta com o mesmo problema para tratamento e acompanhamento em casa, com oxigênio e remédios. Ela já estava tão debilitada que não conseguia andar, teve que usar cadeira de rodas.... então o problema se agravou.... pressão muito baixa, baixa oxigenação e baixa glicose....  No dia 17 de outubro de 2024 ela deu entrada no centro de hemodiálise, logo que sentou na cadeira ela desmaiou.... e sofreu parada cardíaca. Tentaram de tudo na sala de recuperação, mas logo depois ela veio a falecer às 13h:13m (coincidência, ela sempre votou neste número). Foi um baque muito grande... sentimos muito sua perda.... mas  os médicos já esperavam por isso.... eles nos avisaram uma semana antes. Foi uma luta diária nestes 12 anos de tratamento... com esperanças e decepções.... no final ela já não acreditava em recuperação... acreditava que iria morrer a qualquer hora... o sofrimento se agravou, dores mal estar e senilidade. Chegou a confessar para nós e a mim, a sós, que “queria morrer”, que “não aguentava mais”.  E foi o que aconteceu.... a fatalidade da doença que todos esperávamos. 

QUE DESCANSE EM PAZ. 

A morte apaga a matéria, mas não apaga as memórias, estas sempre existirão em nossos corações e mentes. E ela só deixou boas memórias como resultado de sua perfeição como ser humano, personalidade e vivacidade. Ela chegou a confessar para as pessoas que ela podia partir tranquilo,  porque já tinha realizado o seu sonho aqui na terra.... possuía uma família maravilhosa, um marido de ouro, um filho de ouro e uma casa para morar. Era amada e amava as pessoas mais próximas.  Era apaixonada pelo companheiro e pelo seu filho.  Nós também sentíamos o mesmo. Amávamos a beleza do ser humano completo que ela vivia todos os dias.   QUE DESCANSE EM PAZ!

 


                                        Foto: 12 Janeiro 2024.

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“A vida precisa ser renovada. A morte é a mudança que estabelece a renovação. Quando alguém parte, muitas coisas se modificam na estrutura dos que ficam e, sendo uma lei natural, ela é sempre um bem, muito embora as pessoas não queiram aceitar isso. Nada é mais inútil e machuca mais do que a revolta. Lembre-se de que nós não temos nenhum poder sobre a vida ou a morte. Ela é irremediável………..Pense nisso. Por mais que esteja sofrendo a separação, se alguém que você ama já partiu, libere-o agora. Recolha-se a um lugar tranquilo, visualize essa pessoa em sua frente, abrace-a, diga-lhe tudo que seu coração sente. Fale do quanto a ama e do bem que lhe deseja. Despeça-se dela com alegria, e quando recordá-la, veja-a feliz e refeita.
A morte não é o fim. A separação é temporária. Deixe-a seguir adiante e permita-se viver em paz.

"A morte é só uma mudança de estado.
Depois dela, passamos a viver em outra dimensão."

 

 Zíbia Gasparetto