O livro “Tudo
O Que
Você
Precisou
Desaprender
Para
Virar
Um
Idiota”
editado pelos autores (Álvaro Borba e Ana Lesnovski) do blog Meteoro
Brasil (São Paulo, Editora Planeta, 2019), na verdade foi escrito
como réplica ao livro “O
Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota
",
do guru do ultraconservadorismo neofascista brasileiro Olavo de
Carvalho (Rio, Record, 2013) e suas teses conspiratórias….. O
grupo Meteoro Brasil desmascara as principais teses do grupo
olavista, desvendando as 24 principais. Não vamos discutir aqui
as
teses conspiratórias muito bem destrinchadas no livro. Mas vamos
resumir as principais ideias que estão nos prólogos, debatidas no
livro para
combater
as fantasias e ficções criadas pela ultra-direita brasileira
visando
dominar o universo imaginário dos eleitores e da população
brasileira e desta forma inverter valores usando
as novas tecnologias do
mundo das mídias eletrônicas e digitais….tentam transformar a
VERDADE em MENTIRA e vice-versa, num processo contínuo de
destruição da realidade e de morte à verdade.
Para
os autores o idiota era um egoísta no passado e continua sendo. A
diferença é que antes ele ficava fora da política. Hoje, ele é a
política. Tudo é feito por ele, para ele, em nome dele. Por isso,
a prioridade absoluta do idiota é combater qualquer filosofia ou
doutrina que pregue valores coletivos. Se há um coletivo, o idiota
se sente ameaçado em seu direito sagrado de ser idiota.. Esta foi a
primeira lição que foi preciso desaprender para virar um idiota.
PRÁTICAS
AUTORITÁRIAS E/OU NEOFASCISTAS DA “NOVA DIREITA” BRASILEIRA
Meteoro
cita dois autores para ajudar a identificar as práticas autoritárias
e neofascistas dos líderes da “nova direita” brasileira.
Meteoro
cita o livro Como
as democracias morrem de
Steven Levitsky, cientista político da Universidade de Harvard. O
autor do livro elabora um modelo bem simples para identificar
potenciais tendências autoritárias de um líder. O teste precisa
apenas de 4
etapas
para entregar o resultado : primeiro
observamos se o líder em questão rejeita as regras do jogo
democrático (quando p.ex. Ele diz que não aceitará o resultado em
caso de derrota nas eleições); em segundo
lugar, precisamos ficar atentos a qualquer discurso ou comportamento
que encoraje a violência (usando arminha ou estimulando criança a
usar arma); em terceiro
lugar o político nega a legitimidade da existência de seus
adversários políticos (se ele diz, hipoteticamente que os
adversários merecem ser metralhados); e por último,
devemos reparar se o aspirante ao cargo, em algum momento sugere que
usará seu poder para restringir as liberdades civis de seus
opositores ou prejudicá-los de alguma forma (alguém que se diz
disposto a acabar com todos os “ativismos do Brasil” ). O
fenômeno é perigoso, no
século XXI não é com tanques de guerra nas ruas e tiros de canhão
que se mata uma democracia, mas elegendo alguém disposto a subverter
as regras do jogo.
Nesse empenho a comunicação é a ferramenta perfeita, pois é no
âmbito dos significados que reside a maior disputa por poder na
atualidade. A guerra é semântica e mesmo os adeptos das teorias
conspiratórias mais alucinadas parecem reconhecê-la quando escolhem
nominar seus esforços para exercer poder na arena discursiva como
“guerra cultural”.
Meteoro
cita outro livro Como
funciona o fascismo
de
Jason Stanley que destaca 10
características
fundamentais que se unem para formar o conceito escondido na palavra
“fascismo”. O primeiro
desses pilares consiste em despertar nas pessoas uma nostalgia que
viabilizará as etapas seguintes. Na retórica fascista é a busca
pelo “passado mítico”. No caso do Brasil, a nostalgia pelo
período da ditadura militar. O segundo
pilar do fascismo é a propaganda que se dedica a inverter as coisas
: doutrinadores falam em luta contra a doutrinação e corruptos
falam em luta contra a corrupção. A
terceira
característica fascista é o anti-intelectualismo : as universidades
são hostilizadas por disseminar muita doutrinação e pouca
educação, servindo como propagadoras de todo tipo de imoralidade. O
quarto
pilar é o esfacelamento da verdade, é a presença massiva de
teorias conspiratórias no debate político. A destruição da
realidade também é fundamental. Quando o consenso sobre a realidade
é destruído e o medo de inimigos imaginários é disseminado por
meio de teorias conspiratórias, tudo o que se pode fazer é confiar
num líder e acreditar que seus discursos são verdadeiros. O
fascismo transforma as palavras do líder no único referencial
possível para a compreensão da realidade. Faz sentido, pois
fascismo é sobre lealdade, nunca liberdade. Uma quinta
característica do fascismo é a divisão da sociedade em “nós”
e “eles”. Seus seguidores não hesitam em expressar sua pretensa
superioridade. Ex: um deputado diz no Congresso à uma deputada de
posição política oposta que ele não a estupra porque ela não
merece. Uma sexta
característica é a vitimização : o grupo dominante se diz vítimas
das minorias. Justiça social e promoção da igualdade é encarada
como uma violência cometida contra o grupo dominante. Ex: cotas de
negros nas universidades. A sétima
característica do fascismo é a criminalização de suas
dissidências pelo princípio de “lei e ordem”. Se um presidente
vence uma eleição e, ao comemorar sua vitória, diz que o
concorrente logo estará na cadeia, ele ergue este pilar, não
importa se é bravata. O oitavo
pilar do fascismo é a disseminação da tensão sexual que apela
para nossos medos mais íntimos. Os opositores do líder são
considerados naturalmente imorais, dados a todo tipo de prática
sexual para lá de contestável. Ex: mamadeira de piroca e kit gay
foram os assuntos mais comentados na corrida presidencial. Não é um
bom sinal. No nono
passo, o fascismo expande o que conquistou espalhando tensão sexual.
Grupo dominante: pureza tradicional e ancestral. Opositores :
imoralidade moderna e urbana. O grupo dominante precisa assumir a
liderança moral e ensinar aos seus opositores, muito
hipoteticamente, que menino veste azul e menina veste rosa. Por
último, no décimo
passo, o fascismo estabelece a noção de que qualquer um que resista
a seu domínio é um preguiçoso. Stanley nos alerta para todos os
horrores que se tornam justificáveis quando julgamos que contra nós
há apenas monstros imorais e preguiçosos. A oposição só quer a
queda do fascismo para continuar na mamata.
É
necessário ressaltar o papel central da destruição da realidade
nisso tudo : é só porque os seguidores do grande líder perderam
qualquer contato com a verdade que eles se rendem a seus piores ódios
e temores. E
pouco importa se esses ódios e temores são exatamente os mesmos do
fascismo da primeira metade do século XX.
Os métodos são os mesmos : o ataque deliberado contra a realidade
faz parte da técnica. O
receptor de rádio mais difundido na Alemanha nazista era o VE301 (30
de janeiro é aniversário da chegada de Hitler ao poder). O Estado
obrigou os três fabricantes a produzirem o mesmíssimo aparelho a
preço superbarato. O
rádio era equipado para receber apenas as transmissões internas do
regime. Em 1939 o aparelho estava em 12,5 milhões de residências
alemãs que só ouviam os discursos nazistas..
O rádio permitia ao Fuhrer e aos ideais do regime uma presença
massiva e simultânea nos lares alemães e o ministro Joseph Goebbels
se encarregou pela comunicação nazista. Goebbels percebeu seu papel
como agente de controle do fluxo de informação (monopólio da
informação), atuando como ampliador dos canais que permitiriam a
chegada da mensagem do partido a quem mais pudesse ser influenciado
por ela. O investimento governamental do rádio permitiu que a versão
do governo (em detrimento das outras versões) para as notícias mais
quentes do dia estivesse servida diariamente na mesa de cada família
alemã.
Da
mesma forma, no século XXI, alguém capaz de mobilizar um aparato de
disparo massivo de conteúdo estaria operando segundo os mesmos
princípios --- seja por meio de um aplicativo de troca de
mensagens, seja instruindo seus apoiadores a consumirem informação
apenas de suas fontes selecionadas, retirando a credibilidade de
todas as outras. Talvez
a verdade tenha morrido porque o fascismo – fascismo como técnica
mais do que como regime político – finalmente voltou a encontrar
as ferramentas necessárias para cometer o ato. Se conseguiu muito do
que queria só agora, foi porque a tecnologia lhe concedeu novas
possibilidades.
A ELEIÇÃO
DE UM MEME
Meteoro
cita o livro de Paulo Sérgio Guerreiro A
Eleição de um Meme
(Rio, Multifoco, 2019) que considera que uma articulação possível
entre tecnologia, comunicação, cultura e política ajuda a explicar
o fenômeno atual da “nova direita” e/ou do novo tipo de fascismo
atual. Guerreiro parece se referir ao “conglomerado ideológico”
do fascismo que sobreviveu até nossos dias, tanto seu ideário
quanto sua técnica. O autor tenta nos dar uma medida da gravidade da
profusão de notícias falsas : as
fake news
não terão impactos “puramente eleitorais, mas também
consequências científicas.”….É
assustador que tamanha promessa de obscurantismo possa se concretizar
apenas com a eleição de um personagem que é menos
um político do que um meme;
coisa que, ao menos como a internet a entende, nasceu como uma
curiosidade sem maiores consequências.
Guerreiro
se refere à compreensão pouco consensual que a internet tem do
termo: “A duplicação e a proliferação são as principais
características dos memes da internet; não há memes sem duplicação
de um espaço para outro. Portanto, é a partir dessas
características que se relacionam os conteúdos de internet e assim
foram designados memes.” Na
internet, os memes replicam, segundo Guerreiro, “ideias reduzidas a
pequenos conteúdos”. Quanto mais síntese e quanto mais
caricatura, maior a capacidade de reprodução:
“a capacidade de um texto científico tornar-se viral é quase
zero, e se acontece, não é um meme, pois ninguém consegue
reproduzir com facilidade 40 páginas de um texto científico.”.
…. a fim de manter o seu efeito viral, alguns tipos de mensagens
parecem circular mais facilmente do que outras e daí as
consequências para a formação da cultura ou para uma eleição. É
a candidatura que tem mais chances de se replicar no ambiente das
redes sociais digitais. Na medida em que as redes acumularam
relevância dentro dos aparatos de propaganda, foram essas as
candidaturas beneficiadas.
Sua mensagem é feita sob medida para os métodos de propagação
viral: informação direta, às vezes cômica e polêmica, mas sempre
curta e grossa.
"A
verdade morreu porque a internet, uma revolução recebida com tanto
otimismo, uma tecnologia que deveria disseminar o conhecimento e
elevar a humanidade ao próximo patamar, tem sido tudo menos isso.
Todo o potencial do maior aparato de comunicação já criado
esbarrou nas limitações de seus usuários e dos operadores dos
algoritmos que definem como o conteúdo será distribuído. A
matemática Cathy O'Neil bem avisou :
"algoritmos são formas de automatizar o status quo".
Também falhamos em nos dar conta disso. " …
."....poderíamos
assumir que aquela incapacidade de reduzir textos científicos a
memes tenha fortalecido a presença das teorias conspiratórias na
esfera comunicacional..… grosseiras
e imprecisas elas tem poder de síntese que a viabilizam como memes e
portanto como peça comunicacional capaz de se reproduzir..… era
mesmo de se esperar que toda e qualquer redução da realidade
ganhasse prioridade na internet......"
Houve
um tempo, não muito distante, em que a política tinha a comunicação
como instrumento. Uma boa reunião entre o político e o magnata da
mídia seria o suficiente para direcionar a cobertura. A
lógica se inverteu : as redes sociais transformam todos nós, ainda
que em escala moderada, em veículos de comunicação.
Assim, é
a política que se torna um instrumento nas mãos da comunicação;
uma comunicação digital que, como vimos, é feita de síntese,
caricatura e polarização. Não
há como voltar atrás.
Resta-nos apenas desenvolver estratégias para lidar com o novo
paradigma. Até lá, a comunicação continuará privilegiando uma
política feita à sua imagem e semelhança. Consta no atestado
de óbito da verdade,
portanto, não apenas a
política,
mas também a
comunicação
e a nossa já conhecida incapacidade
de usar de maneira responsável as tecnologias que criamos……
Quando a verdade morre, pagamos com a democracia.
Daniel
Miranda Soares é mestre pela UFV, economista pela UFMG e professor
aposentado.
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