BALANÇO
2019 : Setor financeiro cresce 31,58%. Setor produtivo: 0,89%
Economia e sistema de proteção social entram em colapso no governo de Jair Bolsonaro
Economista
Denise Gentil alerta que a chegada de Bolsonaro ao poder aprofundou a
crise econômica e gerou colapso do sistema de proteção social do
país, colocando os mais pobres na miséria
Rosely Rocha (CUT) entrevista a prof.ª de economia da UFRJ, Denise Gentil.
“Não
há nenhum interesse pelo crescimento econômico. O que precisa ter
lucro é o capital da esfera financeira e isto pode ser alcançado
independentemente da indústria, do comércio e serviços. Este
capital não tem nenhum interesse na fome do brasileiro nem na morte
de jovens na periferia.” –
Denise
Gentil.
Após
o primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o país
vive um momento de enorme gravidade econômica e social, com uma
implacável destruição do Estado Democrático de Direito e de
ruptura do pacto civilizatório, antes amparado pela Constituição
Federal de 1988. Esta situação gerou uma enorme violência para a
grande maioria dos trabalhadores e das trabalhadoras que vive sem
nenhuma perspectiva de uma vida mais digna.
A
constatação é da professora de economia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (URFJ), Denise Gentil, após analisar os números da
economia do país.
Para
ela, há um emaranhado de fatores nocivos como a reforma da
Previdência, a queda brutal do investimento público, a
desindustrialização do país, a devastação do meio ambiente
(tanto por desastres provocados por empresas quanto por eventos
climáticos extremos), a desregulamentação do mercado de trabalho,
o desmantelamento da educação e da saúde pública e a privatização
de recursos naturais e dos serviços públicos essenciais à
população que levaram inevitavelmente à atual crise social e
econômica de grandes proporções.
Confira
os resultados negativos da economia, após as medidas tomadas pelo
governo Bolsonaro:
– 0,89%
de crescimento econômico (previsão do PIB feita pelo Boletim Focus
do Banco Central). O mercado financeiro projetou 2,53% de
crescimento no início do ano no primeiro relatório Focus.
–
queda
de 1,1 % da produção industrial em relação ao ano anterior.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), divulgados em 4 de fevereiro deste ano, a indústria
brasileira operou 18% abaixo do ponto mais alto registrado em maio de
2011. Em seis anos (2014/2019) a indústria brasileira perdeu 14,8%.
– 11,9%
é a taxa de desemprego médio de 2019, atingindo 12,6 milhões de
pessoas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD)
Continua do IBGE;
– a
taxa de informalidade é de 41,1%. São 38,4 milhões de pessoas
trabalhando de forma muito precária, um recorde dos últimos quatro
anos;
– a
renda domiciliar dos 20% mais pobres caiu 11,5%, enquanto a dos 20%
mais ricos registrou um aumento real de 6% ainda segundo a PNAD
Contínua do IBGE.
– Há
63,4 milhões de inadimplentes no país (dados de agosto/2019 da
Serasa Experian). Cerca de 40% da população adulta deixaram
de honrar seus compromissos financeiros.
– O
investimento público em 2017 foi o menor em 50 anos, impactando
severamente na falta de dinamismo da economia brasileira. No entanto,
em 2019, o investimento do Governo Central foi de apenas 0,8% do PIB,
segundo dados do Tesouro Nacional.
Elite
apoia as medidas
Para
a professora Denise Gentil, as medidas tomadas pelo governo tiveram
um amplo apoio da elite econômica do país, que se interessa apenas
em resguardar os ganhos financeiros na Bolsa de Valores, nos títulos
públicos e nos vários ativos financeiros.
“É
uma espécie de domínio econômico e político que não apenas
alterou completamente o funcionamento das regras democráticas, mas
que também não se importa com a falta de crescimento econômico,
com o alto índice de desemprego e miséria, com o aumento dos
sem-teto, com a morte por violência na periferia e com as perdas dos
direitos sociais que desprotege os mais vulneráveis”, critica.
Ela
ressalta ainda que, segundo a Síntese de Indicadores Sociais do
IBGE, entre 2015 e 2018, em média, 1 milhão de brasileiros desceram
para um patamar abaixo da linha de pobreza ao ano. De acordo com o
Banco Mundial está abaixo da linha de pobreza quem tem rendimento de
US$ 1,90 diário.
“O
último dado do IBGE é de 2018 e mostra que 13,5 milhões de pessoas
(6,5%) têm renda inferior a US$ 1,90 ao dia. Esse contingente é
maior que a população de países como Portugal, Bélgica e Grécia”.
Ricos
investem no mercado financeiro
A
professora de economia vê na hipertrofia da especulação
financeira, a chamada financeirização e no aprofundamento da
dinâmica neoliberal, os principais motivos para os baixos índices
da economia brasileira.
Ela,
que vem estudando há alguns anos o processo de financeirização da
economia brasileira e mundial, diz que os recursos para investimentos
produtivos passaram a ser alocados preferencialmente em ativos
financeiros, não importando os impactos negativos, como o baixo
crescimento, o aumento das crises financeiras, o desemprego, a
concentração de renda e da riqueza e a deterioração das finanças
públicas causada pela queda da arrecadação e pelo aumento da
despesa financeira do setor público.
“A
política neoliberal resulta em grandes ganhos para o capital
financeiro investido em títulos públicos e na Bolsa de Valores. O
ganho no ano passado na Bolsa foi de 31,58%, o quarto ano consecutivo
de ganhos do Ibovespa. O lucro acumulado pelos quatro maiores bancos,
Itaú, Santander, Bradesco e Banco do Brasil, foi de R$ 59,7 bilhões,
um aumento de 14,6% em relação a 2018, segundo dados da empresa
Economatica. Enquanto isso, o PIB cresceu menos de 1%”, diz.
Segundo
Denise, as forças conservadoras promoveram um novo padrão de
riqueza no capitalismo, a ‘ financeirização’ que impõe uma
política econômica que lhe é favorável. Austeridade fiscal, metas
de inflação muito baixas, privatizações, desmonte dos bancos
públicos, ausência de controle sobre entrada e saída de capital e
desregulação do mercado de trabalho que resultam em violenta
segregação social, com níveis de investimentos e empregos
baixos. Não existe espaço para a realização de políticas
públicas.
“Os
direitos sociais são considerados empecilhos, ‘privilégios’,
tidos como prejudiciais à economia”, afirma a economista.
O
neoliberalismo econômico pós golpe de 2016
Para
que Jair Bolsonaro e as forças conservadoras provocassem esse caos
na economia, deve-se voltar um pouco no tempo e analisar os efeitos
da Emenda Constitucional (EC) nº 95, do Teto dos Gastos Públicos,
aprovada no governo golpista de Michel Temer, acredita a professora
de Economia da URFJ.
Somente
na área da saúde o corte de gasto causado pela EC 95, foi de R$ 9,5
bilhões, em 2019. Se a regra anterior ainda valesse, teriam sido
aplicados no ano passado, em saúde 14,5% da Receita Corrente
Líquida (RCL), o equivalente ao valor de R$ 131,3 bilhões. Com o
corte o setor ficou com apenas R$ 122,3 bilhões.
Segundo
Denise Gentil, o avanço da financeirização impôs o Teto dos
Gastos para limitar as políticas públicas e desconstruiu o estado
de bem estar social. Isto atingiu, em 2019, só na saúde, o programa
Farmácia Popular, a vacinação, e levou à queda de investimentos
em pesquisas.
“E
não apenas isso. Houve redução no gasto federal com educação
superior, seguro desemprego, saneamento básico e com o programa
Minha Casa Minha Vida”, conta a professora da URFJ.
Futuro
sombrio
Para
Denise Gentil, há muitos motivos para a crise continuar produzindo
estragos em 2020. Os dados muito fracos da atividade econômica no
Brasil se juntam às fortes incertezas no mercado mundial causadas
pela crise na Argentina e a desaceleração da China e Europa,
provocada pelo coronavírus, o que impactará fortemente as
exportações.
No
ano de 2019, a Bolsa de Valores de São Paulo teve uma fuga de
capital estrangeiro de US$ 44,5 bilhões e agora com a epidemia do
coronavírus as empresas brasileiras, principalmente as do
agronegócio que exportam carne bovina para a China, perderam R$ 398
bilhões em valor de mercado. Entre janeiro e 27 de fevereiro de
2020, a saída de capitais da bolsa foi de R$ 35 bilhões.
“Combater
o coronavírus não é apenas uma medida de saúde coletiva, mas é
também a salvação da Bolsa de Valores”, avalia.
No
entanto, para a economista, não é apenas a crise financeira mundial
provocada pelo coronavírus o motivo da queda na Bolsa brasileira.
“O
insucesso do leilão do pré-sal pela Petrobras e a falta de
confiança nos resultados da política econômica de Bolsonaro,
também são fatores que produziram essa queda”, afirma.
Para
piorar a crise econômica, a previsão de algumas instituições
financeiras, segundo Denise, para o Produto Interno Bruto (PIB) é de
um crescimento baixo, que já está em apenas 1,4% e não de 2% como
pretende a equipe econômica do governo.
Ela
afirma que o ministro da Economia, Paulo Guedes, já enfrenta
um desgaste muito grande porque a queda nos juros, o arrocho fiscal e
a reforma da Previdência não estão alavancando a economia conforme
foi prometido por ele.
“O
alto patamar de desemprego, o elevado endividamento das famílias e
os investimentos públicos muito baixos geram expectativas de
desmoronamento na demanda e produzem um clima de elevada incerteza
nos investidores, paralisando os investimentos produtivos. Além
disso, há fuga de capitais da bolsa, que neste governo já chegou a
R$80 bilhões. Estamos perdendo reservas internacionais de forma
acelerada e há perigo de crise externa no horizonte. Em síntese, a
gestão de Guedes tem sido desastrosa”, afirma.
Declarações
de Bolsonaro contra a democracia agravam crise econômica
O
mercado financeiro internacional está temeroso em investir no país
por causa do risco político que vem das frequentes declarações de
Jair Bolsonaro. Seus recentes ataques ao Congresso Nacional
impactam negativamente na economia porque as reformas que o mercado
financeiro ainda quer aprovar, podem ser paralisadas e gerar
incertezas.
“Há
um clima de enfrentamento entre os Poderes. O mercado financeiro e as
forças conservadoras desejam a reforma dos fundos públicos, a
reforma administrativa e a reforma tributária para reduzir ainda
mais o espaço de políticas que não sejam aquelas que favorecem as
finanças. Ocorre que a disputa política de Bolsonaro com os setores
progressistas do Congresso pode paralisar tudo isso, principalmente
em ano de eleição”.
Só
a união e luta dos trabalhadores podem frear a crise financeira
A
professora de economia defende que é a classe trabalhadora que
precisa e que se interessa pelo crescimento econômico para ter
empregos e viver com dignidade.
“Se
não houver a resistência das forças progressistas e as urgentes
alianças políticas contra o aprofundamento desse ultra financismo
misturado com golpe de Estado, não haverá saída para os
trabalhadores”, diz.
Denise
Gentil defende ainda que precisamos encontrar o caminho que nos leve
a escapar do labirinto da desmobilização e do comodismo. Segundo
ela, é uma tarefa dificílima, mas já conseguimos realizá-la
no passado. A tarefa fundamental é criar um ambiente político que
promova a reversão da reforma da previdência e da reforma
trabalhista, que acabe definitivamente com a austeridade fiscal para
recuperarmos os empregos, que promova o perdão da dívida dos
estudantes universitários, que nos proporcione uma saúde pública
de fato universal e digna, uma educação voltada para o progresso
social, que promova a reestatização da Petrobrás, a retomada dos
bancos públicos, o controle ambiental em favor dos povos e da vida.
“São
tarefas gigantescas, proporcionais às imensas perdas recentes, mas é
na a luta que conseguiremos encontrar os caminhos e vencer a
desesperança. Não é tarde para reescrevermos nossa história. Será
preciso muita resistência, estratégia e inteligência política
para frear este modelo econômico que traz perspectivas profundamente
nefastas. Precisamos de lideranças que reúnam essa capacidade de
reformular o país”, diz.
CUT
e Centrais sindicais convocam trabalhadores em defesa de direitos
A
união da classe trabalhadora em defesa dos seus direitos e pela
democracia, que prega a professora de economia da URFJ,
Denise Gentil, começa a se tornar realidade com a decisão das
centrais sindicais em promover no próximo dia 18 de março, o Dia
Nacional de Luta em Defesa do Serviço Público, Estatais, Emprego e
Salário, Soberania, Defesa da Amazônia e Agricultura Familiar”.
Convocado
pela CUT e demais Centrais sindicais, o 18
de março será
um dia de mobilizações nos locais de trabalho, paralisações e
atos nas principais capitais e nas cidades do interior do país.
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