domingo, 25 de outubro de 2020

 

PORQUE A DEMOCRACIA BURGUESA NÃO FUNCIONA 

NO TERCEIRO MUNDO ?


PORQUE A DEMOCRACIA BURGUESA É FRÁGIL E INSTÁVEL NO TERCEIRO MUNDO E FORTE E ESTÁVEL NO PRIMEIRO MUNDO ? Jones Manoel responde à pergunta acima em entrevista ao canal do Youtube “Tese Onze” de Sabrina Fernandez. Jones, historiador, mestre em serviço social, professor e militante do partidão, discute no Tese Onze de 28 de maio de 2019 , um pouco sobre as análises dominantes sobre a democracia no Brasil e mostra a diferença entre essas análises e uma análise marxista. A entrevista é longa e Jones discorre sobre várias teorias diferentes, de Jessé Souza à de marxistas ….. vamos nos concentrar em afirmações conclusivas que ele chega depois de analisar os autores da Teoria da Dependência, das relações entre Centro e Periferia : Rui Mauro Marini, Vânia Bambirra, Theotônio dos Santos e outros.


Por que a democracia no Brasil corre riscos e não está lá uma beleza ?


RELAÇÕES CENTRO-PERIFERIA E A TEORIA DA DEPENDÊNCIA.


Acho que muita gente já explicou esta questão…. Um deles Florestan Fernandes e o outro é Ruy Mauro Marini. Basicamente, a primeira coisa que temos que entender é que existe um SISTEMA CAPITALISTA MUNDIAL…..uma estrutura mundial de poder, que existem países centrais no capitalismo e existem países periféricos ….o capitalismo é capitalismo na França, Estados Unidos, Brasil e Peru…. Mas são formas diferentes de ser do capitalismo….. nas características básicas do capitalismo (propriedade privada dos meios de produção, estado burguês, etc.) a França é o mesmo que o Brasil, mas as formas concretas com que as relações sociais de produção se articulam são diferentes em cada país….. as formações sociais são particulares…..são formas de ser do capitalismo periférico, do capitalismo dependente. … o capitalismo periférico transfere riquezas para o capitalismo central…. Transferindo riquezas como ? Empresas multinacionais exploram muito mais os trabalhadores brasileiros do que os trabalhadores no centro do capitalismo…. p.ex: a Volkswagen no Brasil paga um salário infinitamente menor aos trabalhadores daqui do que ela paga ao trabalhador alemão…. As condições de trabalho do trabalhador brasileiro são muito piores, os danos ambientais são muito piores, ….porque as empresas dos países nórdicos são mais “humanas” ? Porque elas transferem os danos ambientais para os países periféricos….porque há um racismo ambiental que transferem os danos para os países pobres e ninguém vai ligar pra isso… Um exemplo: quando Notre Dame pega fogo todo mundo liga e fica emocionado, mas quando acontece enchentes, queimadas e danos na África, ninguém liga, não sai nem no noticiário da mídia…..

Então a atuação das multinacionais, juros e pagamento da dívida pública, pagamentos de royalties e dividendos, transferência de lucros das grandes empresas monopolistas que atuam no comércio internacional; transferem riquezas para seus países sedes (desenvolvidos ou Primeiro Mundo).. historicamente os preços dos produtos primários como café, laranja, soja, carnes e a mineração (ferro e outros), enfim commodities em geral estão em queda ou estão estáveis…. Já os preços dos produtos industrializados, manufaturados de alta tecnologia, estão sempre em alta. ….daí estas diferenças são sempre positivas para países centrais…. é claro que houve uma atipia, com o crescimento espantoso da China que propiciou a alta de algumas commodities….e as coisas já estão voltando ao normal….


ENTÃO, COMO DIZIA A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina, organismo da ONU com sede em Santiago do Chile, onde trabalharam economistas famosos como Celso Furtado e Raúl Prebisch de linhas não ortodoxas) HÁ UMA TROCA DESIGUAL NESTE COMÉRCIO…. Em todos os níveis, no nível da produção, no nível do comércio, no nível das finanças, instituições de crédito, governança global, FMI, ONU, BANCO MUNDIAL, todas estas instituições nas relações desiguais entre Centro e Periferia, funcionam estruturalmente transferindo riquezas para o centro do sistema. Este nível de riqueza possibilita um padrão de dominação capitalista com níveis de igualdade sócio econômica muito maiores no centro do sistema do que na periferia.

E possibilita também que as burguesias do sistema central consigam aguentar um conflito redistributivo mais intenso, mantendo a democracia, mantendo a estabilidade das instituições, e eleições livres….tanto que num país central do sistema é possível você ter coisas como o Partido Comunista Francês que chegou a ter mais de um milhão de militantes, passou mais de 40 anos existindo, tendo um papel central na política francesa, e o sistema não precisou dar golpes de estado, ou instalar uma ditadura militar, porque no centro do capitalismo este tipo de conflito redistributivo mais intenso, com uma militância operária mais ativa, militância social de maneira geral, era possível aguentar, se aguentar isso.


JÁ NA PERIFERIA DO SISTEMA , como a gente funciona estruturalmente transferindo riquezas para fora, o padrão de acumulação capitalista no Brasil, para compensar esta transferência de riquezas, aqui se emprega a superexploração da fôrça do trabalho, que é um conceito do Ruy Mauro Marini (o Florestan Fernandes trabalha com conceito semelhante). … OS DOIS AUTORES percebem que na periferia do sistema o nível de exploração dos trabalhadores e oprimidos em geral, é infinitamente mais intenso, é maior, é mais alargado, e isso faz com que não haja possibilidade de sustentar aqui conflitos redistributivos maiores, mais intensos. QUALQUER NÍVEL DE ATIVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR coloca em risco o padrão de acumulação do capital.


OUTRA PROVA DISSO: o Partido Comunista Francês cresceu e foi ativo durante 40 anos…. Já o PCB no Brasil passou metade de sua vida partidária na ilegalidade…. se no centro é normal você ter um partido comunista com peso de massa…. na periferia do capitalismo não pode… a burguesia aqui funciona dentro de suas classes dominantes e camadas médias que a auxiliam com controle dos aparelhos de estado, enquanto que amplas massas da população são destituídas de direitos de saúde, educação, cultura, lazer, segurança, de boas condições de trabalho, salário… elas não tem uma base material para legitimar este sistema, portanto o sistema funciona para além da legitimidade das massas e controla esse grau sistemático de ilegitimidade a partir de doses cada vez mais violentas de repressão, de controle e de extermínio. ENTÃO, fundamentalmente na periferia do sistema capitalista, não é só no Brasil, mas também África, Ásia, América do Sul, América Central, são regiões em que a democracia é frágil, instável, usando até uma linguagem liberal ……


E porque em toda a periferia ela é instável e na parte central do capitalismo, na maioria dos países da Europa, Japão e Estados Unidos, não ? …..SERÁ PORQUE? Porque são mais civilizados ?, o clima é melhor ?, são mais educados ?, melhores do que a gente ? E nós somos bárbaros ? NA VERDADE NÃO, porque isto tem a ver com o padrão de exploração sobre a classe trabalhadora e com esta sistemática transferência de riquezas para fora.

Enquanto que no Centro do sistema capitalista se aumenta o investimento do Estado em áreas sensíveis ao desenvolvimento econômico e à competição capitalista como p.ex. 5G, Biotecnologia, exploração espacial, inovações tecnológicas…...no Brasil quer se desmontar as universidades públicas, porque é uma balbúrdia, uma bagunça, …...


A BURGUESIA BRASILEIRA NÃO TEM PROJETO PRÓPRIO.


A raiz da fragilidade da economia brasileira está no seu caráter dependente e subdesenvolvida e na sua forma de ser capitalista, a burguesia brasileira não tem projeto para romper com isso… ela tá muito bem, obrigada. VÂNIA BAMBIRRA, parceira de idéias de Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini, criou um conceito fantástico sobre a burguesia brasileira, ….ela diz que nossas classes burguesas são classes dominantes-dominadas, elas dominam o conjunto dos explorados e oprimidos do país, mas ao mesmo tempo são dominadas pelo imperialismo estadunidense, que é quem comanda, desse hemisfério do globo, a acumulação capitalista. Elas são dominadas, mas não são oprimidas por eles, na verdade elas são subservientes a um outro projeto, em vez de desenvolver o seu próprio projeto. Portanto, isso de Bolsonaro ser subserviente ao Trump não é uma novidade na relação Brasil-EUA. Não custa lembrar que Lula quando foi eleito, antes de tomar posse, ele foi para os EUA encontrar Bush, pedir bênção a Bush e garantir que no seu governo os contratos não seriam alterados, seria um governo bem comportado, nada de bolivarianismo…. Lula tem uma frase assim “a América Latina não precisa da espada de Bolívar, ela precisa de crédito.”


Esse é o X da explicação…….


A PERSPECTIVA PATRIMONIALISTA DE JESSÉ SOUZA.


ASSIM PODE-SE PERCEBER QUE A PERSPECTIVA DE JESSÉ SOUZA, autor do livro “A Elite do Atraso” não é marxista….. a perspectiva marxista é a que citamos atrás: de Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra, Florestan Fernandes, Theotônio dos Santos, etc., baseada na Teoria da Dependência….. Jessé Souza parte da concepção do patrimonialismo das teorias de Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, embora ele ache que criticou estes dois, acaba por justificá-los….. ele parte de uma concepção vira-lata de que o Brasil está condenado pela herança colonial ibérica…. Pra nosso azar nós não fomos colonizados pelos protestantes, por isso que a gente não é os EUA….. Jessé diz que a “elite do atraso” (e não classe dominante) é formada por que existe uma herança da escravidão nunca superada e que o grau de desigualdade é tão grande por que é causada por essa herança…. E que o baixo grau de estabilidade e de desigualdade da democracia brasileira está explicado…. e que a elite nacional não tem um projeto popular democrático nacionalista devido à herança colonial…. a elite demoniza o Estado, é uma elite golpista e por aí vai…. Aparentemente a análise do Jessé parece correta…. Tem muitos pontos interessantes, tipo a elite não gosta de pobre, etc…. mas aí sua teoria não explica tudo, porque DÁ A IMPRESSÃO DE QUE A ELITE PODE SER REFORMADA, ela poderia mudar o seu projeto se ela ficar mais boazinha… poderia por exemplo se comportar como a elite alemã……

A EXPLICAÇÃO DE JESSÉ NÃO TEM FUNDAMENTO PORQUE NÃO COMPREENDE O SISTEMA CAPITALISTA GLOBAL….. o grande exemplo de vida dele é a Alemanha onde existe um grau bem menor de desigualdade social e o capital cultural foi democratizado, as massas foram integradas na sociedade de consumo, etc….. porque a elite alemã tem uma visão mais integradora, compreende a importância do comércio popular, e possui um projeto nacional soberano. OU SEJA O QUE O JESSÉ SOUZA ESTÁ DIZENDO é que a gente precisa ter uma elite como a elite alemã, tem que ensinar a elite a ser uma boa elite….. JESSÉ NÃO COMPREENDE o papel da Alemanha no capitalismo global, que ela é de centro e domina os países periféricos inclusive da Europa como Grécia, Irlanda, etc.….falta entender a dinâmica global do sistema capitalista e que a Alemanha possui melhores condições sociais para os seus trabalhadores exatamente devido às relações centro-periferia que transfere riquezas da periferia para o centro….. desconhece que as multinacionais alemãs financiaram ditaduras sangrentas na periferia, banhos de sangue, golpes militares, Pinochets, Videlas, etc…. Jessé desconhece o papel da elite nacional dentro de uma estruturação global do capitalismo…. na verdade ele está criando razões iluministas para a burguesia brasileira…. Ele não entende que a burguesia do Brasil, Argentina, Peru e outros nunca atuou com um projeto soberano nacional independente…..porque eles sempre foram subservientes ao imperialismo…..


CONCLUINDO: a democracia brasileira nunca foi um mar de rosas, ela sempre foi um vale de lágrimas….. não podemos acreditar na democracia brasileira como se ela fosse possível e maravilhosa, que precisamos restaurar aquele paraíso perdido dos governos Lula-Dilma….. não podemos idealizar um passado que nunca foi ideal…...precisamos na verdade fazer uma crítica radical ao funcionamento do capitalismo na periferia do sistema….. a democracia burguesa para beneficiar a maioria dos brasileiros só vai funcionar se cortar os laços de dependência com o capitalismo central … mas para chegarmos neste ponto, em um país de periferia, teríamos que romper também com o sistema capitalista e com a democracia burguesa, iniciando uma transição para um sistema socialista, anti-colonial e anti-imperialista. O governo de Evo Morales e seu programa socialista aguentaria se sustentar dentro dos parâmetros institucionais atuais da sociedade burguesa boliviana que por sua vez é subserviente ao imperialismo ianque ?  Provavelmente não, a não ser que tenha forte apoio de países socialistas.


Daniel Miranda Soares é economista pela UFMG, mestre pela UFV e ex-professor universitário.