Trechos
da entrevista do economista Luigi Zingales da Universidade de Chicago
à BBC News Brasil.
O
economista italiano Luigi Zingales é professor há quase 30 anos na
faculdade de negócios da
Universidade de Chicago, celeiro de ideias capitalistas liberais na
qual o ministro da Economia, Paulo Guedes, se orgulha de ter
estudado. Os dois discordam, no entanto, sobre os caminhos a seguir
diante da pandemia de coronavírus
…..Zingales afirma que a crise de covid-19 exige uma resposta dos
governos à altura de um esforço de guerra e que deveriam fazer todo
possível para manter o maior número possível de seus cidadãos em
casa.
O
economista italiano defende a criação de uma renda emergencial
universal, condicionada ao cumprimento do confinamento por semanas. O
dinheiro viria da taxação de riquezas, uma pauta historicamente
ligada à esquerda no Brasil, e da impressão de moeda, com o cuidado
de manter a inflação sob controle.
Autor
de Saving
Capitalism from the Capitalists (2003;
Salvando o Capitalismo dos Capitalistas, em tradução livre) e A
Capitalism for the People: Recapturing the Lost Genius of American
Prosperity (2012;
Um capitalismo para o povo: recuperando o talento perdido da
prosperidade americana, em tradução livre), o economista é
considerado um dos mais importantes pensadores liberais da
atualidade.
Segundo
ele, em entrevista à BBC
NEWS BRASIL,
os economistas criaram uma ferramenta para lidar com essas situações,
que se chama análise de custo e benefício.
…... Pra
saber se vale a pena manter essas políticas de confinamento,
precisamos saber quantas vidas podemos salvar com elas
…..Mas
o desafio era esse, e fiz esse cálculo: é claro que há espaço
para variações, mas a conclusão é que a quantidade de perdas de
vidas é comparável à perda de todo o PIB americano em 3 anos.
…...O
valor da estimativa para a vida humana nos Estados Unidos pode variar
entre US$ 7 milhões e US$ 10 milhões
…..Vamos
considerar então um valor entre um ponto e outro: US$ 9 milhões. Se
você puder salvar um milhão de vidas — na verdade é muito mais —
é como se você tivesse deixado de perder US$ 9 trilhões, o que
equivale a um terço do PIB.
…..Então,
você poderia interromper completamente a atividade econômica dos
Estados Unidos por quatro meses para chegar no mesmo nível de perda
…..
OU SEJA,
EM CONFINAMENTO VOCÊ SALVA VIDAS, VOCÊ DEIXA DE PERDER US$ 9
TRILHÕES (um terço do PIB americano)…… SEM QUALQUER MEDIDA DE
CONTENÇÃO A EPIDEMIA PODE CUSTAR US$ 65 TRILHÕES AOS EUA…...
ou
o equivalente a três vezes o PIB anual do país.
Mas
a boa notícia é que não é preciso paralisar toda a economia para
cumprir a quarentena. Muitas coisas hoje seguem funcionando
remotamente, mesmo com as pessoas em casa. Claro que haverá sim
grandes perdas econômicas, mas, a partir dos cálculos, concluímos
que vale a pena encará-las
….. todas
as medidas que estamos tomando para parar o vírus, como o
distanciamento social, tendem a prejudicar mais economicamente os
jovens e os mais pobres. Isso porque os mais velhos costumam ter
algum tipo de aposentadoria
…...Então,
vai ser necessário redistribuir essa renda, dos mais velhos pros
mais novos, dos mais ricos pros mais pobres
….
Infelizmente
a atual pandemia de coronavírus comprova a minha tese. Países que
têm sistemas de bem estar social mais consolidados, como a
Dinamarca, o Norte europeu, estão se saindo muito melhor em lidar
com a crise, sem a necessidade de uma série de intervenções
agudas, como as que estamos vendo nos Estados Unidos, onde não há
rede de proteção social.
Mas
essas intervenções emergenciais são altamente distorcidas, e é
por isso que o Senado americano aprova um pacote de US$ 2 trilhões,
o que em tese significaria conceder US$ 6 mil por pessoa ou US$ 24
mil por família, mas ninguém vai receber isso tudo de dinheiro (a
estimativa é que cada família receba US$ 1,2 mil). E a maior parte
desse valor vai ser dado pra empresas, e muita gente vai ganhar muito
dinheiro no caminho. Então, isso é um tipo terrível de socialismo
corporativista.
O
que vimos até agora foi mais uma divisão mais entre Ocidente e
Oriente do que propriamente entre Norte e Sul. Se você pega o jeito
como Taiwan, Coreia, Singapura responderam à crise, eles foram muito
mais eficientes do que países com governos menos organizados, como
Itália e Espanha, que estão protagonizando desastres.
Infelizmente,
a solução para a questão é a mesma para todos os países,
desenvolvidos ou não: diminuir o espalhamento da doença por meio do
confinamento geral, testar o máximo de pessoas, rastrear e isolar os
infectados, tenham eles sintomas ou não. E a capacidade de fazer
isso depende de duas coisas: primeiro, da quantidade de infectados, e
segundo, da eficiência do governo e da administração pública.
BBC
News Brasil - Vamos pensar no Brasil,
….. se
eu fosse o ministro, tentaria dividir as medidas entre o que é
necessário imediatamente para vencer o vírus e o que fazer depois
pra consertar a economia. Em uma situação de guerra, você resolve
primeiro o perigo mais iminente, depois se preocupa com o resto. E o
principal problema agora é conter o espalhamento da doença.
Então,
o
Brasil deveria fazer esforço de guerra para manter as pessoas em
casa. E, nesse caso, isso significa que você precisa dar alguma
forma de seguro desemprego, alguma renda mínima universal ou para
uma grande fração da população por um período de tempo, e
condicionando isso a ficar em casa. Precisa
haver um incentivo muito forte para ficar em casa, e a melhor forma
de fazer isso é por meio de um subsídio agora e no futuro próximo,
condicionados a você não ser pego perambulando pela rua e
arruinando o plano. Se você violar o toque de recolher, você perde
o benefício. Se ficar doente, vai para o isolamento em um hospital.
…...Se
o governo age dessa maneira, consegue a atenção das pessoas, as
sensibiliza. A questão é que não parece haver entendimento
político e vontade política para seguir esses passos. E,
sinceramente, acho que esse é agora o maior problema no Brasil. Numa
situação como essa, quanto mais você espera para fazer o que é
necessário, maior será o custo disso. Você
começou essa entrevista me perguntando se eu via uma contradição
entre salvar vidas e salvar a economia, e o que te disse foi: não há
desde que você aja cedo. Mas se você esperar, há sim.
Mas
Bolsonaro tem muito mais tempo de mandato pela frente que Trump e
poderia ter entendido isso, tomado uma ação, mesmo que isso
afetasse sua popularidade nesse momento, porque o resultado no longo
prazo o recuperaria disso. O risco de pandemia era claro e foi
subestimado.
….. E,
para piorar, no Brasil, Bolsonaro não está levando o vírus a
sério, então, o país está começando a guerra com uma desvantagem
imensa.
BBC
News Brasil - O senhor é italiano, no seu país há uma epidemia
muito grave, com um mortalidade de quase 10%. O que deu tão errado
na Itália?
Zingales
- É
sempre uma combinação de fatores. As regiões que se saíram
melhor, como Veneto, de onde eu venho, adotaram testes massivos,
rastreamento de infectados e um isolamento maior. Na Lombardia, eles
foram arrogantes e descuidados. Um pouco como o Bolsonaro. Na
verdade, o Prefeito de Milão foi às ruas no fim de fevereiro, com
um drink em mãos, pra dizer que ali a doença não os tinha abatido.
Isso foi um erro gigante.
ENTREVISTA Á BBC NEWS
BRASIL…… em
29/março/2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário