Privatizações no setor siderúrgico – antes e depois
Daniel Miranda Soares (*)
Diário do Aço -
31/10/2012 . Artigo original publicado no Diário do Aço, mas aqui revisto e ampliado.
No Brasil, a indústria
siderúrgica se desenvolve a partir da Revolução de 1930, dentro de um
novo marco político mais progressista na história do Brasil, em que se
rompe com as oligarquias rurais e se estabelece um novo modelo de
desenvolvimento econômico, voltado para industrialização e desenvolvimento do mercado interno; protegendo a indústria brasileira da concorrência internacional (via política cambial e tarifária). Se todos os países fizeram isso, durante o desenvolvimento inicial de suas indústrias porque o Brasil não poderia fazê-lo ? Depois que esses países se industrializaram começaram a pregar o liberalismo (vem a nós tudo, vosso reino nada) porque aí poderiam colocar produtos mais baratos no mercado internacional. Desta forma também destruíram todas as indústrias dos concorrentes. Só muito mais tarde, no século XX, que governos nacionalistas do Terceiro Mundo perceberam que era importante proteger suas indústrias ou nunca conseguiriam se industrializar.
Para estabelecer este marco, Getúlio
Vargas reforça o papel do Estado brasileiro, tornando-o indutor do
desenvolvimento, que passa a tomar iniciativas próprias, diante de uma
burguesia industrial ainda muito fraca. Como a iniciativa privada não
possuía as mínimas condições para estabelecer uma nova era industrial, o
Estado passa a criar as condições para tanto. Getúlio cria a CLT
(preparando a regulação da mão de obra), cursos profissionalizantes,
recursos financeiros através do BNDE (hoje BNDES), mineradoras (CVRD),
energia (Petrobrás), a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional nos anos 40) e
outras infraestruturas.
O governo JK, continuando a obra de
Getúlio, cria a Cosipa e a Usiminas. Estas três siderúrgicas respondiam
por 80% da produção de aço nacional, produto intermediário necessário
para alavancar outras indústrias, tais como: bens duráveis de consumo
(automóveis, eletrodomésticos, etc.), bens para indústria da construção
civil e a indústria de bens de capital (máquinas e equipamentos).
Portanto, as siderúrgicas tiveram um
papel importante enquanto empresas estatais. Muito mais estatais foram
criadas pelos militares nos anos 60 e 70. Se Getúlio e JK criaram
algumas poucas dezenas, os militares criaram cerca de 300. No final dos
anos 70, se completa o ciclo das estatais, havia muito mais que o
necessário, embora continuassem com um papel importante e estratégico ao
desenvolvimento industrial brasileiro. Não havia dúvida, já nos anos
90, que poderiam ser privatizadas uma boa parte delas, mas desde que
ficassem nas mãos de brasileiros e pudessem contribuir para a continuidade do desenvolvimento brasileiro. Algumas delas são estratégicas e
necessárias, como as de energia e petróleo e portanto não havia necessidade de privatizá-las.
As siderúrgicas foram privatizadas nos
anos 1991-1993, antes do governo FHC, e foram vendidas às empresas
brasileiras. Posteriormente FHC libera a venda de estatais para empresas estrangeiras, a
preço de banana, com uso de moedas podres e propinas, usando recursos
do BNDES para financiar a compra (ou seja usando nosso dinheiro para comprar nosso patrimônio).
O processo de privatização permitiu o fortalecimento da siderurgia
nacional com importantes benefícios para as empresas, as quais se
libertaram de interferências políticas e restrições comerciais,
administrativas e financeiras.
O faturamento do setor siderúrgico
nacional aumentou em 114,3% no período 1990-2005. Por outro lado (o lado
negativo) o número de trabalhadores efetivos sofreu uma redução
substancial de 48% em média, passando de 116.880 para 60.819
trabalhadores efetivos. Em consequência, a folha de salários sofreu uma
redução substancial: em 1999, representava 22,2% do faturamento e, em
2005, passa a representar apenas 6.5% deste faturamento. (Fonte: Dieese)
Estes dados mostram que houve um ganho
substancial de produtividade relativo aos custos dos salários (ou seja o ganho de produtividade foi realizado quase todo em cima de demissões); em
consequência queda nos custos e aumento do faturamento e do lucro. A
eliminação de postos de trabalho se deu mais nas funções administrativas
(redução de 71,29%), entre 1989 e 1998; do que nas funções operacionais
da área de produção (redução de 56,65%). (Fonte: Dieese).
Os trabalhadores do setor siderúrgico
brasileiro tiveram uma redução de cerca de 10,4 salários mínimos em 1994
para cerca de 10,0 salários mínimos em 1997, em média, mas com
achatamento de salário na base da pirâmide, acarretando queda da
qualidade de vida dos funcionários do setor.
Verifica-se que o custo total de mão de
obra na siderurgia brasileira é de apenas US$ 10,40 por hora, superior
apenas ao México, no ranking dos principais países produtores em todo o
mundo, até início do século XXI. Estima-se que, hoje, no entanto, ninguém ganha da China, tanto em
custo unitário quanto preço do aço. Não é à toa que a produção
brasileira de aço não evoluiu muito nos últimos 20 anos. Passou de 32
milhões de toneladas de aço, em 1991, para 40 milhões em 2012. A China,
no mesmo período, saltou de 21 milhões ton. (1991) para 675 milhões de
toneladas em 2012. Privatizamos para exportar minério e importar aço da
China, com mercado aberto sem proteção do Estado. Agora estes setores pedem proteção do Estado, porque dizem que a concorrência chinesa é desleal, indo contra os seus próprios princípios neoliberais. Como eu já disse antes, em países do Terceiro Mundo (agora com exceção dos asiáticos) sem proteção do Estado não há industrialização - num mercado totalmente livre seremos praticamente exportadores de commodities e matéria prima e importadores de produtos industrializados (agora da China).
Parece que no Brasil há duas posições políticas radicais a respeito deste tema: 1) os neoliberais liderados por partidos de direita, como o PSDB, DEM e PPS e um apoio mais forte ainda da mídia monopolista (TV Globo, O Globo, Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, revista Veja, etc.) Esta turma prega total privatização, não só de estatais mas até de empresas brasileiras para o capital estrangeiro. Portanto, em último caso, este grupo é o porta voz dos interesses das empresas multinacionais.
2) os intervencionistas keynesianos capitaneados por partidos de esquerda que não tem apoio da mídia monoṕolista. Embora sejam a favor de maior intervenção do Estado na economia, até como meio de distribuir a renda e caminhar para um quadro social mais justo, em favor dos pobres; eles ainda não assumem uma postura nacionalista, como assumiu Getúlio Vargas e Jango. Não reverteram as privatizações embora tenham paralisado o processo, mas aceitam privatizar algumas áreas via concessões do setor público e trabalham com parcerias público-privadas.
*Daniel Miranda Soares, economista, mestre pela UFV e UFMG, ex-técnico da FJP.