Michael Hudson explica por que o sistema bancário dos EUA está quebrando
Economista
Michael Hudson responde ao colapso do Silicon Valley Bank e explica as suas
similaridades com o colapso financeiro de 2008 e a crise das poupanças e empréstimos
de 1980.
Artigo de Michael Hudson originalmente publicado no Geopolitical Economy Report em 12/3/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
14 de março de 2023.
O Silvergate Bank, sediado na California e focalizado em criptomoedas, colapsou em 8 de março. Dois dias depois, o Silicon Valley Bank também colapsou, tendo a maior corrida a um banco de todos os tempos. Este último foi o segundo maior banco a falir na história dos EUA e a instituição financeira mais influente a falir desde a crise de 2008.
A fragmentação dos bancos que está ocorrendo agora nos EUA é o resultado inevitável da maneira pela qual o governo Obama resgatou os bancos em 2008.
Quando os preços imobiliários entraram em colapso, o Federal Reserve inundou o sistema financeiro com 15 anos de alívio financeiro quantitativo [QE — Quantitative Easing] para reinflacionar os preços dos imóveis e, com eles, os preços das ações e dos títulos financeiros.
O que foi inflado foram os preços dos ativos, acima de tudo para as hipotecas empacotadas que os bancos detinham, mas também para as ações e títulos financeiros em geral. É isto que o crédito bancário faz.
Isto produziu lucros de trilhões de dólares para os detentores de ativos financeiros — o ‘Um Porcento’ e um pouco mais.
A economia se polarizou enquanto os preços das ações se recuperaram, o custo de propriedades imobiliárias explodiu (com hipotecas a juros baixos) e a economia dos EUA vivenciou a maior explosão do mercado de títulos da história, à medida que as taxas de juro caiam abaixo de 1% ao ano.
Porém, ao servir o setor financeiro, o Fed se encurralou. O que aconteceria quando as taxas de interesse finalmente subissem?
Taxas de juros crescentes fazem cair os preços das ações. E é isso que tem ocorrido sob a luta do Fed contra a “inflação”, com a qual eles têm a intenção de aumentar o nível dos salários.
Os preços dos títulos estão afundando e também o valor capitalizado das hipotecas empacotadas e outros valores mobiliários com os quais os bancos cobrem os seus ativos contra os depositantes.
Hoje, o resultado é similar à situação na qual as associações de poupanças e empréstimos (S&Ls — Savings & Loans associations] se encontraram nos anos de 1980, levando-as à sua morte.
As S&Ls haviam disponibilizado hipotecas de longo prazo a juros acessíveis. Mas, no rastro da inflação de Volcker [ex-presidente do FED], o nível compreensivo das taxas de juros subiu.
As S&Ls não conseguiam pagar mais do que as altas taxas de juros dos seus depositantes, porque a sua renda das suas hipotecas era fixada a juros mais baixos. Sendo assim, os depositantes retiraram o seu dinheiro.
A fim de obterem o dinheiro para pagar a estes depositantes, as S&Ls tiveram que vender as suas hipotecas. Porém, o valor de face destas dívidas era mais baixo, como resultado das taxas mais altas. As S&Ls (e muitos bancos) deviam dinheiro aos depositantes de curto prazo, porém estavam impedidos por ativos de longo prazo a taxas em queda.
Obviamente, as hipotecas das S&Ls eram de prazos muito mais longos do que era o caso para bancos comerciais. E, presumivelmente, os bancos podem transferir ativos para a linha de crédito do Fed.
Mas, à medida que os QE foram seguidos para reforçar os bancos, a sua reversão teve o efeito inverso. E, se fizerem um mau comércio de derivativos, eles estão em apuros.
Todos os bancos têm o problema de manter os preços dos seus ativos alinhados com os seus passivos. Quando ocorre um choque nos preços dos títulos, a estrutura de ativos do banco se enfraquece. Este é o canto no qual o Fed encurralou a economia.
O reconhecimento deste problema levou o Fed a evitá-lo pelo tempo mais longo que conseguiu. Mas, quando o emprego começou a subir e os salários começaram a se recuperar, o Fed não conseguiu resistir de lutar a típica guerra de classes contra os trabalhadores. E isso também se transformou numa guerra contra o sistema bancário.
O banco Silvergate foi o primeiro a sucumbir. Ele surfou na onda das criptomoedas, servindo como um banco para várias criptomarcas.
Depois que foi exposta uma vasta fraude feita por Sam Bankman-Fried (SBF), houve uma corrida sobre as criptomoedas. Os seus gerentes se pagaram ao retirarem os depósitos que tinham nos bancos — acima de tudo, no banco Silvergate. E ele sucumbiu. E, junto com o Silvergate, sucumbiram muitos depósitos de criptomoedas.
A impressão popular foi que os criptos eram uma alternativa aos bancos comerciais e à moeda corrente. Mas, no que os fundos criptos poderiam investir para sustentar as suas compras de moedas, se não fossem os depósitos bancários e passivos governamentais ou ações e títulos privados?
Em última análise, o que era o cripto se não simplesmente um fundo mútuo com segredo de propriedade para proteger os lavadores de dinheiro?
O banco Silvergate era um “caso especial”, haja vista a sua base especial de depósitos. O banco Silicon Valley Bank também era um caso especializado, que emprestava para startups de TI. O banco First Republic Bank também se especializava em fazer empréstimos a depositantes ricos de São Francisco e da área do norte da Califórnia.
Todos tinham visto o preço de mercado de seus títulos financeiros cair, já que o presidente Jerome Powell aumentou as taxas de juros do Fed. E agora, seus depósitos estavam sendo retirados, forçando-os a vender títulos com prejuízo.
A agência Reuters reportou em 10 de março que as reservas de bancos no Fed estavam despencando. Isto não é uma surpresa, já que os bancos estão pagando cerca de 0,2% [de juros ao ano] sobre os depósitos, enquanto os depositantes podem retirar o seu dinheiro para comprar notas de dois anos do Tesouro dos EUA que rendem 3,8% ou quase 4% ao ano. Não é uma surpresa que os investidores prósperos estão fugindo dos bancos.
Este é o dilema no qual os bancos — e, seguindo-os, o FED — se encontram.
A questão óbvia é por que o Fed simplesmente não os resgata. O problema é que os preços em queda dos ativos de longo prazo dos bancos, em face aos passivos de longo prazo dos depósitos, agora parecem ser o novo normal.
O Fed pode emprestar aos bancos para cobrir as suas carências a curto prazo, porém como pode a solvência ser resolvida sem reduzir drasticamente as taxas de juros para restaurar a anormal Política de Taxas de Juros Zero (ZIRP — Zero Interest-Rate Policy) de 15 anos?
As rendas de juros foram às alturas em 10 de março. À medida que estão sendo empregados mais trabalhadores do que era esperado, o senhor Powell anunciou que o Fed poderia ter que aumentar mais as taxas de juro do que ele havia advertido. A volatilidade aumentou.
Com isso, veio a origem da agitação que alcançou vastas magnitudes muito além das causadas pelo choque de 2008 da seguradora AIG e de outros especuladores: os derivativos.
O banco JP Morgan Chase e outros bancos de Nova York detém trilhões de dólares em derivativos — i.e., apostas de cassino sobre as quais flutuam as taxas de juro, os preços de títulos financeiros, os preços de ações em bolsa e outras medidas que mudarão. Para cada palpite vencedor, há um perdedor.
Quando se apostam trilhões de dólares, algum trader de banco acabará tendo uma perda que pode facilmente fazer desaparecer a equidade líquida inteira do banco.
Agora há uma fuga para “fazer caixa” num porto seguro — algo melhor até do que moeda corrente: títulos do Tesouro dos EUA. Apesar das conversas dos Republicanos, que se recusam a aumentar o teto da dívida, o Tesouro sempre pode imprimir o dinheiro para pagar os detentores dos seus títulos.
Parece que o Tesouro dos EUA se tornará o novo depositário de escolha daqueles que têm recursos financeiros. Os depósitos bancários cairão. E, com eles, as participações bancárias de reservas no Fed.
Até agora, o mercado de ações tem resistido à queda dos preços dos títulos. Meu palpite é que agora veremos o Grande Desenlace do grande boom do Capital Fictício de 2008–2015.
Então, as galinhas estão chegando, esperando se empoleirarem — com as “galinhas” sendo, talvez, as saliências elefânticas dos derivativos. (*)
(*) Eufemismo jocoso de Michael Hudson com a expressão “The chickens are coming home to roost” — o que, traduzido textualmente, significa “as galinhas estão voltando para casa para alinharem-se no poleiro” — ou, para pôr a casa em ordem antes de dormirem.
FONTE: https://www.brasil247.com/ideias/michael-hudson-explica-por-que-o-sistema-bancario-dos-eua-esta-quebrando
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