Vamos
analisar a seguir três autores professores universitários, a partir
de seus livros mais conhecidos que desmistificam e destroem os
principais argumentos usados pelo Neoliberalismo para justificar o
Estado Mínimo e a preponderância do “mercado livre e espontâneo”
sobre o Estado e a sociedade. Este Neoliberalismo foi revivido
recentemente, a partir dos anos 1980 (governos Thatcher e Reagan) em
cima da crise fiscal do keynesianismo pós-guerra para criar a
hegemonia do capital financeiro internacional especulativo sobre os
outros setores da economia. Para isso reviveram autores antigos como
Adam Smith (liberalismo clássico do séc. XIX) e outros do
pós-guerra como Hayek. Também usaram autores que questionavam o
social a favor do individual (Ayn Rand – que
defende o egoísmo contra o altruísmo)
criando ideologias neoliberais nas instituições civis para
justificar a “liberdade” total do capital financeiro em
detrimento dos movimentos populares e democráticos.
PROFESSOR
OTHONIEL PINHEIRO DESMISTIFICA O “ALMOÇO GRÁTIS” DOS
NEOLIBERAIS…..No site da
bíblia dos seguidores de Von Mises - “mises.org.br” , há um
desprezo total por fatores sociais relevantes que possuem influência
direta nos processos econômicos.. No artigo “dez leis
fundamentais da economia” onde o “mercado livre” é o supra
sumo que deveria guiar todas as decisões econômicas, há
especificamente o item 3. (Não
há nada que seja realmente
gratuito.),
onde se ataca os serviços públicos oriundos do Estado do Bem Estar
Social, como saúde e educação gratuitas, que eles chamam de
“almoço
grátis”
- o site diz que alguém paga por isso.
Segundo
Othoniel
Pinheiro Neto
(Livro: Fanatismo
& Manipulação: o esquema da nova colonização do Brasil,
Pontes Editores, Campinas, 2019),
sim, alguém quem ? O argumento despreza que a camada mais pobre da
população, a quem são destinados os serviços públicos de saúde
e educação, é a maior produtora da riqueza de uma nação, ou
seja, aquilo que ele chama de “almoço grátis” é, em verdade,
redistribuição da riqueza indevidamente apropriada pelas elites no
sistema de produção. O “almoço grátis” nada mais é do que
justiça social, que somente poderá ser conduzida pelo Estado,
instituição tão criticada por eles…..Na verdade, esquecem que os
pobres no Brasil pagam muito mais impostos que os ricos; portanto não
estão recebendo almoço grátis, pois a carga tributária é
pesadamente regressiva – quem ganha pouco paga mais e quem ganha
muito paga pouco imposto.
Para
Othoniel,
argumentos de autores como Mises,
Rothbard, Hayek e Smith
não cabem para a saúde econômica de um país periférico e
excludente como o Brasil, que ainda precisa da presença do
Estado para conceder autonomia aos indivíduos, redistribuir a renda
injustamente apropriada pelas elites e fazer justiça social para o
bem da própria economia nacional… A redistribuição de renda faz
a economia girar, aumenta o mercado interno e portanto aumenta a
demanda por produtos em geral, beneficiando assim os empresários que
podem aumentar a produção para atender o mercado interno.
Governos
liberais aumentaram nas últimas décadas a transferência de receita
fiscal (taxando os mais pobres em detrimento dos mais ricos) dos mais
pobres para os mais ricos, via aumentando suas despesas
governamentais como a DÍVIDA PÚBLICA como pagamento de juros e
amortização transferida a banqueiros, rentistas e capital
financeiro internacional. No Brasil os gastos com estas despesas só
tem aumentado e no ano passado atingiu cerca de metade das despesas
governamentais previstas no orçamento federal.
É o
caso do Brasil, EUA e alguns países da Europa nos últimos anos.
ALMOÇO GRÁTIS ? Pode-se ver pela tabela abaixo que 79% da
população brasileira ganha até 3 salários mínimos e pagam 53,8%
dos impostos arrecadados pelo governo em todos os níveis….Se
somarmos a faixa até 5 salários mínimos são 89% da população
que pagam 66,44% dos impostos totais….E o que eles recebem em troca
? Já os muito ricos, acima de 20 salários mínimos que
são apenas 0,84% da população pagam apenas 7,3% dos impostos. Nos
países ricos e desenvolvidos a carga tributária é mais
distribuída, ricos pagam mais impostos, pagam alíquotas maiores no
IR, p.ex. No Brasil a alíquota mais alta é 27,5%, nos EUA é
39,6%, Austrália e Inglaterra e França são 45%; Japão 40% e
Itália 43%…..No Brasil, Renda e Patrimônio pagam 25% dos
impostos, enquanto que na Alemanha é 34%, Bélgica é 43%, nos EUA é
59,4%, Itália é 38%, Japão é 39%, Reino Unido é 48%…. No
Brasil os impostos que incidem sobre o consumo representam 50% dos
impostos arrecadados pelo governo (ou seja o dobro arrecadado por
Renda e Patrimônio) enquanto que em todos os países desenvolvidos
estes impostos representam bem menos do que os impostos arrecadados
com o consumo.
O
ATAQUE DE FRIEDRICH HAYEK AO
ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL – POR WENDY BROWN…..
O
neoliberalismo tinha o franco objetivo de desmantelar o Estado
Social, seja privatizando-o (a Revolução Reagan-Thatcher) seja
eliminando completamente tudo o que resta de bem estar social ou
“desconstruindo o Estado Administrativo” (objetivo de Steve
Bannon para o governo Trump). Posteriormente contratado por Bolsonaro
para orientar o seu governo.
Esta
crítica contundente ao neoliberalismo e às teorias de Hayek está
condensada no livro de Wendy
Brown,
professora de ciência política na Universidade da Califórnia em
Berkeley, em seu livro : Nas
ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática
no ocidente. Editora Filosófica Politeia. São Paulo, 2019.
Como
diz Brown em seu livro “não é apenas a regulação e a
redistribuição sociais que são rejeitadas como interferência
inapropriada nos mercados ou como assaltos à liberdade. A
dependência da democracia em relação à igualdade política também
é alijada. “ Segundo ela Wolfgang Streeck chama isso de
deseconomicizar a democracia. Neoliberais querem gerar uma cultura
antidemocrática desde baixo, ao mesmo tempo que constrói e
legitima formas antidemocráticas de poder estatal desde cima. O
governo Trump está neste caminho.
A
democracia é o local onde os cidadãos exercem seus direitos
políticos e o local onde se faz a provisão dos bens públicos
atendendo demandas democráticas da maioria dos cidadãos e também o
local em que as desigualdades historicamente produzidas se manifestam
com acesso, voz e tratamento político diferenciado e podem ser pelo
menos corrigidas parcialmente.
Brown
diz: “É
sintomático que são precisamente a existência da sociedade e a
idéia do social – sua inteligibilidade, seu refúgio de poderes
estratificantes e, acima de tudo, sua adequação como um local de
justiça e do bem comum – o que o neoliberalismo se propôs a
destruir conceitual, normativa e praticamente. Denunciada como um
termo sem sentido por Hayek e notoriamente declarada inexistente por
Thatcher (“não existe tal coisa”), “sociedade” é um termo
pejorativo para a direita hoje, que denuncia os “guerreiros da
justiça social” por minar a liberdade com uma agenda tirânica de
igualdade social, de direitos civis, de ação afirmativa e até
mesmo de educação pública.”
A
hostilidade de Hayek em relação ao social é sobredeterminada,
poder-se-ia dizer até mesmo exacerbada, na medida em que busca
fundamentos epistemológicos, ontológicos, políticos, econômicos e
até mesmo morais. Ele considera a própria noção do social falsa
e perigosa, sem sentido e oca, destrutiva e desonesta, uma “fraude
semântica”. Para ele, o social é um disfarce para o poder
coercitivo do governo. Hayek considera que a justiça social é uma
“miragem” e a atração por ela é “a mais grave ameaça à
maioria dos outros valores de uma civilização livre”. Para ele,
a justiça social como ação política conduz a sociedade a um
sistema totalitário..
Hayek
declara que “a desigualdade é essencial para o desenvolvimento”
e que “a evolução não pode ser justa” no sentido popular da
palavra. Para ele, a justiça social ataca a justiça, a liberdade e
o desenvolvimento civilizacional garantidos pelo mercado e pela
moral. A sociedade guiada pela justiça social deve ser desmantelada.
ISTVÁN
MÉSZÁROS DESTRÓI O MITO DO NEOLIBERALISMO.
István
Mészáros, filósofo húngaro, que foi assistente de Lukács, é
considerado um dos principais intelectuais marxistas contemporâneo,
recebeu vários prêmios, lecionou em diversas universidades
européias (a última na
Universidade de
Sussex, Inglaterra) e escreveu dezenas de livros editados em diversas
línguas, inclusive traduzidos em português.
Em
seu livro “Para
Além do Capital – rumo a uma teoria de transição” - São
Paulo, Boitempo, 2011 - Mészáros
afirma que o
Neoliberalismo é um completo mito. ..…
”a história revela que o aparecimento de mercados nacionais, não
foi, de forma alguma, o resultado da emancipação gradual e
espontânea da esfera econômica do controle governamental. Pelo
contrário, o mercado foi o resultado de uma intervenção consciente
e frequentemente violenta por parte do governo, que impôs a
organização do mercado à sociedade com finalidades não
econômicas” (citando Polányi).
Quanto
ao “funcionamento espontâneo” do mercado, até mesmo no auge do
capitalismo do laissez-faire,
sua
operação estava, na realidade, sujeita às pesadas restrições
relativas à ação corretiva do Estado tornada necessária pelos
defeitos estruturais de controle tanto da esfera produtiva como das
relações distributivas no sistema do capital. Isto explica não só
por que o aparecimento e a consolidação dos mercados nacionais são
inconcebíveis sem grandes envolvimentos do Estado como o fato de que
a dominação estrutural das relações de mercado internacionais é
limitada a um mero punhado de potências econômicas….. estas
economias necessitam de um poder estatal suficiente para sustentar a
dinâmica de reprodução do capital e defender os interesses destes
sistemas econômicos.
Só
um lunático ou um apologista como Hayek pode sugerir que o mercado
global pode sem perigo, ser deixados ao “sistema coordenador
espontâneo” do “mecanismo de mercado”. Desconhece implacáveis
relações de poder dentro do sistema globalmente imposto pelos
poderes dominantes, e por eles distorcido em seu próprio favor com
todos os meios à sua disposição.
Para
entender a realidade do mercado atual, é necessário que se tenha
constantemente em mente sua grande dependência do Estado, já que
pesadas esferas da atividade econômica são absolutamente inviáveis
no sistema do capital contemporâneo sem o apoio direto do Estado em
uma escala fenomenal.
Isto
fica claro no caso do complexo
militar-industrial,
que constitui um setor de máxima importância nas economias dos
países capitalistas dominantes. ….O
termo "complexo industrial-militar" tem origem a partir das
correlações entre militarismo, indústria e pesquisa tecnológica
(principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, tendo Eisenhower
cunhado o termo naquele momento), constituindo a base da economia
estadunidense até os dias atuais e, destarte, sendo o caso mais
emblemático…..investigadores
mostraram a enorme influência dos imperativos bélicos para a
pesquisa científica de universidades e de institutos ligados a
empresas, para a inovação tecnológica nos ramos mais avançados da
indústria (eletrônica, informática, naval, aeroespacial, química,
nuclear, etc.) e até para próprio volume de produção das
principais firmas multinacionais.
O
orçamento de defesa em dólares do governo dos EUA corresponde a 20%
de seu orçamento total e cerca de 35% do orçamento militar mundial.
E não para por aí… em vários setores o Estado interfere e regula para privilegiar suas empresas nacionais no mercado global….por exemplo a política agrícola comum em toda União Européia é altamente subsidiada, tal como a política agrícola dos EUA….. ONDE ESTÁ O “SISTEMA COORDENADOR ESPONTÂNEO” DO MERCADO ?
Na
Inglaterra, p.ex. a participação da agricultura no PIB é de mero
1,5%, mas os subsídios estatais transferidos aos fazendeiros são
proporcionalmente astronômicos – só os criadores de ovelhas (uma
parte menor do sistema) recebem um subsídio anual de mais de 370
milhões de libras esterlinas.
De
modo igualmente generoso, são tratados às expensas dos
contribuintes, projetos como o do Airbus
europeu; e os protestos dos EUA contra estes subsídios são
hipócritas, já que as gigantescas corporações produtoras de
aviões Boeing
e Lockheed,
recebem também nos Estados Unidos imensos subsídios na forma de
contratos militares e pesquisa financiada pelo Estado.
Mas
a intervenção estatal no “mercado espontâneo” não se esgota
por aí. O Estado é importante também para facilitar e proteger a
concentração e centralização monopolistas do capital, bem como
para impor leis gerais, promulgadas para evitar a articulação de
uma alternativa hegemônica do trabalho ao sistema do capital. O
Estado dá proteção legal à subordinação do mercado ao sistema
do capital. O Estado facilita o estabelecimento de monopólios e
quase monopólios. P.ex. A Tate & Lyle e a Silver Spoon controlam
juntas mais de 95% da produção e distribuição de açúcar na
Inglaterra, mas nada é feito para reparar a situação….mesmo
assim estas empresas praticam corrupção política, mas nem assim
nada é feito, não faz diferença….. foram um dos maiores
financiadores do Partido Conservador britânico...o partido ganha e
nomeia homens chaves nas Políticas Públicas…..outra pura
coincidência.
As
“privatizações” e a ideologia hipócrita da “livre
competição” de Hayek, geraram na Inglaterra gigantescos
monopólios e quase monopólios privados capazes de acumular lucros
astronômicos. Talvez
a única área em que os subsídios e monopólios controlados e
induzidos pelo Estado ainda não conseguiu atingir seja a “economia
de consumo” de butiques, carros usados e quiosques de esquina.
Daniel
Miranda Soares é economista, mestre pela UFV e ex-professor
universitário aposentado.
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