terça-feira, 27 de julho de 2021

O CAPITALISMO TORNOU-SE INSUSTENTÁVEL

Não é possível resgatar mais nada sob o capitalismo”

Ao falar ao projeto Resgate, pensador marxista sustenta: quatro grandes contradições paralisam sistema hegemônico – e o tornam cada vez mais destrutivo. Qualquer esforço para reumanizar as sociedades precisa levar este dado em conta

 Publicado por Antonio Martins Publicado 23/07/2021 às 18:01

De Eleutério F. S. Prado Título Original: O capitalismo tornou-se insustentável


Pode parecer estranho, para alguns, que o projeto Resgate, lançado por Outras Palavras, não proponha de forma explícita a superação do capitalismo. É uma opção intencional. Nas últimas décadas, conceitos que nos séculos 19 e 20 tinham enorme significado desgastaram-se até se tornarem irreconhecíveis, devido ao fracasso do “socialismo real” e à cooptação da social-democracia. Além disso, produziu-se um cacoete. O esforço – árduo, porém indispensável – de examinar a fundo as sociedades e os caminhos de sua transformação é muitas vezes substituído por fórmulas fáceis como a “revolução” e a “destruição do capitalismo”. O que estes conceitos – tão importantes quanto muitas vezes esvaziados de sentido – podem conter hoje?

O caminho perseguido pelo Resgate é buscar alternativas, não rótulos. As versões iniciais das dezesseis ideias-força indicam um caminho claramente pós-capitalista. Preferimos desenvolvê-las, a repetir slogans. Esta escolha, contudo, implica um problema. Em que contexto as ideias do Resgate poderão realizar-se? Esperamos um capitalismo reformado? Acreditamos numa transição suave, para a qual não será preciso mobilização social?

Um diálogo com o economista Eleutério Prado, em 22/7, ajudou a esclarecer esta possível dúvida. Na parte inicial da entrevista, ele fez uma apresentação provocadora sobre a impossibilidade de construir qualquer projeto reumanizador nos marcos do capitalismo. Seguiu-se um debate sobre como abordar a superação do sistema sem cair no conforto vazio dos clichês. O vídeo acima contém o conjunto da conversa. E Eleutério, em gentileza especial, colocou no papel, com rapidez admirável, as ideias que orientaram sua fala. É com elas que o leitor ficará, a seguir. (Antonio Martins)



Para demonstrar empiricamente a tese contida no título deste artigo é preciso considerar, primeiro, o fenômeno da financeirização que vem se exacerbando desde os anos 80 do século passado. Eis que ele não se apresenta como uma passagem episódica na história do capitalismo, mas como um acontecimento decisivo. Faz ver que não se encontrou uma solução virtuosa para a crise de acumulação engendrada no “período de ouro” do capitalismo, ocorrido após o fim da II Guerra Mundial. Como se sabe, essa crise se manifestou já nos anos 70 por meio de uma forte e longa queda da taxa de lucro. Apontando para um impasse, a figura em sequência apresenta esse fenômeno. E o faz mostrando uma discrepância crescente entre o PIB global e a soma dos ativos financeiros globais. Por que isso ocorreu?


A crise de lucratividade dos anos 1970, que atingiu fortemente o centro do sistema – mas também a periferia –, nunca foi plenamente resolvida porque os principais Estados capitalistas optaram por evitar uma recessão profunda. Como esta teria efeitos econômicos, sociais e políticos devastadores – por causa das ondas de falências e do altíssimo desemprego da força de trabalho que produziria –, preferiram uma alternativa que evitasse a destruição e a desvalorização dos capitais acumulados no passado. Ocorre que esse choque disruptivo é necessário para que ocorra uma verdadeira restauração da taxa de lucro. Foi assim que o capitalismo se recuperou várias outras vezes no passado. Mas desta vez, não.

Fugindo desse trauma, buscaram restaurar a lucratividade por meio de um processo mais lento de reformas, ditas neoliberais, as quais visavam em última análise elevar a taxa de exploração numa economia globalizada. Era preciso destruir o mais possível o que fora criado no passado, ou seja, o estado de bem-estar social. Em linhas gerais, os Estados se esforçaram para não elevar ou mesmo reduzir os salários reais no centro do sistema, para mudar os processos de trabalho, para forçar a supressão das proteções das economias nacionais existentes na periferia, para deslocar as indústrias trabalho intensivas para a Asia etc. O neoliberalismo reinventou de novo o capitalismo que fora transformado pelo keynesianismo e pela socialdemocracia. Tudo isso, no entanto, precisava de um complemento.

Para criar um sistema nacional e internacional de dominação financeira e, ao mesmo tempo, para montar um mecanismo de estímulo à demanda efetiva global, desregulou-se os mercados financeiros e se permitiu uma enorme expansão do crédito mundialmente. O resultado dessa eleição foi o empilhamento consecutivo de dívidas do qual resultou uma “exuberância irracional” nos mercados de capitais em geral. Ora, isso não poderia ter ocorrido sem que fosse criada também uma “magnífica” fonte de crises financeiras.

O descolamento progressivo do montante de ativos financeiro em relação à magnitude do PIB global, conforme visto na figura acima, não parou de crescer desde 1980. Agora, ele aparece como um prenuncio do fenecimento do capitalismo por meio de um colapso financeiro de grandes proporções. Mas isto não é tudo.

Para demonstrar, teoricamente agora, a tese resumida no título deste artigo, é preciso começar por um recorte de conhecida tese de Karl Marx, depositada no prefácio de Para a crítica da Economia Política, escrito em 1859. No trecho abaixo transcrito, ele resume a sua compreensão do processo de emergência, desenvolvimento e fenecimento dos modos de produção em geral. Enquanto subsistem historicamente, esses modos regulam as ações dos seus componentes individuais e coletivos, condicionando a vida social como um todo; passam por longos períodos progressivos que desembocam, ao fim e ao cabo, em impasses históricos. Crescem, então, movimentos sociais que produzem instabilidades, rupturas e transformações, no curso das quais são criadas novas formas de sociabilidade.

Inundações na Europa, como resultado da onda de calor e chuvas torrenciais que atingiu o hemisfério norte em Julho de 2021. Mesmo em países com infra-estrutura robusta, como a Alemanha, houve mais de 200 mortes. Eventos climáticos extremos são parte de uma das contradições insolúveis do capitalismo, de que trata o texto


Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade. (…) Em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes (…). De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social.1


Para reinterpretar esse trecho, sustenta-se aqui em primeiro lugar que, implicitamente, Marx toma o sistema econômico como aquilo que atualmente é chamado de um sistema complexo ou de um sistema social complexo. Como tal, ele está internamente estruturado por determinadas relações de produção e estas determinam-no como uma totalidade que tem características próprias e que possui certas “leis” tendenciais de desenvolvimento.

Tais sistemas não são descritíveis por quaisquer sincronias, já que se caracterizam por existirem como processos contraditórios, abertos ao futuro e dependentes do próprio modo como evolvem. Enquanto tais, essas totalidades condicionam o modo de ser histórico dos próprios homens que se situam em sua própria base e que se atribulam em seu interior para sobreviver, buscando atender as suas próprias necessidades e realizar os seus desejos mais profundos.

Dizer que o modo de produção capitalista é um sistema complexo é dizer que possui a propriedade da auto-organização e que enfrenta permanentemente problemas de sustentabilidade, sejam de ordem interna, sejam de ordem ambiental. Eis que os sistemas complexos em geral apresentam certa resiliência, mas não deixam também de possuir fragilidades. Existem para sobreviver, mas podem falecer por causas internas e externas.

O que caracteriza sobretudo os sistemas complexos são os nexos internos que ligam entre si as suas partes constituintes e formam a sua estrutura, mas eles podem e devem ser apreendidos também pelos nexos externos, ou seja, pelos modos segundo os quais essas partes interagem entre si e determinam o seu dinamismo no tempo. É desse modo que, numa perspectiva de cientificidade positiva e vulgar, fala-se usualmente da complexidade tendo apenas por referência à dinâmica de interação dos múltiplos elementos do sistema em consideração, os quais estão entretidos em processos de auto-organização.

Mesmo quando essa cientificidade – que ainda se atém apenas aos nexos externos entre os fenômenos – transcende o determinismo que pretende prever o futuro com base nos fatos passados, o reducionismo, ou seja, o método característico da ciência moderna (Bacon, Descartes e Newton) que pretende sempre explicar o todo a partir das partes, e a norma analítica que manda isolar e separar as dificuldades na compreensão de tudo que se afigura complicado, ela ainda não vai longe o suficiente. É preciso, pois, dizer o porquê.

Apreende, assim, certas características dos sistemas complexos tais como os seus ciclos de realimentação, as não-linearidades causais, as redes de interação, mas não acolhe de modo adequado e suficiente a propriedade da emergência – pois, esta não pode ser explicada apenas pelas configurações engendradas pelas interações aparentes dos elementos do sistema complexo. Eis que essa propriedade crucial não resulta apenas das interações dinâmicas entre as partes, mas provém, fundamentalmente, do evolver das contradições inerentes à sua estrutura na temporalidade histórica.

Como o sistema econômico – um sistema social complexo – em sua generalidade é sobretudo um sistema de produção de coisas objetiva ou subjetivamente necessárias à vida humana, fica claro que as relações de produção mencionadas por Marx se referem ao modo específico pelo qual se organiza o trabalho socialmente necessário numa determinada etapa histórica. No capitalismo, como se sabe, o atendimento das necessidades está subordinado à acumulação de riqueza abstrata, ou seja, de valor. E o “valor que se valoriza”, isto é, o capital é – isso não se pode ignorar – um sujeito automático insaciável.

Crucial aqui é interpretar a noção de força produtiva de um modo adequado aos propósitos deste artigo que não vê o capitalismo nem em sua juventude (século XIX) nem em sua maturidade (primeiros dois terços do século XX), mas em sua velhice (do último terço do século XX em diante). Numa leitura produtivista, “força produtiva” significaria simplesmente capacidade de se apropriar da natureza e, nesse sentido, poderia ser resumida pela noção técnica de produtividade do trabalho. Ora, essa leitura seria bem insuficiente porque toma o sistema econômico como um sistema determinado tecnologicamente que, em princípio, dura senão para sempre, pelo menos indefinidamente.

Como não há produção sem apropriação – transformação e destruição – da natureza, é preciso associar de imediato a noção de força produtiva à noção de sustentabilidade. Eis que o sistema econômico mora no ambiente formando pela natureza não humana e, ao se manter ou mesmo prosperar em seu bojo, degrada-o de algum modo. E, ao fazê-lo, pode minar as condições externas que dão sustentação ao movimento expansivo do sistema econômico. Portanto, essa categoria guarda em si o seu contrário, a insustentabilidade. Ora, essa contradição evolve com o próprio evolver do modo de produção não apenas devido à destruição das condições externas, necessárias que são ao próprio mover-se do sistema econômico, mas também devido ao desenvolvimento de suas contradições internas, assim como a todos os desdobramentos que delas decorrem.

O evolver das contradições internas ao sistema econômico gera conflitos, embates entre classes sociais, os quais, mediante tensões crescentes, podem eventualmente resolverem-se por meio de movimentos de massa, revoltas agônicas e mesmo revoluções que mudam radicalmente a estrutura do modo de produção. Assim, a contradição central inerente ao desenvolvimento da sociedade de que fala Marx pode ser entendida como uma contradição entre as forças que dão sustentabilidade ao modo de produção e as relações de produção, dentro das quais aquelas forças se desenvolvem. Nesse sentido, entende-se por força produtiva não mais, simplesmente, a produtividade do trabalho, mas a capacidade do sistema assim constituído de dar sustentação à vida humana.

Segue-se aqui a tese de Murray Smith em seu livro Leviatã invisível2 segundo a qual se está, desde o começo dos anos 1980, na presença do ocaso do capitalismo – um processo que não deixou de se aprofundar desde então. Pois, nessa década, ele entrou – enquanto modo de produção – numa crise estrutural da qual ainda não saiu e não poderá sair incólume. O neoliberalismo, nessa perspectiva, não se afigura como uma superação das dificuldades sistêmicas do capitalismo, as quais se apresentaram já na década dos anos 1970, mas como um recurso derradeiro para que possa continuar funcionando, ainda que cada vez mais precariamente. Nesse ocaso, ciclos de alta e baixa aconteceram e continuarão a acontecer, mas a tendência se apresenta como um declínio persistente. Segundo ele – concorda-se com o que diz – apenas um marxismo crítico resoluto pode apreendê-la adequadamente:

Somente Marx oferece um arcabouço teórico necessário para apreender a trajetória contraditória, irracional e crescentemente perigosa do modo de produção capitalista – um conjunto de relações sociais e capacidades humanas, organização societária e tecnológica que, mais do que nunca, demanda ser compreendida num contexto global que, não menos do que no passado, mantém-se prisioneira de suas relações de produção que põem a lei capitalista do valor-trabalho.


Como base nessa premissa, Smith sustenta que três contradições “marxianas” estão na base dessa crise estrutural. Sabendo que aqui se acrescentará uma quarta, é preciso explicitá-las:

A primeira delas está no fundamento de uma crise de superacumulação que vem entravando o moto próprio do capitalismo globalizado desde a década do anos 1970. Para aumentar continuamente a produtividade do trabalho na produção de mercadorias, a concorrência capitalista tende a elevar a razão entre o montante capital empregado na produção e o valor total dessa própria produção – e isso tende a reduzir fortemente a taxa de lucro. Como esse sistema – que nunca está desacoplado do Estado – não pode mais permitir que as crises destruam irrestritamente o capital acumulado, permitindo assim uma recuperação dessa taxa, ele próprio como um sistema mundial passou a enfrentar uma crise permanente de valorização, ou seja, uma crise estrutural originada da produção “insuficiente” de mais-valor.3

Só lhe restou o neoliberalismo; grosso modo, essa práxis sócio-política procurou criar contratendências à queda da taxa de lucro. Para tanto, buscou decompor mais e mais a sociedade em indivíduos, liberar os movimentos do capital financeiro, transferir as indústrias intensivas em trabalho para a periferia, reduzir os salários reais dos trabalhadores etc.Ora, tudo isso gerou uma recuperação fraca principalmente no centro do sistema, que durou entre 1982 e 1997, aproximadamente. A partir dessa última data, a tendência de queda da taxa de lucro se impôs novamente sem perspectivas robustas de que essa situação depressiva possa mudar.

A segunda contradição consiste num desdobramento da contradição entre o caráter privado da apropriação e o caráter social da produção. À medida que o capitalismo se desenvolve, cresce a necessidade de bens e serviços ofertados como bens públicos; eis que eles são necessários para prover a infraestrutura e a proteção social comunitária que garante uma certa unidade ao sistema. Ora, esse provimento onera o orçamento dos Estados nacionais, os quais são alimentados em última análise por recursos extraídos do setor produtivo das economias. Diante da crise de valorização, não lhes restou senão cair numa política de privatização que tende a tornar os bens públicos cada vez mais escassos. Ao erodir a base comum da sociedade, o neoliberalismo difunde a pobreza e o niilismo, concentra a renda e a riqueza, solapa a democracia liberal – ou seja, certos fundamentos que dão sustentação social e política ao próprio capitalismo.4

A terceira contradição diz respeito à transnacionalização da produção por meio da financeirização, das empresas que operam em dezenas de países, das cadeias mundiais de componentes, das plataformas digitais etc. e o caráter nacional da regulação macrossocial e macroeconômica. Como se sabe, o Estado é a instância de poder que põe a unidade que falta num meio em que ocorrem frequentes disfunções sistêmicas e que está permeado por antagonismos entre indivíduos, grupos e classes sociais. É ele, ademais, que busca encontrar solução para os problemas originados pelo próprio funcionamento do modo de produção. Contudo, muitos problemas estão sendo gerados agora numa escala global, para além do poder de intervenção dos Estados nacionais. Mais do que isso, frequentemente, eles se encontram constrangidos pelos poderes que prosperam internacionalmente e que se lhe sobrepõem.

Finalmente, é preciso mencionar a contradição entre o caráter inerentemente predatório da produção capitalista e as exigências de conservação e de regeneração do ambiente natural – nas quais se incluem a reprodução da força de trabalho. Há um certo consenso no pensamento crítico de que existe uma crescente “ruptura metabólica” entre a produção mercadorias por meio da qual o capital se realiza enquanto tal e as condições naturais da produção.

Eis que as condições ecológicas da sustentabilidade da civilização humana vêm sendo erodidas com velocidade inaudita por um processo de acumulação de capital que não pode parar e que, por isso, não pode deixar de receber prioridade em cada uma das nações que compõem essa civilização. Mesmo se são feitos acordos internacionais, por exemplo, para reduzir as emissões de carbono, elas continuam crescendo; eis que crescem mesmo se a geração desse tipo de poluição já se encontra em nível bem crítico.

Ao não garantir a sustentabilidade da civilização humana no planeta Terra, o capitalismo se tornou insustentável. É a partir dessa consideração que Smith chega à tese do seu crepúsculo:

Juntas, essas crises interrelacionadas sugerem que já se entrou na era do ocaso do capitalismo – uma era na qual a humanidade encontra os meios para criar uma ordem social e uma organização econômica mais racionais ou na qual o decaimento progressivo do capitalismo trará junto consigo a destruição da civilização humana.



REFERÊNCIAS :



1 Marx, Karl – Para a crítica da Economia Política. Coleção Os Pensadores: Marx. São Paulo: Editora Abril, 1978, p. 130.

2 Smith, Murray E. G. – Invisible Leviathan – Marx’s law of value in the twilight of capitalism. New York: Haymarket Books, 2018.

3 Ver Prado, Eleutério F. S. – O futuro da economia mundial. In: A terra é redonda, 8 de junho de 2021.

4 Ver Brown, Wendy – Explicando nossos sintomas mórbidos. In: Outras palavras, 30 de junho de 2021.


FONTE:

https://outraspalavras.net/resgate/2021/07/23/nao-e-possivel-resgatar-mais-nada-sob-o-capitalismo/?fbclid=IwAR1VWvNaC82bhFbFkrf1PuDmqV0c4ZrvnP59AI_5_vi-qsHbZvXipJzE650

sábado, 24 de julho de 2021

COMO FUNCIONA A AJUDA DA CHINA PARA CUBA

 

Jones Manoel no Facebook 
A China é o principal destino das exportações cubanas (com mais que o dobro de valor que o 2° país) e o 2° maior parceiro das importações cubanas. Por qualquer critério, a China já é um país fundamental para sobrevivência da economia cubana. Uma olhada nos números mostra a China em 1° lugar nas exportações cubanas - forma de conseguir divisas - com valor de $ 461 milhões e a Espanha, o 2° país com $127 milhões. Como devem imaginar, a China poderia comprar o que compra de Cuba de outros parceiros de forma mais barata e com menos problemas logísticos.
A China já perdoou bilhões de dívidas de Cuba, como o valor de 6 bilhões em 2011 e oferece crédito a um país bloqueado no sistema de pagamentos e financeiro internacional (controlado pelos EUA e Londres). O problema dos meios de pagamento não é pequeno e um detalhe. Se você olhar o mapa dos principais parceiros cubanos em exportação e importação, vai perceber uma coisa estranha: o peso grande da Europa, Rússia e China. Por que não tem destaque os países da América do Sul? Por causa do bloqueio econômico e todas as suas consequências.
A União Europeia, poderosa como é, é constantemente atacada pelos EUA e empresas de capital espanhol, por exemplo, são assediadas e pressionadas direto a suspender qualquer negócio com Cuba. Para ter uma ideia da dimensão do problema, um exemplo. Um navio que atracar num porto cubano pode nunca mais ter autorização para entrar em qualquer porto dos EUA. A economia cubana não tem escala para suprir o fechamento ao mercado dos EUA. Fazer negócios com Cuba, em muitas dimensões, é uma atividade quase de guerra e secreta.
A maioria das empresas chinesas não podem perder o acesso total ao mercado e cadeias de valor dos EUA. Isso colocaria em risco de falência várias empresas. Aliado a isso, algo simples, como Cuba pagar uma importação ou exportação é uma operação de guerra e muito perigosa.
Cuba, ao contrário de você, uma empresa e a maioria dos países do mundo, não pode fazer sem problemas uma simples transferência bancária. E os ativos cubanos são constantemente confiscados (roubados) pelos Estados Unidos - e empresas com negócios com Cuba podem sofrer o mesmo.
Mesmo doações de solidariedade tem dificuldades de chegar, por exemplo. Nessa matéria da Global Times (título: Most of China’s donations unable to reach Cuba due to embargoes: Cuban ambassador): "O Embaixador Carlos Miguel Pereira disse que os suprimentos médicos doados anteriormente pela Fundação Alibaba para ajudar Cuba no combate ao COVID-19 ainda estão encalhados na China devido às sanções impostas pelos Estados Unidos. “A razão é que o governo dos Estados Unidos endureceu sua política de embargos econômicos, comerciais e financeiros impostos a Cuba, impedindo a empresa de enviar o equipamento a Cuba, apesar do fato de que esses suprimentos médicos são necessários com urgência para combater o vírus”, disse o embaixada em Weibo."
Aliado a isso, Cuba é obrigada a perder valor no comércio internacional. Por causa das dificuldades do bloqueio, compra mais caro e vende mais barato. A China compensa isso, mas não pode atuar como uma fonte eterna e inesgotável de transferência de valor para Cuba. Comparar a China com a URSS não faz muito sentido, considerando que a URSS, não sem consequências, era isolada do mercado global e podia enfrentar totalmente bloqueios sem colapso nas suas cadeias de valor. Não é o caso da China. Não hoje.
Aliado a isso, as consequências de furar o bloqueio são pesadas. Petroleiras russas que venderam petróleo para Cuba sofrem muito e tem dificuldades em transações financeiras - em paralelo, a esquerda linha Partido Democrata dos EUA bate palmas para propaganda liberal anti-Rússia.
A força da China cria a ilusão em alguns que os Estados Unidos já são um nada no mercado mundial. Falso. Os EUA controlam o dólar, o sistema financeiro internacional e de meios de pagamento, controlam várias cadeias de valor, tem um poderoso mercado interno, a maior máquina de guerra do mundo, a indústria cultural mais potente do mundo, uma infraestrutura ainda determinante no mercado mundial etc.
É possível debater, e acho muito lícito, se a China poderia fazer mais. Mas ela não faz pouco. E é uma total ilusão, um desconhecimento do mundo, achar que a China pode tornar nula o bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba. Não pode. Não tem esse poder hoje. Nem perto disso. E você que fala em "imperialismo chinês" e "imperialismo russo" igual ao "imperialismo estadunidense" é um perdido no mundo.
Os dados sobre importação e exportação cubanas podem ser conferidos aqui nesse link (https://oec.world/en/profile/country/cub?) . Mais importante que cobrar a China, me parece, é cobrar nós, os brasileiros. Por que não tomamos o poder ainda para exercer intensa solidariedade latino-americana?
 
FONTE: 
https://www.facebook.com/Jonesmanoel1917/posts/1253771045043518/

 

quinta-feira, 15 de julho de 2021

CORRIDA ESPACIAL ENTRE BILIONÁRIOS - CIÊNCIA OU ENGANAÇÃO ?

 

Deixe os bilionários no espaço

Jacobin - 13/07/2021 - Ciência e Tecnologia – Pessoas Ricas


PARIS MARX - Paris Marx é uma escritora socialista e apresentadora do podcast A tecnologia não nos salva .




Sir Richard Branson após voar para o espaço a bordo de um navio da Virgin Galactic em 11 de julho de 2021. (Patrick T. Fallon / AFP via Getty Images)


A corrida espacial entre bilionários como Richard Branson, Jeff Bezos e Elon Musk tem pouco a ver com ciência - é um espetáculo impulsionado pelas relações públicas projetado para nos distrair dos desastres que o capitalismo está causando aqui na Terra.

Em 7 de junho, Jeff Bezos anunciou seu plano de ir ao espaço em 20 de julho - apenas quinze dias após terminar como CEO da Amazon . Ele foi posicionado como uma próxima etapa ousada na corrida espacial bilionária que vem crescendo há vários anos, embora não tenha demorado muito para que sua verdadeira face se mostrasse. Logo após Bezos definir sua data, o CEO da Virgin Galactic Richard Branson - um homem conhecido por suas manobras de marketing - decidiu que tentaria colocar o homem mais rico do mundo em órbita e programou seu próprio voo espacial para 11 de julho.

Mas, à medida que esses bilionários voltavam os olhos para as estrelas e a mídia os regava com as manchetes que ansiavam, a evidência de que o clima de nosso planeta está mudando rapidamente de uma forma que é hostil à vida - humana ou não - aumentava.

Perto do final de junho, Jacobabad, uma cidade de 200.000 habitantes no Paquistão, experimentou condições de “bulbo úmido”, em que umidade elevada e temperaturas escaldantes se combinam para atingir um nível em que o corpo humano não consegue mais se resfriar. Enquanto isso, a meio mundo de distância, na costa oeste da América do Norte, uma cúpula de calor que foi agravada pela mudança climática fez as temperaturas subirem tanto que a cidade de Lytton, na Colúmbia Britânica, atingiu 49,6ºC, batendo o recorde anterior de temperatura do Canadá em 4,6ºC , queimou até o chão quando um incêndio devastou a cidade.

O contraste entre essas histórias é impressionante. Por um lado, os bilionários estão se engajando em um concurso de medição de pau para ver quem consegue sair da atmosfera primeiro, enquanto, por outro lado, os bilhões de nós que nunca farão tal jornada estão cada vez mais lidando com as consequências dos efeitos do capitalismo no clima - e nas décadas seus mais poderosos adeptos gastaram ações sufocantes para contê-los.

Em um momento em que deveríamos estar jogando tudo o que temos para garantir que o planeta permaneça habitável, bilionários estão nos dando um espetáculo para nos distrair de sua busca pela contínua acumulação capitalista e dos efeitos desastrosos que ela já está tendo.


O espetáculo dos bilionários no espaço

Em maio passado, tivemos uma demonstração semelhante de ambição espacial bilionária. Enquanto as pessoas nos Estados Unidos marchavam nas ruas após o assassinato de George Floyd e o governo pouco fazia para impedir que o COVID-19 varresse o país, Elon Musk e o presidente Donald Trump se encontraram na Flórida para celebrar o primeiro lançamento de astronautas da SpaceX para a Estação Espacial Internacional.

Como as pessoas normais estavam lutando por suas vidas, parecia que a elite estava vivendo em um mundo completamente separado e não tinha escrúpulos em mostrar isso. Eles não tiveram que fazer isso para outro planeta.

Nos últimos anos, com o aumento da corrida espacial bilionária, o público tornou-se cada vez mais familiarizado com suas grandes visões para o nosso futuro. Elon Musk, da SpaceX, quer que colonizemos Marte e afirma que a missão de sua empresa espacial é estabelecer a infraestrutura para fazer exatamente isso. Ele quer que a humanidade seja uma espécie “multiplanetária” e afirma que uma colônia marciana seria um plano de backup caso a Terra se tornasse inabitável.

Enquanto isso, Bezos não tem muito tempo para a colonização de Marte. Em vez disso, ele acredita que devemos construir grandes estruturas na órbita da Terra, onde a população humana pode crescer até um trilhão de pessoas sem prejudicar ainda mais o meio ambiente do planeta. Enquanto vivemos nossas vidas em cilindros O'Neill, como são chamados, tiraremos férias ocasionais até a superfície para experimentar a maravilha do mundo que outrora chamávamos de lar.

Nenhum desses futuros é atraente se você olhar além das apresentações otimistas dos bilionários. A vida em Marte seria horrível por centenas de anos, pelo menos, e provavelmente mataria muitas das pessoas que fizeram a viagem , enquanto a tecnologia para colônias espaciais massivas não existe e da mesma forma não será viável por muito tempo para venha. Então, de que adianta promover esses futuros diante de uma ameaça sem precedentes à nossa espécie aqui na Terra? É colocar o público a bordo de uma nova fase de acumulação capitalista cujos benefícios serão colhidos por esses bilionários.

Para ser claro, isso não significa nada tão grande quanto a mineração de asteróides. Em vez disso, sua forma pode ser vista no evento de maio passado: enquanto Musk e até Trump continuavam a promover o espetáculo de Marte para o público, a SpaceX estava se tornando não apenas um jogador-chave em uma indústria espacial privatizada, mas também permitindo um aumento militar através bilhões de dólares em contratos governamentais. As grandes visões, lançamentos de foguetes e espetáculos de bilionários deixando a atmosfera são todos cobertura para a economia espacial real.


A Parceria do Espaço Público-Privado

Enquanto Branson está usando o golpe de relações públicas para chamar a atenção, a verdadeira competição é entre Bezos e Musk - e enquanto eles competem entre si, eles têm um interesse mútuo significativo. Em 2004, Bezos e Musk se encontraram para discutir suas respectivas visões para o espaço , o que levou Musk a chamar as ideias de Bezos de “burras”. Como resultado dessa discussão, eles ocasionalmente atacam uns aos outros - o que a mídia engole - mas ainda estão trabalhando para promover uma indústria espacial privada da qual ambos podem se beneficiar.

Os anos de competição entre a SpaceX e a Blue Origin sobre plataformas de pouso, patentes e contratos da NASA mostram do que realmente se trata a corrida espacial bilionária. O exemplo mais recente disso é um contrato de US $ 2,9 bilhões da NASA concedido à SpaceX para construir um módulo de pouso lunar, que a Blue Origin e a empreiteira de defesa Dynetics contestaram . Na sequência, o Congresso considerou aumentar o orçamento da NASA em US $ 10 bilhões, em parte para que pudesse entregar um segundo contrato à Blue Origin. Mas esse não é o único exemplo de financiamento público para a indústria espacial aparentemente privada.

Um relatório da Space Angels em 2019  estimou que US $ 7,2 bilhões foram entregues à indústria espacial comercial desde 2000, e chamou especificamente a SpaceX como uma empresa cujo sucesso inicial dependia de contratos da NASA. No entanto, as empresas espaciais privadas não estão apenas construindo relacionamentos com a agência espacial pública.

A SpaceX ganhou um contrato de $ 149 milhões com o Pentágono para construir satélites de rastreamento de mísseis , e mais dois no valor de $ 160 milhões para usar seus foguetes Falcon 9. Ele também ganhou um contrato inicial de US $ 316 milhões para fornecer um lançamento para a Força Espacial - um contrato cujo valor provavelmente valerá muito mais no futuro - e está construindo um foguete militar que entregará armas ao redor do mundo . Além de tudo isso, a SpaceX ganhou US $ 900 milhões em subsídios da Federal Communications Commission para fornecer banda larga rural por meio de seus satélites superestimados Starlink.

Apesar de todos os elogios das empresas espaciais privadas e dos bilionários espaciais que as defendem, elas dependem fortemente do dinheiro do governo. Esta é a verdadeira face da indústria espacial privada: bilhões de dólares em contratos com a NASA, os militares e cada vez mais para telecomunicações que estão ajudando empresas como a SpaceX e a Blue Origin a controlar a infraestrutura do espaço - e tudo é justificado para o público sob o promessa de que está a serviço de grandes visões que nada mais são do que manobras de marketing.

Parte do motivo pelo qual a SpaceX teve tanto sucesso em ganhar esses contratos é porque Musk não é um inventor, mas um comerciante. Ele sabe como usar truques de relações públicas para fazer as pessoas prestarem atenção e isso o ajuda a ganhar contratos lucrativos. Ele também sabe o que não deve ser enfatizado , como os contratos militares potencialmente controversos que não recebem tweets ou vídeos de anúncios chamativos. A viagem de Bezos ao espaço é abraçar o espetáculo , porque ele percebe que é essencial competir pela atenção do público e dos burocratas que decidem quem ganha os contratos públicos.


Os bilionários não vão a lugar nenhum

Durante anos, houve a preocupação de que os investimentos espaciais dos bilionários visassem escapar do caos climático que sua classe continua a alimentar aqui na Terra. É a história do Elysium de Neill Blomkamp : os ricos vivem em uma colônia espacial e o resto de nós sofre em uma Terra devastada pelo clima enquanto somos empurrados por robôs policiais enquanto executamos o trabalho que torna possível a abundância da colônia. Mas esse não é realmente o futuro para o qual estamos caminhando.

Como Sim Kern explica, manter apenas algumas pessoas vivas na Estação Espacial Internacional exige uma equipe de milhares - e fica mais difícil quanto mais longe as pessoas estão do único mundo que podemos realmente chamar de lar. Colônias de Marte ou estações espaciais massivas não acontecerão tão cedo; eles não serão um plano de backup, nem uma saída de emergência. Enquanto bilionários perseguem o lucro no espaço e aumentam seus egos no processo, eles também planejam o apocalipse climático aqui na Terra – mas estão apenas planejando para si mesmos .

Assim como Musk usa narrativas enganosas sobre o espaço para alimentar o entusiasmo do público, ele faz o mesmo com as soluções climáticas. Seu portfólio de carros elétricos, instalações solares suburbanas e outros projetos de transporte são promovidos ao público, mas são projetados para funcionar melhor - senão exclusivamente - para a elite. Os bilionários não estão deixando o planeta, eles estão se isolando do público em geral com veículos à prova de balas, condomínios fechados movidos a bateria e possivelmente até túneis de transporte exclusivos. Eles têm os recursos para manter várias casas e jatos particulares de prontidão caso precisem fugir de um desastre natural ou de indignação pública.


Precisamos desesperadamente que o público veja através do espetáculo da corrida espacial bilionária e reconheça que eles não estão preparando as bases para um futuro fantástico, ou mesmo avançando o conhecimento científico sobre o universo. Eles estão tentando estender nosso sistema capitalista enfermo, enquanto desvia recursos e atenção do desafio mais urgente que a esmagadora maioria do planeta enfrenta. Em vez de permitir que os bilionários continuem jogando no espaço, precisamos aproveitar a riqueza que eles extraíram de nós e redistribuí-la para enfrentar a crise climática – antes que seja tarde demais.


FONTE: https://jacobinmag.com/2021/07/billionaires-space-richard-branson-jeff-bezos-elon-musk?fbclid=IwAR2dKHtaK9JeVyA8J6f5irOAru9D_uhNOjCY6nQpwnt7KOzfxWqzXMXd-r4

terça-feira, 6 de julho de 2021

O MILAGRE CHINÊS REVISITADO - PEPE ESCOBAR

 

O milagre chinês revisitado

Os excepcionalistas ocidentais podem continuar a surtar 24/7 ad infinitum: isso não vai mudar o curso da história

3 de julho de 2021

Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

Por Pepe Escobar, para o Strategic Culture

https://www.strategic-culture.org/news/2021/06/30/the-chinese-miracle-revisited/


Tradução de Patricia Zimbres, para o 247


A comemoração dos cem anos do Partido Comunista Chinês (PCC) ocorre nesta semana, no cerne de uma incandescente equação geopolítica.

A China, a superpotência emergente, está de volta à proeminência global que teve por longos séculos de história registrada, enquanto o Hegêmona em declínio vê-se paralisado pela "ameaça existencial" colocada à seu transitório e unilateral domínio. 

Uma mentalidade de confrontação de espectro total, já esboçada na Emenda à Segurança Nacional dos Estados Unidos, de 2017, vem rapidamente degenerando em medo, aversão e sinofobia implacável.

Acrescente-se a isso a parceria estratégica ampla Rússia-China expondo de forma evidente o supremo pesadelo mackinderiano das elites anglo-americanas desgastadas por "dominar o mundo"  por apenas dois séculos, na melhor das hipóteses.

O Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping talvez tenha cunhado a fórmula suprema para aquilo que muitos ocidentais definem como o milagre chinês:

"Buscar a verdade nos fatos, e não em dogmas, quer orientais ou ocidentais".

Nunca se tratou de intervenção divina, portanto, mas sim de planejamento, trabalho duro e aprendizado por tentativa e erro.

A mais recente sessão do Congresso Nacional do Povo oferece um nítido exemplo. Não apenas foi aprovado um novo  Plano Quinquenal, mas também um mapa completo para o desenvolvimento chinês até 2035: três planos em um.

O que o mundo inteiro viu, na prática, foi a óbvia eficiência do sistema de governança chinês, capaz de formular e implementar estratégias geoeconômicas extremamente complexas após intensos debates locais e regionais sobre uma vasta gama de iniciativas políticas. 

Compare-se isso às incessantes rixas que praticamente paralisam as democracias liberais do Ocidente, incapazes de planejar sequer para o próximo trimestre, quanto mais para quinze anos.

As melhores e mais brilhantes mentes chinesas seguem Deng à risca e não ligam a mínima para a politização dos sistemas de governança. O importante é o que é definido como um sistema altamente eficaz de formular planos de desenvolvimento SMART (específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e temporalmente delimitados) e pô-los em prática.

85% de aprovação popular

No início de 2021, antes do começo do Ano do Búfalo de Metal, o Presidente Xi Jin Ping ressaltou que "condições sociais favoráveis" estariam em vigor por ocasião das celebrações do centenário do PCC.

Ignorando as ondas de demonização vindas do Ocidente, o que importa para a opinião pública chinesa é o sucesso alcançado pelo PCC. E sucesso foi de fato alcançado (mais de 85% de aprovação popular). A China controlou a covid-19 em tempo recorde, o crescimento econômico está de volta, o alívio da pobreza foi alcançado e o estado-civilização tornou-se uma "sociedade moderadamente próspera" - bem a tempo para o centenário do PCC.

Desde 1949, a economia chinesa cresceu 189 vezes em tamanho. Ao longo das duas últimas décadas, o PIB chinês aumentou em 11 vezes. De 2010 para cá, o PIB mais que dobrou, de 6 trilhões para 15 trilhões de dólares, e hoje responde por 17% da produção econômica global.

Não surpreende que os resmungos ocidentais não tenham a menor relevância. Eric Lee, chefão do Shangai Capital Investments, descreve o abismo existente entre as duas formas de governar: nos Estados Unidos, o governo muda, mas não as políticas. Na China, o governo não muda, mas as políticas, sim.

Esse é o pano de fundo para o próximo estágio de desenvolvimento - quando o PCC irá de fato dobrar a aposta em seu singular modelo híbrido de "socialismo com características chinesas".

O ponto principal é que as lideranças chinesas, por meio de ajustes contínuos em suas políticas (tentativa e erro, sempre) fez surgir um modelo de "ascensão pacífica" - na sua própria terminologia - que essencialmente respeita as imensas experiências históricas e culturais da China.

Neste caso, o excepcionalismo chinês significa respeitar o confucionismo - que privilegia a harmonia e repudia o conflito - bem como o Taoísmo - que privilegia o equilíbrio - de preferência ao modelo ocidental turbulento, antagônico e hegemônico.

Essa postura se reflete nos grandes ajustes nas políticas, tais como a "dupla circulação", que coloca ênfase maior no mercado interno, ao contrário de ver a China como a "fábrica do mundo".

Passado e futuro se entrelaçam estreitamente na China: o que foi feito em dinastias anteriores ecoa no futuro. O melhor exemplo contemporâneo são as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) - o grande conceito chinês de política externa para o futuro previsível.

Tal como detalhado pelo Professor Wang Yiwei, da Universidade de Renmin, a ICR está em vias de dar nova forma à geopolítica, "trazendo a Eurásia de volta a seu lugar histórico ao centro da civilização humana". Wang demonstrou que as "duas grandes civilizações do Oriente e do Ocidente eram ligadas até que a ascensão do Império Otomano interrompeu a Antiga Rota da Seda".

O impulso marítimo europeu levou à "globalização por colonização", ao declínio da Rota da Seda, ao deslocamento do centro do mundo para o Ocidente, à ascensão dos Estados Unidos e ao declínio da Europa. Agora, afirma Wang, "a Europa se vê confrontada com uma oportunidade histórica de retornar ao centro do mundo com a revitalização da Eurásia".

E é exatamente isso que o Hegêmona fará o possível e o impossível para evitar.

Zhu e Chi

Seria justo afirmar que o contraparte histórico de Xi é o Hongwu imperador Zhu, fundador da dinastia Ming (1368-1644). O imperador gostava de apresentar sua dinastia como uma renovação chinesa apos o domínio mongol da dinastia Yuan.

Xi apresenta a mesma ideia como o "rejuvenescimento chinês": "A China era uma potência econômica mundial. Ela, no entanto, perdeu sua chance na esteira da Revolução Industrial e das mudanças radicais que daí derivaram, ficando assim para trás e sofrendo humilhações sob o jugo da invasão estrangeira... não podemos deixar que essa história trágica se repita".

A diferença é que a China do século XXI não se recolherá para dentro, como ocorreu sob a dinastia Ming. O paralelo para o futuro próximo seria a dinastia Tang (618-907), que privilegiou o comércio e as interações com o mundo externo.

Comentar a enxurrada de interpretações equivocadas provenientes do Ocidente é perda de tempo. Para os chineses, para grande parte da Ásia e para o Sul Global é muito mais relevante registrar que a narrativa imperial - "somos os libertadores da Ásia-Pacífico - foi totalmente desmoralizada.

Na verdade, é bem possível que o Presidente Mao acabe rindo por último. Como ele escreveu em 1957, "se os imperialistas insistirem em desencadear uma terceira guerra mundial, é certo que muitas centenas de milhões se voltarão para o socialismo, e então não sobrará muito espaço sobre a terra para os imperialistas. É também muito provável que toda a estrutura do imperialismo venha a cair por terra ".

Martin Jacques, um dos poucos ocidentais que de fato estudaram a China a fundo, apontou, com razão, que a "China, por cinco períodos separados, desfrutou de uma posição de preeminência - ou preeminência compartilhada - mundial: parte da dinastia Han, a dinastia Tang, possivelmente a Song, os primeiros tempos das dinastias Ming e Qing".

Historicamente, portanto, a China representa uma renovação e um "rejuvenescimento" contínuos (Xi). Estamos bem em meio a uma outra dessas fases - agora conduzida pela dinastia PCC que, incidentalmente, não acredita em milagres, mas em rigoroso planejamento. Os excepcionalistas ocidentais podem continuar a surtar 24/7 ad infinitum: isso não vai mudar o curso da história.