Paraíso neoliberal chileno era fake news
Um
milhão de pessoas nas ruas de Santiago
Durante
anos, o Chile foi exibido como cartão de visitas do neoliberalismo.
Não
importava a origem podre, a acumulação primitiva e bárbara do
modelo, a ditadura de Pinochet, com seu cortejo de mortos, torturados
e desparecidos.
O
folheto de propaganda do Chile falava de um oásis sul-americano.
Um
país próspero, liberal e cheio de oportunidades.
As
manifestações, com mortes e feridos, que espantam os neoliberais
brasileiros mostram que se tratava de uma miragem. Paradoxos,
paradoxos, contradições.
Um
milhão de pessoas nas ruas de uma cidade de seis milhões de
habitantes.
Um
milhão de manifestantes nas ruas de um país de 18 milhões de
pessoas.
Uma
enormidade.
Será
que elas não entenderam que vivem no paraíso?
Não
sabem que segundo uma agência têm a décima melhor previdência do
mundo?
O
jornal francês La Croix citou alguns dos dados que figuram nos
discursos entusiasmados sobre o “sucesso” chileno: renda per
capita anual de 15 mil dólares, contra 14 mil na Argentina e 3 mil
na Bolívia. Apenas 8,6% da população, dos 18 milhões de
habitantes, vivendo abaixo da linha pobreza. Um crescimento de 4% em
2018. Previsão de 3,5% para 2019, contra 1,7% dos Estados Unidos.
Dados
que variam segundo as fontes e os seus interesses.
Mas…..
Mas
1% da população detém 26,5% da riqueza nacional. Já 50% das
famílias vulneráveis contentam-se com 2,6% do todo.
Em 56 países listados o Chile tem o transporte público mais caro.
Para a BBC News, Claudio Fuentes, professor de Ciência Política da
Universidade Diego Portales, deu a real: "Houve
um grande crescimento da classe média, mas é uma classe média
precária, com baixas pensões, altos níveis de dívida e que vive
muito de crédito e salários muito baixos. É uma situação em que
o dia a dia é precário, cheio de incertezas".
Saúde
e educação são mercadorias que custam caro.
As
aposentadorias pelo sistema de capitalização produziram idosos
ganhando metade do salário mínimo. Os militares, que
impuseram o modelo, trataram de ficar fora dele. Agora, na hora de
parar de trabalhar, é que se viu o tamanho da encrenca. Resultado:
desespero, depressão e suicídios (uma taxa
de 17,7% por cem mil habitantes, a mais alta da América Latina).
Paulo
Feldmann, professor da USP, instruiu a atônita Folha de S. Paulo:
“São poucos os lugares do mundo em que o 1% mais rico da população
ganha mais de 25% da renda total do país. Na América Latina, em
apenas dois países isso acontece: no Chile e no Brasil”.
O
preço do cobre, produto do qual o Chile é dependente, caiu 40% de
2011 para cá. O peso chileno perdeu 25% do seu valor nos últimos
seis meses. O jovem desespera-se com a dificuldade de acesso à
universidade. Junto com o diploma, de instituições de má qualidade
para os mais pobres, vem a dívida. O adulto sofre com a
precariedade. O idoso toma o tranco de uma pensão mais do que
insuficiente.
O
setor financeiro empanturra-se.
O
coeficiente Gini, que mede a desigualdade (quanto mais perto de um,
pior), mostra o Chile em último lugar nos países da OCDE.
O
jornal O Globo flagrou esta comparação constrangedora para o
entusiasmo neoliberal: o Chile passou de “0,52 para 0,47 — muito
acima do de países europeus (Portugal marca 0,32) e próximo do da
Zâmbia (0,49)”.
Mais
esta: “Segundo o estudo da ONU, em 2015 o
0,1% mais rico dos chilenos concentrava 19,5% da renda do país, 1%
detinha 33% e os 5% mais ricos ficavam com 51,5%”.
Acabou?
Não.
Em
Santiago, “o preço da habitação aumentou 150% na última década,
enquanto os salários só cresceram em média 25%”.
Uma
anedota reproduzida pelo UOL diz tudo: “Se uma pessoa enfiar a
cabeça em um forno e colocar pernas e tronco numa geladeira vai
sofrer bastante apesar de ter, na média, uma boa temperatura do
corpo”.
Só
restou ao presidente Sebastián Piñera pedir perdão. Mas só perdão
não basta.
O
paraíso neoliberal chileno era uma fraude.
O
despertar é amargo.
Muitos
ainda continuam repetindo a propangada.
Entre
a realidade e o cartão postal, ficam com as fake news.
Juremir
Machado da Silva
Jornal
Correio do Povo. Porto Alegre, sábado, 26 de outubro de 2019.
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