CHOMSKY E A VIABILIDADE DA ESPÉCIE HUMANA (mar/2020).
Acompanhe entrevista
do filósofo e linguista norte-americano Noam
Chomsky.
Hoje com 92 anos e tendo vivido como testemunha muitos dos grandes
fatos que marcaram o século XX e o início do XXI, ele analisa o
cenário da crise do Coronavírus e traça um quadro nada animador
para os próximos anos. No entanto, cita que o isolamento social
destes tempos deve ser usado para fortalecer os laços sociais e
desenvolver projetos de resistência. A entrevista foi concedida no
fim de março de 2020, uma conversa com o filósofo e co-fundador do
DiEM25, Srecko Horvat. Acompanhe:
Srecko
Horvat: Você
nasceu em 1928 e escreveu seu primeiro ensaio quando tinha 10 anos de
idade sobre a Guerra Civil Espanhola, após a queda de Barcelona em
1938, o que parece bem distante. Sobreviveu à Segunda Guerra
Mundial, testemunhou Hiroshima e muitos eventos históricos e
políticos importantes, da Guerra do Vietnã, a crise do preço do
petróleo, a queda do muro de Berlin, Chernobyl, testemunhou o
momento histórico que levou ao 11 de setembro e o crash financeiro
de 2007/2008. Com esse background e sendo um ator da maioria desses
processos, como vê a atual crise do Coronavirus, algo sem precedente
histórico. Surpreende você? Como observa isso tudo?
Noam Chomsky: Devo dizer que as memórias mais tenras que me assombram agora são dos anos 1930, o artigo que você mencionou sobre a queda de Barcelona foi sobre, aparentemente, a inexorável propagação da praga fascista sobre a Europa e como chegou ao fim. Descobri muito mais tarde, quando os documentos internos vieram à publico que os analistas do Governo americano, na época e nos anos seguintes esperavam que a guerra terminasse com mundo dividido entre regiões dominadas pelos EUA e uma região dominada pela Alemanha.
Meus medos infantis não estavam completamente errados. E essas memórias voltam agora. Quando era criança, posso lembrar, ouvindo comício de Hitler em Nuremberg no rádio, podia não compreender as palavras, mas podia facilmente entender o clima daquilo tudo, e tenho que dizer que quando escuto os discursos de Trump hoje, soa algo parecido. Não que ele seja fascista, não tem muito de uma ideologia, é apenas um sociopata, um indivíduo preocupado consigo mesmo, mas o clima e o medo é similar e a ideia de que o destino do país e do mundo está nas mãos de um sociopata bufão é chocante.
O coronavírus é algo sério o suficiente, mas vale lembrar que há algo muito mais terrível se aproximando, estamos correndo para o desastre, algo muito pior que qualquer coisa que já aconteceu na história da humanidade e Trump e seus lacaios estão à frente disso, na corrida para o abismo. De fato, há duas ameaças imensas que estamos encarando. Uma é a crescente ameaça de guerra nuclear, exarcebada pela tensão dos regimes militares e claro pelo aquecimento global. Ambas podem ser resolvidas, mas não há muito tempo e o Coronavirus é terrível e pode ter péssimas consequencias, mas será superado, enquanto as outras não serão. Se nós não resolvermos isso, estaremos acabados.
Noam Chomsky: Devo dizer que as memórias mais tenras que me assombram agora são dos anos 1930, o artigo que você mencionou sobre a queda de Barcelona foi sobre, aparentemente, a inexorável propagação da praga fascista sobre a Europa e como chegou ao fim. Descobri muito mais tarde, quando os documentos internos vieram à publico que os analistas do Governo americano, na época e nos anos seguintes esperavam que a guerra terminasse com mundo dividido entre regiões dominadas pelos EUA e uma região dominada pela Alemanha.
Meus medos infantis não estavam completamente errados. E essas memórias voltam agora. Quando era criança, posso lembrar, ouvindo comício de Hitler em Nuremberg no rádio, podia não compreender as palavras, mas podia facilmente entender o clima daquilo tudo, e tenho que dizer que quando escuto os discursos de Trump hoje, soa algo parecido. Não que ele seja fascista, não tem muito de uma ideologia, é apenas um sociopata, um indivíduo preocupado consigo mesmo, mas o clima e o medo é similar e a ideia de que o destino do país e do mundo está nas mãos de um sociopata bufão é chocante.
O coronavírus é algo sério o suficiente, mas vale lembrar que há algo muito mais terrível se aproximando, estamos correndo para o desastre, algo muito pior que qualquer coisa que já aconteceu na história da humanidade e Trump e seus lacaios estão à frente disso, na corrida para o abismo. De fato, há duas ameaças imensas que estamos encarando. Uma é a crescente ameaça de guerra nuclear, exarcebada pela tensão dos regimes militares e claro pelo aquecimento global. Ambas podem ser resolvidas, mas não há muito tempo e o Coronavirus é terrível e pode ter péssimas consequencias, mas será superado, enquanto as outras não serão. Se nós não resolvermos isso, estaremos acabados.
As
memórias da infância continuam voltando para me assustar, mas em
uma dimensão diferente. A ameaça de guerra nuclear não fazia
sentido com o mundo onde está, mas olhando para o passado recente,
em janeiro, o relógio do juízo final é ajustado a cada ano com os
ponteiros dos minutos a uma certa distância da meia noite, que seria
o fim. Desde que Trump foi eleito, o ponteiro tem se movido
para mais perto da meia noite. Ano passado estava a dois minutos da
hora final. O mais próximo já alcançado. Esse ano os analistas
retiraram os "minutos" e movem agora o ponteiro em
segundos, 100 segundos para a meia noite, o mais próximo que já
estivemos. Observando três questões: A ameaça da guerra nuclear, a
ameaça do aquecimento global e a deterioração da democracia, essa
última que não está tendo espaço aqui, mas é a única esperança
que temos para a superação da crise. Para que as pessoas tenham
controle sobre seu destino, se isso não acontecer, estamos
condenados.
Se deixarmos nosso destino com sociopatas bufões, será o fim. E isso está próximo, Trump é o pior, por causa do poder dos EUA, que é esmagador. Estamos falando do declínio dos EUA, mas você olha para o mundo e não vê quando os EUA impõe sanções, assassinatos, sanções devastadoras, é o único país que pode fazer isso, mas todo mundo tem de segui-lo. A Europa pode não gostar das ações odiosas contra o Irã, mas tem que acompanhar, deve seguir o mestre, ou será chutada do sistema financeiro internacional. Não é uma lei da natureza, é uma decisão na Europa estar subordinada ao mestre em Washington, outros países não tem nem tem mesmo como escolher. Voltando ao Coronavírus, um dos mais chocantes e severos aspectos disso, é o uso de sanções para maximizar a dor, intencionalmente, o Irã está em uma zona com enormes problemas internos pelo estrangulamento do arrocho das sanções, que são intencionalmente desenhadas, para fazer sofrer mais e mais agora. Cuba vem sofrendo, desde o momento em que estabeleceu sua independência, mas é surpreendente que tenha sobrevivido, mas ficaram resilientes e um dos elementos mais irônicos desta crise do virus, é que Cuba está ajudando a Europa. Quero dizer, isso é tão chocante, que você não sabe como descrevê-lo. Que a Alemanha não pode ajudar a Grécia, mas Cuba pode ajudar a Europa. Se você parar pra pensar sobre o que significa isso, todas as palavras não servirão. Quando você vê milhares de pessoas morrendo no Mediterrâneo, fugindo de uma região que foi devastada por séculos, você não sabe que palavras usar. A crise civilizacional do ocidente neste ponto é devastadora, pensar nisso e trazer memórias de infância de ouvir Hitler no radio enrouquecer as multidões, faz você pensar se esta espécie é mesmo viável.
Você mencionou a crise da democracia. Neste momento acho que devemos nos encontrar em um momento sem precedentes no sentido de que cerca de 2 bilhões de pessoas estão de uma forma ou de outra confinadas em casa, em isolamento, auto-isolamento ou quarentena. Ao mesmo tempo o que nós podemos observar é que a Europa, mas também outros países perto de suas fronteiras, internas ou externas, há um estado de exceção em todos os países em que possamos pensar, em regressão em lugares como França, Servia, Espanha, Itália e outros, exército nas ruas... e quero perguntar a você como linguista. A linguagem que circula nesse momento: Ouvindo não apenas Trump, se você ouvir Macron ou alguns outros políticos europeus, constantemente escutará que eles falam sobre Guerra. Mesmo na mídia se fala sobre "frontliners" e o vírus sendo tratado como inimigo. O que me lembra também Victor Klemperer em "Lingua Tertii Imperii", livro em que falou da linguagem do Terceiro Reich e como a linguagem e a ideologia foram impostas. Sob sua perspectiva , o que esse discurso sobre guerra representa, para legimitar um estado de exceção, ou algo mais profundo neste discurso?
Eu
penso que não é exagero. O significado é se nós lidamos com a
crise, estamos nos movendo para uma mobilização como as de tempos
de guerra. Se você pensar, pegue um país rico, como os Estados
Unidos que tem recursos para superar a questão econômica de
imediato. A mobilização para a 2ª guerra Mundial deixou o país
com uma grande dívida que está completamente saldada hoje e a
mobilização foi bem sucedida, praticamente quadruplicou a indústria
dos Estados Unidos, acabou com a depressão e deixou o país com mais
capacidade para crescer.
Isso
é menos do que precisamos provavelmente, não naquela escala, isso
não é uma guerra mundial, mas nós precisamos da mentalidade desse
movimento, nessa crise que é severa nós também podemos lembrar da
epidemia da gripe suína em 2009, originada nos Estados Unidos.
Centenas de milhares de pessoas se recuperaram do pior, mas tem que
lidar com isso em um país rico como os Estados Unidos.
Agora
são dois bilhões de pessoas, a maioria está na Índia. O que
acontece para os indianos, eles vivem "da mão para a boca",
estão isolados e morrem de fome. O que irá acontecer? Em um mundo
civilizado os países ricos dariam assistência àqueles que
estivessem em necessidade ao invés de estrangulá-los, que é o que
estamos fazendo particularmente na Índia e em muitos dos países no
mundo.
Se
a atual tendência persiste no sul da Ásia, se tornará inabitavel
em poucas décadas. A temperatura alcançou 50 graus no Rajastão,
neste verão está aumentando. A questão das águas agora pode
piorar, há dois núcleos de poder que irão lutar por recursos
reduzidos de água. Eu digo que que o Coronavirus é muito sério,
nós não podemos subestima-lo, mas temos que lembrar que isso é
uma pequena fração da crise que está vindo. Pode talvez não
ameaçar a vida o que o coronavírus faz hoje mas, (tais fatos) irão
perturbar a vida ao ponto de tornar a espécie inviável em um futuro
não muito distante.
Então
nós temos que lidar com muitos problemas, problemas imediatos, o
coronavírus é sério, como muitos outros maiores, vastamente
maiores, e que são eminentes. Agora há uma crise civilizacional,
temos que ver o lado bom do coronavírus, o que pode fazer as pessoas
pensarem sobre que tipo de mundo nós queremos? Nós queremos um
mundo que nos leva a isso? Devemos pensar sobre a origem desta crise,
por quê há uma crise do coronavírus? É uma falha colossal do
mercado, leva direto à essência dos mercados exacerbados pelo
neoliberalismo selvagem, a intensificação neoliberal, os problemas
socioeconômicos. Isso era sabido há muito tempo, que a pandemia era
muito provável, entendemos muito bem a probabilidade da pandemia do
coronavírus, uma modificação da epidemia da SARS, que foi superado
há 15 anos atrás, o vírus foi identificado, sequenciado, vacinas
estavam disponíveis, laboratórios ao redor do mundo poderiam
trabalhar diretamente em desenvolver uma proteção para uma
potencial pandemia do coronavírus.
Por
que não fizeram isso? As companhias farmacêuticas. Nós temos
entregado nosso destino a tiranias privadas, corporações, que são
inexplicadas para o público, nesse caso, o Big Farma. Para eles
fazer novos cremes corporais é mais lucrativo do que encontrar uma
vacina que proteja as pessoas da destruição total. É possível
para o governo entrar nisso, voltar às mobilizações dos tempos de
guerra, foi o que o que aconteceu com a pólio naquele tempo, eu
posso me lembrar muito bem, a terrível ameaça que foi extinta pela
descoberta da vacina Salk, por uma instituição do governo, apoiada
pela administração Roosevelt. Sem patentes, disponível a todos.
Que pode ser feito agora, mas a praga neoliberal bloqueia isso.
Estamos vivendo sobre uma ideologia para qual os economistas tem uma
boa parte de responsabilidade, que vem do setor corporativo. Uma
ideologia que é tipificada por aquilo que Ronald Reagan colocou no
script, pelo seu Mestres corporativos com seus sorrisos reluzentes,
dizendo que governo é o problema. Vamos nos livrar do governo que
quer dizer "vamos deixar as decisões nas mãos das tiranias
privadas que não tem responsabilidade com o público". Do outro
lado do Atlântico, Margaret Thatcher nos mostra que há uma
sociedade, em que apenas indivíduos jogados dentro do mercado podem
sobreviver de alguma forma e para além disso não há alternativa. O
mundo tem sofrido sob o poder dos ricos por anos, e agora é o ponto
onde as coisas podem estar acabadas. Com intervenção direta do
governo no escopo da invenção da vacina salk, mas que é bloqueado
por razões ideológicas da praga neoliberal e o ponto é que essa
epidemia de coronavírus poderia ter sido prevenida.
A
informação estava ali para ser lida era bem conhecida em outubro de
2019, logo antes do surto. Houve
uma grande simulação em escala nos Estados Unidos para
uma possível pandemia Mundial deste tipo. Nada foi feito, agora a
crise ficou bem pior pela traição do sistema político. Nós não
prestamos atenção a informação que estavam cientes em 31 de
dezembro, a China informou à OMS sobre uma pneumonia com
sintomas com etiologia desconhecida. Uma semana depois alguns
cientistas chineses identificaram como um coronavírus, também
sequenciaram e deram a informação ao mundo pelos seus virologistas,
outros ficaram incomodados em ler o report da OMS. Os países
naquela área, China, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura começaram a
fazer algo e contiveram o surgimento da crise. Na Europa o que
aconteceu, Alemanha foi capaz de agir de maneira egoísta, não
ajudando os outros. Outros países apenas ignoraram. Um dos piores
deles o Reino Unido e o pior de todos, os Estados Unidos, que
disseram um dia que não havia crise, diziam "ser apenas uma
gripe", e no dia seguinte era uma terrível crise, que sabiam de
tudo. No dia seguinte: "nós temos que tratar de negócios,
porque tenho que vencer a eleição..."
A
ideia de que o mundo está nessas mãos é chocante, mas, o ponto é
que começou com uma, novamente, colossal falha do mercado ao ponto
fundamental da ordem econômico-social deixada muito pior pela praga
neoliberal e ela continua por causa do colapso nas estruturas
institucionais que poderiam lidar com isso, se estivessem
funcionando.
Esses
são os pontos que nós temos que pensar seriamente e pensando mais
profundamente digo, em que tipo de mundo nós queremos viver? Se
superarmos, de qualquer forma, haverá opções. O alcance das
opções vão da instalação de Estados altamente autoritários
por todas as partes até a reconstrução da sociedade em
termos mais humanos, preocupados com as necessidades humanas ao invés
do lucro privado. Isso é o que nós devemos ter em mente, que
estados altamente autoritários e viciados são bastante compatíveis
com o neoliberalismo, os teóricos do neoliberalismo como Hayek e o
resto eram perfeitamente felizes com o estado massivo de violência
apoiada pela economia. O neoliberalismo tem suas origens em 1920 em
Viena, no estado protofascista austríaco que esmagou a união dos
trabalhadores e a social-democracia austríaca, fez parte do governo
proto fascista e louvou o fascismo e sua economia protecionista.
Quando Pinochet instalou ditadura assassina brutal no Chile eles
amaram, eles lutaram lá, auxiliando esse "milagre maravilhoso",
que que trouxe "solidez da economia", grandes lucros, para
uma pequena parte da população.
Não
é equivocado pensar que sistema neoliberal selvagem pode ser
reinstalado por auto-proclamados liberais por forte violência do
Estado, um pesadelo que pode vir, mas é necessário a
possibilidade de que as pessoas se organizem, se tornem engajadas
para um mundo muito melhor, que também enfrentará os enormes
problemas que estamos lidando... Problema da guerra nuclear que está
mais próximo do que nunca esteve, o problema da catástrofe
ambiental da qual pode não haver retorno uma vez que chegamos
em tal estágio e não está em uma distância tão grande, a menos
que nós nos organizemos decisivamente. Então, é um momento
crítico da história humana não apenas por causa do coronavírus,
mas deve nos trazer a consciência das profundas falhas, de forma
mais profunda, as características disfuncionais de todo sistema
sócio-econômico. Pode ser um sinal de alerta em uma lição para
nos prevenir de uma explosão, mas pensando sobre isso e como vai
nos levar a mais crises piores que essas e com um preço extra a se
pagar.
Como
se dará a resistência em tempos de distânciamento social e o que
se esperar de um futuro pós-Coronavirus?
Primeiro
de tudo nós devemos ter em mente que há, desde poucos anos atrás,
uma forma de isolamento social que é muito danosa. Você vai ao
McDonald's e vê adolescentes sentados ao redor da mesa comendo
hambúrguer e o que você vê é uma conversa rasa de uns ou alguns
outros mexendo no seu próprio celular com algum indivíduo remoto,
isso tem atomizado e isolado as pessoas em uma extensão
extraordinária. As redes sociais tem tornado as criaturas muito
isoladas, especialmente os jovens. Atualmente, as universidades nos
Estados Unidos onde os passeios tem placas dizendo "olhe para
frente" porque cada jovem ali está grudado em si mesmo, essa é
uma forma de isolamento social auto-induzido, o que é muito
prejudicial.
Estamos
agora em situação real de isolamento social. Que deve ser superada
com recreação, laços sociais e tudo que puder ser feito.
Qualquer coisa que puder ajudar as pessoas em necessidades,
desenvolvendo organizações, expandindo análises... Fazendo planos
para o futuro trazendo as pessoas para perto... Procurando soluções
para os problemas que encaram e trabalhar neles. Estender e
aprofundar atividades, pode não ser fácil, mas os humanos tem
encarado seus problemas. Soberania para todas as pessoas em
português.
Originalmente
no youtube
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