domingo, 14 de abril de 2019


A Inteligência Artificial pode substituir totalmente o homem biológico ?

Do Orgânico ao Inorgânico. O Futuro do Homem : Democracia ou Ditadura Digital ?

Palestra do Prof. Yuval Noah Harari, historiador e doutor pela Universidade de Oxford, autor do best-seller SAPIENS, em Davos, Suíça, no Forum Econômico Mundial 2018.

Quero falar hoje sobre o futuro da nossa espécie. E o futuro da vida. Nós somos provavelmente uma das últimas gerações do Homo Sapiens… dentro de um século ou dois a terra será dominada por entidades que são mais diferentes de nós do que nós somos dos chimpanzés ou neandertais… Porque nas futuras gerações aprenderemos como fabricar corpos, cérebros e mentes. Este será o principal produto da economia, da economia do séc. 21. E não têxteis, ou veículos ou armas, mas corpos e cérebros e mentes. Como exatamente parecerão os futuros mestres do planeta ? Isso será decidido pelas pessoas que possuem os dados….Os que controlam os dados controlam não apenas o futuro da humanidade mas o futuro da própria vida. Porque os dados são hoje as posses mais valiosas do mundo nos tempos antigos, a terra era a posse mais importante… e demasiada terra ficou concentrada nas mãos de poucas pessoas e a humanidade se dividiu em aristocratas e plebeus.

Então na era moderna, nos dois últimos séculos, as máquinas substituíram a terra como posse mais importante….E muitas máquinas se tornaram concentradas em poucas mãos….a humanidade se dividiu em classes, entre capitalistas e proletários. Agora os dados estão substituindo as máquinas como posse mais importante…. E se muitos dados se concentrarem em poucas mãos, a humanidade não se dividirá em classes, mas se dividirá em duas espécies, em diferentes espécies….

Por que os dados são tão importantes ? São importantes porque chegamos ao ponto que podemos hackear não apenas computadores, podemos hackear seres humanos e outros organismos. Há muitas conversas hoje em dia sobre hackear computadores e e-mails e contas bancárias e celulares, mas na verdade estamos conquistando a habilidade de hackear seres humanos….

O que você precisa para hackear um ser humano ? Você precisa de duas coisas. Você precisa de muito poder de computação e você precisa de muitos dados… especialmente dados biométricos. E não dados sobre o que eu compro, aonde vou…. Mas dados sobre o que está acontecendo dentro do meu corpo e dentro do meu cérebro…..

Até hoje, ninguém tinha o poder de computação necessário e os dados necessários para hackear a humanidade…..Mesmo se a KGB soviética ou a inquisição espanhola seguisse o mundo inteiro 24 hs por dia, vigiando tudo o que você faz, ouvindo tudo o que você diz, … ainda assim eles não teriam o poder de computação necessário e o conhecimento biológico necessário. Para fazer sentido do que está acontecendo dentro do seu cérebro e do teu corpo e entender como você se sente, e o que você pensa, e o que você quer,

Mas isso agora está mudando, por causa de duas revoluções simultâneas, de um lado avanços da ciência da computação. Especialmente o aprendizado das máquinas e a inteligência artificial estão nos dando o poder de computação necessário. E ao mesmo tempo, avanços em biologia e especialmente na ciência do cérebro, estão nos dando o entendimento necessário, entendimento biológico. Você na verdade pode ressumir 150 anos de pesquisas biológicas desde Charles Darwin, em três palavras: organismos são algoritmos.

E estamos aprendendo como decifrar estes algoritmos. Quando as duas revoluções se fundem, quando a revolução da tecnologia da informação se funde com a revolução da biotecnologia – o que você obtém é a capacidade de hackear seres humanos e talvez a invenção mais importante para a fusão das tecnologias biológica com a de informação é o sensor biométrico que traduz processos bioquímicos no corpo e no cérebro em sinais eletrônicos que um computador pode armazenar e analisar. E uma vez que você tenha o suficiente dessa informação biométrica e suficiente poder de computação você pode criar algoritmos que me conhecem melhor do que eu conheço a mim mesmo. A medida que você surfa na internet assiste vídeos ou surfa nas redes sociais, os algoritmos estarão monitorando o movimento dos seus olhos, a sua pressão sanguínea, a sua atividade cerebral e eles saberão, e poderão dizer para a Coca-Cola que se você quer vender para esta pessoa uma bebida borbulhante adocicada não use a publicidade com uma garota sem blusa, usa a publicidade com um homem sem camisa. Você nem sequer saberá o que está acontecendo. Mas eles saberão e esta informação custará bilhões.


Uma vez que tenhamos algoritmos que podem me compreender melhor do que eu mesmo, eles podem prever os meus desejos, manipular as minhas emoções e até mesmo tomar decisões por mim e se não formos cuidadosos o resultado disso pode ser o surgimento de ditaduras digitais.

No século 20, a democracia em geral superou a ditadura, porque a democracia era melhor em processar dados e tomar decisões…. Estamos acostumados em pensar em democracia e ditadura em termos éticos ou políticos…. Mas na verdade estes são dois métodos diferentes para processar informações. E democracia processa informação de uma forma distributiva, distribui a informação e o poder de tomar decisões entre muitas instituições e indivíduos. Por outro lado, as ditaduras, concentram toda a informação e poder em um único lugar. Dado as condições tecnológicas do sec. 20, o processo de dados funcionou melhor do que centralizar o processamento de dados, que é uma das principais razões porque a democracia superou as ditaduras, e do porquê a economia dos EUA superou a economia soviética. Mas isto é verdade apenas sob a condição tecnológica única do século 20. No século 21, a nova revolução tecnológica especialmente a inteligência artificial e aprendizado das máquinas podem balançar o pêndulo numa direção contrária. Elas podem centralizar o processamento de dados muito mais eficiente do que distribuir o processamento de dados.
E se a democracia não puder se adaptar à essas novas condições então os humanos viverão sob o governo de ditaduras digitais.

E já no presente estamos vendo a formação de regimes de vigilância mais e mais sofisticados por todo o mundo. Não apenas por regimes autoritários, mas também por governos democráticos também. Os EUA por exemplo estão construindo um sistema de vigilância global enquanto que o meu próprio país de Israel está tentando construir um regime de total vigilância no West Bank.
O controle de dados pode capacitar as elites humanas a fazer algo ainda mais radical do que apenas construir ditaduras digitais. Por hackear organismos, as elites podem conquistar o poder de redesenhar o futuro da própria vida porque uma vez que consiga hackear alguma coisa, você também pode reconstruí-la. E se de fato tivermos êxito em hackear e reconstruir a vida isso será não apenas a grande revolução da história da humanidade isso será a maior revolução em biologia desde o começo da vida há 4 bilhões de anos atrás. Por 4 bilhões de anos, nada mudou fundamentalmente, nas regras básicas que governam a vida. Toda a vida, por 4 bilhões de anos, dinossauros, amebas, tomates, humanos toda a vida estava sujeita às leis da seleção natural e das leis da bioquímica orgânica.

MAS ISTO ESTÁ PRESTES A MUDAR. A ciência está substituindo a evolução por seleção natural com evolução por design inteligente. Não o desenho inteligente de algum Deus sobre as nuvens mas o nosso design inteligente, e o inteligente design das nossas nuvens, da nuvem IBM, da nuvem da Microsoft, essas são as novas forças dirigentes da evolução. E ao mesmo tempo, a ciência pode capacitar a vida após estar confinada por 4 bilhões de anos, à esfera limitada de componentes orgânicos, a romper para dentro da esfera inorgânica. Então após 4 bilhões de anos de vida orgânica modelada pela seleção natural, estamos entrando na era da vida inorgânica moldada pelo design inteligente.

É por isso que a propriedade dos dados é tão importante. Se não a regularmos, uma pequena elite pode vir a controlar não apenas o futuro da sociedade humana mas modelar as formas de vida no futuro.

Daniel Miranda Soares é economista, ex-professor universitário, mestre pela UFV.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Um outro olhar sobre a crise : os bilionários americanos corrompem a política.  “Porque Pobreza?”....   “Park Avenue: Dinheiro, Poder e o Sonho Americano”

Resumo do documentário "Park Avenue" (acima referido) publicado por Daniel Miranda Soares em Fevereiro de 2015, no blogoosfero, blog do damirso.e originalmente publicado no Diário do Aço em 18/02/2015.



Pouca gente viu os excelentes documentários da série “Porque Pobreza?” que são exibidos em canais de TV educativos. Um deles é  “Park Avenue: Dinheiro, Poder e o Sonho Americano”  realizado pelo jornalista Alex Gibney, que analisa com cuidado as relações entre os novos ricos e os novos pobres nos EUA nos últimos 30 anos, tomando como modelo a rua Park Avenue. A rua passa por Manhattan onde ficam os prédios mais luxuosos de Nova York e onde moram bilionários detentores de fortunas financeiras, dos barões das falcatruas aos controladores de fundos de investimentos.  Do outro lado da rua, ao sul do Bronx, fica o distrito eleitoral mais pobre dos EUA com 700 mil pessoas - destas cerca de 40% vivem na pobreza. Aqui, os últimos 30 anos foram bem diferentes do que se viu no Park Avenue de Manhattan. As pessoas viram seus salários diminuirem e o custo de quase tudo chegar às alturas. Eles perderam seus empregos durante a recessão causada pelos banqueiros do outro lado do rio. E acabaram em situação ainda pior do que a geração passada. Neste distrito o desemprego chega a 19%  e algumas famílias tem dificuldades até para por comida na mesa.
       É muito difícil de sair da extrema pobreza nos EUA. Isto quase nunca acontece. Isto é exatamente o oposto do que as pessoas pensam sobre os EUA - a terra das oportunidades. Para Jeffrey Sachs (prof. da Columbia) quando ele era jovem os EUA se orgulhavam de serem uma nação de cidadãos de classe média, com um pequeno grupo de ricos e um pequeno grupo de pobres. Mas nos últimos 30 anos esta relação se inverteu:  a receita pública era divida igualmente entre todos no gráfico 1947-1972 (1% aos super ricos ,10% ricos e 90% destinada ao americano médio). A partir do final dos anos 70, os 90% que estavam na base viram sua pizza ser totalmente devorada pelos 1% do topo - os mais ricos estão ficando com um percentual enorme de todos os ganhos da economia : cerca de 2/3  com os super-ricos, os ricos cerca de 1/3 e a classe média ficando com a menor parte, perto de 1% - invertendo as posições.
       Michael Gross (autor do livro “740 Park Avenue...”) diz que um pequeno grupo de multibilionários, os 1% dos 1% que moram em pouquíssimos lugares em N.York. Entre os prédios mais luxuosos de NY, o nº 740 da Park Avenue moram mais bilionários do que em qualquer outro prédio do mundo. São 31 moradores e cada apartamento tem cerca de 1860m². A maior parte destes são executivos de hedge fund. Dentre os principais moradores encontramos: John Thain (CEO na época da derrocada Merril Lynch); Ezra Merkin que trabalhou para Bernie Madoff; David Koch (o mais rico do prédio) ; Steve Schwartzman (foi executivo do Lehman Brothers); entre outros. 
      O prof. Jacob Hacker (cientista político da Univ. de Yale) afirma que a gigantesca acumulação de riqueza não tem a ver só com o trabalho , mas com os ricos  que usam o sistema político a favor deles. Houve um ciclo que reforçou isso. Eles investiram em políticas que os favoreceram e ainda reinvestiram esse dinheiro na política. Para entender até que ponto o dinheiro influencia Washington, Gibney contatou o símbolo máximo da corrupção - o ex-lobista Jack Abramoff (ficou 4 anos na cadeia), que diz : “.... hoje os congressistas usam os serviços dos lobistas para redigirem os projetos de lei no esboço exato do que eles querem e isso envolve pagamento em dinheiro. As campanhas políticas custam milhões e quem tem dinheiro pede algo em troca. ... Eu fazia assim e eu sei o que fazia” -  afirma o ex-lobista. 
       Mas quando tudo isso começou ? Quando os ricos começaram a controlar Washington ? Segundo o prof. Hacker de Yale tudo tem a ver com a mobilização dos empresários que ocorreu nos anos 70.  Os empresários seguiram os conselhos do futuro juiz da Suprema Corte, Lewis Powell que fez um memorando muito convincente para a Câmara do Comércio determinando que os empresários se unissem, basicamente contra os reformistas e o poder político dos trabalhadores e líderes de massa como Ralph Nader. Ele pediu que as grandes corporações se esforçassem mais para moldar a política americana e as leis. E os empresários o atenderam. O poder lobista dos empresários cresceu vertiginosamente a partir dos anos 70  Eles investiram quantias enormes na política. O resultado foi o fim das políticas que beneficavam as classes médias e os pobres dando início às políticas a favor dos ricos. O lobby era uma indústria de US$400 milhões nos anos 80  e hoje é uma indústria de $4 bilhões.  
      Jeffrey Sachs (prof. da Columbia) : “Um exemplo da influência que os bilionários podem ter no governo é algo no código tributário chamado de “provisão de juros transitados”. Operadores de hedge fund e  private equity como Schwartzman pagam 15% de impostos sobre sua renda.... os empresários mais ricos são taxados em um percentual menor do que o mercadinho da esquina”. Os democratas tentaram acabar com estes juros, mas não conseguiram. Por quê ? A influência dos bilionários corromperam também os democratas: esse é o exemplo perfeito de como o dinheiro manda na política americana hoje em dia. 
      E nenhum dinheiro manda tanto quanto o de David Koch e seu irmão Charles. Esse magnata de direita é o morador mais rico do Park Avenue 740. Juntos, eles influenciam a política americana mais que qualquer outra pessoa. Doaram milhões a grupos de reflexão de direita (CATO Institute, Ayn Rand Institute, Capital Research Center, Mercatus Center,  etc.)  Financiaram Universidades, programas que promovessem a desregulamentação. Para eles o modelo ideal é um mercado livre de impostos - o supra sumo do paraíso em sociedade. Ofereceram grande apoio financeiro ao movimento Tea Party. que divulga muito as idéias de Ayn Rand que disse em 1959: “eu me oponho a todas as formas de controle, sou a favor de uma economia livre e sem regulamentações”. No mundo de Rand quem precisa de ajuda é um vagabundo ou um parasita. Quem quer ajudar os outros é um vilão. Seus heróis tem orgulho de serem os mais egoístas possíveis. Perguntaram a Ayn Rand : “você não gosta do mundo altruísta em que vivemos” ? Resposta: “dizer que não gosto é pouco, eu o considero um mal”. Para eles ser ganancioso é bom, o individualismo é prioridade em relação aos interesses da coletividade. Eles não aceitam a idéia de que se você é pobre e sua educação é ruim, você não tem a mesma oportunidade de competir que os ricos. Parece que os ideais da direita americana foram copiados pela direita brasileira - vide oposição que fizeram ao Bolsa Família, às cotas para universidades e a outros programas de distribuição de renda.
       Quase todos concordam que  educação é a chave para a  ascensão social, mas a universidade está cada vez mais inalcansável. O custo subiu mais de 500% desde 1980 - sem um diploma universitário é muito mais difícil conseguir trabalho. Com 12 milhões de americanos desempregados os programas de educação e treinamento estão sendo cortados por ambos os partidos em troca do corte de impostos para os ricos. Tim Smeeding (Instituto de Pesquisa e Pobreza) :  “1 em cada 7 americanos recebem vales-alimentação. Mais da metade são crianças e idosos: 41% deles moram em abrigos”. Como não conseguem emprego eles precisam da rede de proteção. Paul Ryan, estrela do Tea Party, quer cortar em 134 bilhões o programa de vale-alimentação nos próximos 10 anos - sem estes recursos a rede de proteção seria destruída - para ele a rede de proteção é uma rede de dormir. Ou seja, bolsa de ajuda para os pobres é Bolsa Vagabundagem como diz também a direita brasileira.
       Para Jeffrey Sachs: “Os impostos são o preço que pagamos pela civilização. Sem impostos não há civilização é simples assim....Os impostos pagos pelos milionários diminuíram mais de 25% nos últimos 20 anos. E para muitas pessoas extremamente ricas os impostos caíram quase 50%.” A maior parte começou no governo Bush. O corte de impostos aumentou a dívida pública americana (o corte de Bush acrescentou 2,9 trilhões) e com a proposta de Paul Ryan a dívida aumentaria para 4,6 trilhões nos próximos 10 anos. A concentração de renda aumentou nos EUA: os CEOs (altos executivos) ganhavam 20 vezes mais que um trabalhador comum em 1965; hoje eles ganham 231 vezes mais. Então, pergunta Gibney, o que está havendo ? Eles estão ganhando mais porque merecem ? O que é difícil de entender é na insistência dos ricos em cortar mais impostos já que eles possuem bem mais do que nós.  A riqueza é criada, mas a pobreza também, sem a democracia social todos os ganhos da economia vão para quem está no topo; enquanto nossos políticos dependerem do dinheiro dos ricos para se elegerem eles farão leis para proteger os castelos de riqueza do outro lado do rio....Um rio que se tornou um fosso profundo e proibido.

Daniel Miranda Soares é economista, Msc; ex-professor universitário.


"THE CORPORATION" (2003) - O Grande Documentário 

Resumo do documentário publicado por Daniel Miranda Soares em Outubro de 2013, originalmente no blogoosfero, blog do damirso.
O COMPORTAMENTO PSICOPATA DAS GRANDES CORPORAÇÕES

O documentário “The Corporation” (2003), super atual, milhões de acessos na internet, foi produzido por 200 pessoas em 8 anos, o mais popular do Canadá, recebeu 10 prêmios internacionais; entrevista grandes intelectuais e jornalistas, tais como Noam Chomsky, Jeremy Rifkin, Michael Moore, Vandana Shiva (ativista ecológica indiana) entre outros.

documentário examina a natureza, a evolução, o impacto e o possível futuro da corporação moderna. Há 150 anos atrás as Grandes Corporações tinham um papeinsignificante, hoje elasão ONIPRESENTESNo início era um grupo licenciado pelo Estado para explorar uma tarefa; como um grupo reunido para construir uma ponte; havia poucos desses grupos nos EUA . Tinham regras muito claras colocadas pelo Estado: por quanto tempo operavam, qual o valor do capital, os grupos não faziam nada mais do que estava contratado; não podiam possuir outra corporação; podiam ser responsabilizados, tanto na lei quanto nos fatos. As corporações eram consideradas um presente do povo para servir o bem público.

A 14ª Emenda foi aprovada no final da Guerra Civil dos EUA, para dar direitos iguais aos negros. O Estado não podia tirar a vida a liberdade e a propriedade dos negros. As corporações aproveitaram e disseram que você não pode tirar a vida a liberdade de uma pessoa, “nós somos uma pessoa” e a Corte Suprema aceitou isso. Um grupo quer investir seu dinheiro numa empresa, então ele pede licença para ser uma corporação. O governo concede essa licença a corporação opera legalmente como uma pessoa, uma pessoa jurídica. tem muitos dos direitos de uma pessoa – pode comprar e vender propriedades, fazer empréstimos. Pode processar e ser processada. Pode conduzir um negócio. Tendo ela obtido os direitos de uma pessoa, a pergunta é: “que tipo de pessoa é uma corporação?”. Corporações tem os direitos de pessoas imortais, mas são pessoas especiais, pessoas sem consciência moral, são um tipo especial de pessoa. O problema com os cidadãos corporativos é que eles são diferentes de nós, como disse o barão inglês Thurlow “elas não tem alma a salvar e nem corpo a ser preso”Elas tem uma característica perturbadora: a lei exige que os interesses financeiros dos donos estejam acima dos demais interesses, uma corporação é obrigada a por seus interesses acima de tudo. Até do bem público. Não é uma lei da natureza é uma decisão específica, judicial. As corporações só querem crescer e serem lucrativas. Agindo assim, elas se tornam mais lucrativas, pois fazem os demais pagarem por seu impacto na sociedade.

Há uma palavra terrível usada pelos economistas: “externalidades” : externalidade é o efeito da transação de duas pessoas sobre outra que não consentiu ou participou da transação. Sem dúvida, há grandes problemas nesta área: conduzir um negócio é difícil, há sempre custos a serem cortados, a uma certa altura a corporação diz : que alguém mais faça isso : que alguém mais forneça poder militar ao Oriente Médio, para proteger o petróleo na fonte, que alguém mais construa as estradas para nossos automóveis, que alguém mais cuide desses problemas, pois tenho os meus próprios. Para determinar o que leva a corporação a agir como uma máquina externalizadora podemos analisá-la como um psiquiatra faria com um paciente. Podemos elaborar um diagnóstico tendo como base casos típicos de males causados a terceiros selecionados de um universo de atividade corporativa.

Lista de Diagnóstico da Personalidade, segundo a Organização Mundial da Saúde e o Manual de Distúrbios Mentais: 1) “Descaso pelos sentimentos alheios” ; 2) “Incapacidade de manter relações duradouras” ; 3) “descaso pela segurança alheia”; 4) insinceridade: “repetidas mentiras e trapaças para obter lucro” ; 5) “Incapacidade de sentir culpa” ; 6) “incapacidade de seguir as normas sociais de conduta dentro da lei”. ...
Dr. Robert Hare, Ph.D. (consultor do FBI sobre psicopatas): uma das perguntas recorrentes é até que ponto uma corporação pode ser considerada PSICOPATAPodemos analisar as características que definem esse distúrbio e ver como elas podem se aplicar às corporações. Em muitos aspectos a corporação é o psicopata típicoSe a instituição dominante de nosso tempo foi criada à imagem de um psicopata, quem é o responsável moral por suas ações ?

O documentário em seguida apresenta uma série de externalidades que comprovam a Psicopatia das Corporações. Entre elas : 1) exploração de mão de obra barata e infantil no Terceiro Mundo, pagando salários aviltantes, sem se importar com direitos humanos, exploração de menores e mulheres e homossexuais ; 2) Mal à saúde humana. Samuel Epstein: “não tenho dúvidas, tenho documentos que comprovam, que a grande indústria é a responsável por essa avassaladora epidemia onde um em cada dois homens contraem câncer, onde uma em cada três mulheres contraem câncer”. Resultado do consumo de produtos tóxicos, produtos químicos sintéticos (DDT, rBGH, Posilac) : DDT e produtos petroquímicos para aplicar na lavoura como fungicidas, pesticidas,etc. geram câncer, defeitos de nascença e outros efeitos tóxicos. As empresas sabem disso. Pelo menos a maioria sabe e tenta banalizar esses riscos. 3) Mentiras. Existe um processo de dois jornalistas da Fox que provaram os efeitos nocivos no leite, contra a Monsanto e foram demitidos, porque não aceitaram mentir sobre o caso. O nome comercial Posilac, é usado em mais de 25% das vacas leiteiras dos EUA, segundo a Monsanto. O leite é bebido por grande parte dos americanos pois o FDA declarou que é seguro por vacas e humanos. Enganaram o FDA, apresentando diagnósticos alterados, ou eles se deixaram enganar. Na época a Monsanto dizia: “não há provas de efeitos nocivos, não usamos antibióticos.” E isto mostrou claramente que eles mentiram. ….O Canadá e a Europa mantiveram a proibição do rBGH, mas ele continua escondido na maior parte do leite dos EUA. …..A Monsanto perdeu o caso do agente Laranja, para soldados americanos que participaram da guerra na Indochina (a população nativa não foi indenizada) mas nunca admitiu a culpa ; 4) praticamente todas as grandes corporações já pagaram multas por diversos abusos: poluição, monopólio, abuso trabalhista, etc. Novamente temos o problema da capacidade de seguir as normas e a lei. A questão é o custo. Se a chance de ser descoberto e a multa forem menores do que o custo de seguir a lei, as pessoas vêem isso como uma decisão comercial. Incapacidade de seguir as normas sociais de conduta dentro da lei.

Dra. Vandana Shiva (ativista ecológica indiana): “A corporação não é uma pessoa, ela não pensa. As pessoas nela pensam e para elas é legítimo criar uma tecnologia exterminadora. Para que fazendeiros não consigam salvar suas sementes – sementes que se autodestruirão através de um gene suicida. Sementes criadas para produzir somente uma colheita por estação. É preciso ter uma mente brutal. É uma guerra contra a evolução pensar nesses termos. Para eles o lucro tem muito mais importância.” …

Chomsky: “corporação precisa transformar a população em consumidores inconscientes de produtos que não desejam. É preciso desenvolver desejos. Então é preciso criar desejos. Impor uma filosofia da futilidade.O ideal é ter indivíduos desassociados entre si, cuja concepção de si mesmos, o senso de valor é a quantidade de desejos que consegue satisfazer.  ...

Michael Moore : “a incrível falha do capitalismo. O ditado diz que o rico venderá a corda para se enforcar se ele achar que lucrará com isso. Sou parte da corda. Eles também acham que quando as pessoas assistirem este filme... elas verão o filme e não farão nada....porque fizeram um bom trabalho entorpecendo suas mentes.... tornando-as idiotas, e elas jamais farão algo....não deixarão o sofá para tomar uma ação política. Eu acho o oposto. Estou convencido de que alguns deixarão o cinema sairão do sofá e farão algo para retomar o mundo.” …

Em Arcata, Califórnia, 61% da população votou pela discussão pública sobre se a democracia é possível com as corporações tendo tanta riqueza e poder. Eles votaram pela formação de um comitê para assegurar o controle democrático sobre as corporações.

Daniel Miranda Soares é economista, administrador público aposentado, ex-professor universitário.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

O PROFISSIONAL DO FUTURO

24 de Janeiro de 2019, 18:08, por Daniel Miranda Soares -
O PROFISSIONAL DO FUTURO - Michelle Schneider
TED’S TALK - FAAP….YOUTUBE. Jun/2018.

Especialistas prevêem que o profissional do futuro – daqui a 20, 30 anos – terá um perfil sofisticado, inteligente e técnico, mas também humano e emotivo… Muito ao contrário do que afirmam os brucutus da Escola Sem Partido…. Ele terá que ser mais humano, mais criativo e ter um pensamento crítico, democrático e social, trabalhando em equipe. (abstract).

A tecnologia vai excluir dezenas de milhares de pessoas em todo o mundo…. Este é um problema global que afeta todo o planeta….muita gente não faz idéia do tamanho e importância desta cultura tecnológica que está para acontecer….. a mudança já começou e vai se intensificar demais nos próximos 10, 20 anos….. EM 20 ANOS 47% DOS EMPREGOS TERÃO DESAPARECIDO, segundo a Universidade de Oxford…… e não é só motorista, operadores de telemarketing e condutores…. Professores, médicos e advogados também estão nesta lista….um site de saúde nos EUA já recebem mais visitas do que todos os médicos americanos….. mesma coisa robôs resolvem conflitos na área de direito substituindo advogados e juízes…..O VATICANO CONCEDEU A PRIMEIRA LICENÇA DIGITAL em um aplicativo chamado CONFISSÃO ajudando as pessoas a se prepararem para confessar…. De um lado milhões de empregos estão desaparecendo…..muitos novos empregos vão surgir….mas existe um ponto….

Se olharmos para a trajetória da REVOLUÇÃO INDUSTRIAL em que trabalhadores foram substituídos pelas máquinas….isto geralmente aconteceu em trabalhos de baixa qualificação….os trabalhadores agrícolas (que eram 80% das vagas de emprego) passaram a ocupar as vagas na INDÚSTRIAS….nas linhas de montagem…..QUANDO ESTES EMPREGOS DAS LINHAS DE MONTAGEM COMEÇARAM A SER AUTOMATIZADOS TAMBÉM…. Eles passaram da linha de montagem para os SERVIÇOS de baixa qualificação, que é onde eles estão hoje. ….OU SEJA, a economia sempre deu um jeito…. E o desemprego no futuro ? Inteligência artificial substituindo humanos em empregos de alta qualificação ? No futuro a exigência é de alta qualificação…. Isto faz com que o mundo caminhe para uma DESIGUALDADE jamais vista antes…. Porque os mais afetados serão as pessoas de baixa qualificação e de baixa renda…. E aí o que que a gente faz com tanta gente que vai ficar sem emprego ? Muita gente fala que a solução para isso seria criar uma renda básica universal.

Grandes nomes do Vale do Silício são a favor desta medida….forma de compensar o desemprego gerado pela automação….. MAS não está claro o que é universal e nem o que é básico…. Imaginem vocês que a IA vai excluir milhões de trabalhadores escravos em Bangladesh… quem vai pagar a renda básica deles ? Será que EUA e Europa vão recolher impostos para pagar renda básica dos habitantes de lá ? Isto não vai acontecer….. e o que é básico? Alimentos, educação ? E quem tem PHD ? O que compõem esta cesta é uma questão delicada. A gente está falando de uma enorme classe de pessoas ociosas… e ainda tem as questões que vão surgir, tipo stress, suicídio, etc. Que vão se agravar com a falta do que fazer…..

ENTÃO COMO A GENTE SE PREPARA PARA ESTE MUNDO QUE A GENTE AINDA NEM SABE O QUE VAI SER ?….. Afinal quais são os empregos do futuro ? Ainda não se sabe ao certo…. Mas há 12 anos atrás ninguém sabia que ia surgir o UBER, p.ex…. a gente ainda não tem como dizer quais serão os empregos do futuro.

65% DAS CRIANÇAS HOJE - ALUNOS DO ENSINO BÁSICO E MÉDIO - VÃO TRABALHAR EM PROFISSÕES QUE AINDA NÃO EXISTEM.. (Fonte: Forum Econômico Mundial).. Mas então como as pessoas das Universidades se preparam diante de um futuro tão incerto ? Tem muita coisa acontecendo, muita coisa interessante…. p.ex. no Vale do Silício, existem escolas sem professores, crianças super dotadas que aprendem com projetos… etc…. Mas o que mais me chamou a atenção foi uma escola chamada Minerva School,eles tem um foco muito grande em desenvolver habilidades comportamentais de seus alunos….. foi a primeira vez na vida que eu ouvi dizer que as profissões do futuro não terão apenas habilidades técnicas…. e sim as habilidades comportamentais…. Uma vez que com a IA os robôs poderão aprender qualquer habilidade técnica….mas não tão cedo poderão desenvolver suas habilidades comportamentais…. O World Economic Forum reportou e apresentou quais seriam as 10 mais importantes habilidades do futuro e confirmou que todas elas sem exceções serão habilidades comportamentais….

VEJAM A LISTA DAS 10 MAIS IMPORTANTES HABILIDADES PARA O FUTURO:
1. Resolução de Problemas Complexos;
2. Pensamento crítico ;
3. Criatividade;
4. Lideranças e gestão de pessoas;
5. Trabalho em equipe;
6. Inteligência Emocional;
7. Julgamento e tomada de decisões;
8. Orientação a serviços;
9. Negociação;
10. Flexibilidade cognitiva.

Esse profissional do futuro vai ter que saber COMO pensar e não mais O QUE pensar. A maioria das universidades ensina o que pensar, mas não COMO…. Isto não quer dizer que não vamos desenvolver habilidades técnicas….vamos sim….e as chances das novas habilidades vão ter ligações com a tecnologia….
PORÉM o profissional do futuro vai ter que aprender para sempre…. Sempre se atualizando e aprendendo até muitas outras novas profissões…. Dizem que o profissional do futuro vai ter até 5 carreiras ao longo da vida…. Alvin Tofler disse que o analfabeto do século 21 será aquele que não souber aprender a reaprender, desaprender e aprender novamente….
Nós humanos hoje estamos ficando cada vez melhores em entender o cérebro e a inteligência…. As pessoas confundem INTELIGÊNCIA com CONSCIÊNCIA…. Inteligência é a capacidade para resolver problemas e consciência é a capacidade de sentir….A GENTE ESTÁ CRIANDO INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL MAS A GENTE NÃO ESTÁ CRIANDO CONSCIÊNCIA ARTIFICIAL… Em 2019 um computador vai se tornar tão inteligente quanto nós seres humanos… e em 2045 um único computador vai ser mais inteligente do que toda a humanidade junta…. PORÉM não há nenhum indício de que estes computadores vão se tornar CONSCIENTES… eles não vão poder sentir… porque é isso que vai diferenciar a gente do computador…. do robô… a gente está cada vez mais desenvolvendo nossas técnicas e esquecendo de olhar pra dentro da gente… cada vez mais nos cobram para ser mais competitivo, mais inteligente, mais técnico…. Mas ninguém ensina a gente a lidar com nossas EMOÇÕES….

SE A GENTE NÃO APRENDER QUE A FELICIDADE NÃO ESTÁ EM TER MAS TAMBÉM EM SER nós vamos continuar mais e mais robôs não humanos… não é preciso ter um robô para agir como humano… Quem será o profissional do futuro ? Pra mim o profissional do futuro vai sim desenvolver as habilidades técnicas mas se ele não desenvolver o seu perfil interno….a chance dele ter uma vida medíocre e infeliz será muito grande…. EM OUTRAS PALAVRAS O PROFISSIONAL DO FUTURO NADA MAIS É DO QUE O SER HUMANO DO FUTURO…. Como profissional eu, particularmente respondia demandas… demandas da sociedade, da família, do trabalho… menos as minhas…. Até porque eu não tinha a menor idéia de quais eram minhas próprias vontades… e só atendia as expectativas dos outros…. E HOJE QUANDO ME PERGUNTAM O QUE É QUE ME FEZ ACORDAR DE TUDO ISSO…. EU DIGO QUE FOI O AMOR…. O amor em perceber, descobrir e aceitar as belezas de minhas próprias imperfeições…...E vocês ?

OBRIGADA (Michelle Schneider).

A ELITE DO ATRASO - trechos do livro de Jessé Souza

5 de Dezembro de 2018, 19:09, por Daniel Miranda Soares - 
A ELITE DO ATRASO trechos do livro de Jessé Souza.
(Livro: A Elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato. Um livro que analisa o pacto dos donos do poder para perpetuar uma sociedade cruel forjada na escravidão. Jessé Souza. Editora Casa da Palavra. Rio, 2017.)

RACISMO, CULTURALISMO E A TEORIA DA MODERNIZAÇÃO.
A colonização da elite brasileira mais mesquinha sobre toda a população só foi e é ainda posssível pelo uso, contra a própria população indefesa, de um racismo travestido em culturalismo que possibilita a legitimação para todo ataque contra qualquer governo popular.
Todo racismo, inclusive o culturalismo racista dominante no mundo inteiro, precisa escravizar o oprimido no seu espírito e não apenas no seu corpo. Colonizar o espírito e as idéias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso.

No mundo moderno, a dominação de fato tem que ser legitimada cientificamente. Quem atribui prestígio hoje em dia a uma idéia é o prestígio científico, assim como antes era o prestígio religioso ou supostamente divino. É a ciência hoje, mais que a religião, quem decide o que é verdadeiro ou falso no mundo. Por conta disso, toda informação midiática, no jornal ou na TV, procura se legitimar com algum especialista na matéria que esteja sendo discutida. ….é a posse do que é tido como verdadeiro que permite também se apoderar do que é percebido como justo e injusto, honesto ou desonesto, correto ou incorreto, bem ou mal e assim por diante…...Não por acaso, a dominação do culturalismo racista é um efeito da dominação americana a partir do século XX…..o racismo cultural americano vai substituir – com enormes vantagens – o racismo fenotípico ou racial do racismo científico que vigorou no colonialismo europeu…

O novo racismo culturalista americano foi implementado como política de Estado e não foi deixado à ação espontânea de ninguém. A teoria da modernização recebeu dinheiro pesado do departamento de Estado americano sob o comando de Harry Truman no pós-guerra, para se tornar paradigma universal. A partir daí, a teoria da modernização americana virou uma espécie de coqueluche mundial. Milhares de trabalhos foram realizados nas duas décadas seguintes… e os EUA viraram modelo universal para o planeta. Todos os outros países eram uma espécie de realização incompleta desse modelo. ….. Mas no Brasil onde a comparação com os EUA foi a obsessão de todos os intelectuais desde o começo do século XIX, a elaboração de nosso culturalismo racista invertido (contra nós mesmos) foi realizada por mãos nativas...a elaboração de teorias racistas que nos rebaixam e humilham foi relativamente independente do movimento internacional…..

Assim enquanto na década de 1930, Talcott Parsons dava os primeiros passos em seu engenhoso esquema da teoria da modernização no mundo e construia a imagem dos americanos superiores como objetivos, pragmáticos, antitradicionais, universalistas e produtivos…..no Brasil a sua contraparte “vira-lata”…nossos pensadores mais influentes iriam construir o brasileiro como pré-moderno, tradicional, particularista, afetivo e com uma “tendência irresistível à desonestidade.”…. Gilberto Freyre foi a figura demiúrgica desse período…. Freyre foi o criador do paradigma culturalista brasileiro vigente até hoje dominado pelas falsas idéias da continuidade com Portugal e da emotividade como traço singular dessa cultura. ….Freyre literalmente construiu a versão dominante da identidade nacional em um país que, antes dele, não tinha construído nada realmente eficaz nesse sentido. … Sérgio Buarque de Holanda vai aproveitar todas as idéias de Freyre…. Todo o esforço de Freyre em ver aspectos positivos ou pelo menos ambíguos no que ele via como “legado brasileiro” foi invertido e transformado em unicamente negativo…. Sérgio Buarque constrói a idéia do “homem cordial” como expressão mais acabada do brasileiro…. O culturalismo racista, na versão vira lata de Buarque se torna o porta-voz oficial do liberalismo conservador brasileiro. …. a legitimação perfeita para o tipo de interesse econômico e político da elite econômica que manda no mercado e se tornaria a interpretação dominante da sociedade brasileira até hoje.

Sérgio Buarque ao negar Freyre, aceita a vira-latice do brasileiro como lixo da história de bom grado e degrada e distorce a percepção de todo um povo como intrinsecamente inferior. E ainda tira onda de crítico, seguido por cerca de 90% da intelectualidade nacional, por ter supostamente descoberto as razões da fraqueza nacional. O embuste se torna completo por ter também inventado o conceito mais fajuto e mais influente de todo o pensamento social brasileiro , que é a noção de patrimonialismo. O patrimonialismo defende que o Estado no Brasil é um alongamento institucionalizado do homem cordial e tão vira lata quanto ele. Abriga elites que roubam o povo e privatizam o bem público…. Essa noção é um contrabando malfeito da noção weberiana inutilizável no caso brasileiro…..mas esta noção se tornou dominante…. É a própria interpretação dominante dos brasileiros sobre si mesmo, seja na direita seja na esquerda do espectro político. ….os discípulos apenas repetem o paradigma….é a visão da singularidade brasileira a partir do homem cordial, do homem emotivo como negatividade e como potencialmente corrupto, já que dividiria o mundo entre amigos e inimigos e não de modo “impessoal”…. O Estado patrimonialista seria a principal herança do homem cordial e principal problema nacional. ….. está criada a ideologia do vira lata brasileiro, inferior, posto que percebido como afeto e, portanto, como corpo, opondo-se ao espírito do americano e europeu idealizado, como se não houvesse personalismo e relações pessoais fundando todo tipo de privilégio também nos EUA e Europa. …..

A emoção nos animalizaria, enquanto o espírito tornaria divinos americanos e europeus.
Como seres divinos os americanos seriam seres especiais que põem a impessoalidade acima de suas preferências, explicando com isso a excelência de sua democracia, assim como sua honestidade e incorruptibilidade. O capital do homem cordial é o capital de relações pessoais, ou aquilo que Roberto DaMatta, discípulo de Sérgio Buarque como quase todos, chamaria mais tarde de “jeitinho brasileiro”, uma suprema bobagem infelizmente naturalizada pela repetição e usada como explicação fácil em todos os botecos de esquina do Brasil. …. Sua explicação nega portanto a origem de toda a desigualdade que separa classes com acesso privilegiado aos capitais econômico e cultural das classes que foram excluídas de todo acesso a esses capitais.

Mas Sérgio Buarque cria muito especialmente a “Geni” brasileira….que seria o Estado sempre corrupto. O mercado é divinizado pela mera oposição com o Estado definido como corrupto, e sua corrupção tanto “legal” quanto “ilegal”, tornada invisível. Sérgio Buarque ao localizar a “elite maldita” no Estado, torna literalmente invisível a verdadeira elite de rapina que se encontra no mercado. O Estado se torna o suspeito preferido de todos os malfeitos…..essa idéia favorece os golpes de Estado baseados na corrupção seletiva…. Como acontece até hoje, essa concepção tornou possível fazer do mote da corrupção apenas do Estado o núcleo de uma concepção de mundo que permite a elite mais mesquinha fazer todo um povo de tolo. Todo brasileiro aprende na formação escolar a perceber o Brasil com os pressupostos envenenados desta teoria culturalista e da corrupção só no Estado e assim não perceber os reais problemas brasileiros. É por meio desses “óculos” composto por idéias que se tornam tão óbvias que não mais refletimos sobre elas, que não mais percebemos o mundo que nos rodeia.

Restou à mídia apenas o trabalho facilitado de selecionar contra quem seria mobilizado o ataque moralista conservador que nossos intelectuais construíram contra o povo e em benefício de uma ínfima elite….. Sem esse consenso intelectual prévio a mídia não poderia ter sido tão eficaz na sua obra de fraudar sistematicamente a realidade para a legitimação da trama do golpe de 2016.

A ESCRAVIDÃO MODERNA….O excluído, majoritariamente negro e mestiço, é estigmatizado como perigoso e inferior e perseguido não mais pelo capitão do mato, mas, sim, pelas viaturas de polícia com licença para matar pobre e preto. E essa continuação da escravidão com outros meios se utilizou e se utiliza da mesma perseguição e da mesma opressão cotidiana e selvagem para quebrar a resistência e a dignidade dos excluídos. O resumo dessa passagem dramática entre as duas formas de escravidão pode ser visto deste modo: como a escravidão exige a tortura física e psíquica cotidiana como único meio de dobrar a resistência do escravo a abdicar da própria vontade, as elites que comandaram esse processo foram as mesmas que abandonaram os seres humilhados e sem auto estima e autoconfiança e os deixaram à própria sorte. Depois, como se não tivessem nada a ver com esse genocídio de classe, buscaram imigrantes com um passado e um ponto de partida muito diferente para contraporem o mérito de um e de outro, aprofundando ainda mais a humilhação e a injustiça. Esse esquema funciona até os dias de hoje, sem qualquer diferença. Esse abandono e essa injustiça flagrante é o real câncer brasileiro e a causa de todos os reais problemas nacionais.

O Brasil passou de um mercado de trabalho escravocrata para formalmente livre, mas manteve todas as virtualidades do escravismo na nova situação. Os ex-escravos da “ralé de novos escravos” continuam sendo explorados na sua “tração muscular”, como cavalos aos quais os escravos de ontem e de hoje ainda se assemelham. Os carregadores de lixo das grandes cidades são chamados literalmente, de cavalos. O recurso que as empregadas domésticas usam é, antes de tudo, o corpo, trabalhando horas de pé em funções repetitivas, com a barriga no fogão quente, do mesmo modo que faxineiras, motoboys, cortadores de cana, serventes de pedreiros, etc. Uma classe reduzida ao corpo, que representa o que há de mais baixo na escala valorativa do Ocidente. ….essa mesma classe, do mesmo modo que os escravos, é desumanizada e animalizada. A ralé de novos escravos será não só a classe que todas as outras vão procurar se distinguir e se afastar, mas, também, vão procurar explorar o trabalho farto e barato.

NADA DE NOVO EM RELAÇÃO AO PASSADO ESCRAVISTA. Ela permite que todas as classes acima se sintam superiores a ela e possam explorá-la se possível sem limites legais. A reação violenta da classe média à lei das empregadas domésticas, que procura limitar e garantir direitos mínimos, comprova sobejamente o que estamos dizendo. A grande questão econômica, social e política do Brasil é a existência continuada dessa ralé de novos escravos….. A escola republicana igual para todos, conquistada pelos franceses a partir da Revolução Francesa, jamais aconteceu entre nós. Iniciativas como a escola de tempo integral de Brizola, foram destruídas no nascedouro com apoio da mídia elitista, como sempre, com a Rede Globo à frente. A tentativa light petista de melhorar minimamente as condições dessa classe levou ao golpe de 2016 com amplo apoio midiático da classe média e até de setores populares. ….. se um governo existir para redimí-los (a ralé de novos escravos) deve ser derrubado sob qualquer pretexto de ocasião. … pois é necessário continuar a escravidão com outros meios….. é isso que explica o golpe recente no seu conteúdo mais importante e mais assustador. … Por que nossa elite trata a ralé dos novos escravos como sub-humanos com tamanha violência material e simbólica e não os consideram seres humanos ? Essa é a principal herança da escravidão para o Brasil moderno….a naturalização de um ódio tão mesquinho em circunstâncias modernas…..essa é a grande questão brasileira do momento… nenhuma outra se compara a ela em magnitude e urgência.

A OPERAÇÃO LAVA-JATO foi desde seu começo uma caça aos petistas e a seu líder maior, como forma de garantir e assegurar a mesma distância social em relação aos pobres que não os torne tão ameaçadores como eles haviam se tornado com Lula. O maior perigo representado pelos pobres foi quando eles começaram a poder entrar para a universidade pública, reduto dos privilegiados da classe média, pois durante a administração do PT aumentou de 3 para 8 milhões o número de matriculados. Se não fosse essa a razão, o que faria os “camisas amarelas” ficarem em casa quietinhos, agora, em meados de 2017, quando a corrupção real mostra sua pior face ? Se fosse a corrupção que indignasse esse povo, o panelaço deveria ser ensurdecedor agora, não concorda, caro leitor ? É a seletividade da corrupção não só apenas no Estado, mas apenas dos partidos de esquerda, que querem diminuir a distância entre as classes sociais, o que verdadeiramente move e comove nossos “camisas amarelas”.

PATRIMONIALISMO E ESCRAVIDÃO. A noção de patrimonialismo passa a ser fundamental exatamente por sua imprecisão conceitual. Ela está no lugar da noção de escravidão e serve para tornar invisíveis as relações sociais de humilhação e subordinação criados nesse contexto. ….Somos nós brasileiros, portanto, filhos de um ambiente escravocrata, que cria um tipo de família específica, uma Justiça específica, uma economia específica. Aqui valia tomar a terra dos outros à fôrça para acumular capital, como acontece até hoje, e condenar os mais frágeis ao abandono e à humilhação cotidiana. Isso é herança escravocrata e não portuguesa. O patrimonialismo, percebido como herança portuguesa, substitui a escravidão como núcleo explicativo de nossa formação. Essa é sua função real. Por conta disso, até hoje, reproduzimos padrões de sociabilidade escravagistas, como exclusão social massiva, a violência indiscriminada contra os pobres, chacinas contra pobres indefesos que são comemoradas pela população, etc. O patrimonialismo esconde as reais bases do poder social entre nós…..uma noção do senso comum, uma noção absurda, mas tida como verdade acima de qualquer suspeita – a noção de que a elite poderosa está no Estado, com isso invisibilizando a ação da elite real, que está no mercado. O conceito de patrimonialismo serve para encobrir os interesses organizados no mercado. A real função da noção de patrimonialismo é fazer o povo de tolo e manter a dominação mais tosca e abusiva de um mercado desregulado completamente invisível.

A elite do atraso e seu braço midiático fazem parte, portanto, do mesmo esquema de depenar a população em seu benefício. É o que explica a constante necessidade de criar espantalhos para desviar a atenção do público do que lhe é surrupiado e explicar a penúria que seu saque provoca por outras causas. O espantalho da criminalização da política só serve para que a economia dispense a mediação da política e ponha seus lacaios sem voto e que se vangloriam de sua impopularidade vendida como cartão de visitas para a elite do atraso,…. Já o espantalho da criminalização da esquerda e do princípio da igualdade social só serve para que a justa raiva e o ressentimento da população, que sofre sem entender os reais motivos do sofrimento, percam sua expressão política e racional possível.

MÍDIA E BOLSONARO. Foi assim que a mídia irresponsável possibilitou e pavimentou o caminho para a violência fascista do ódio cego dos bolsonaros da vida. O ódio fomentado todos os dias ao PT e a Lula produziu, inevitavelmente, Bolsonaro e sua violência em estado puro, agressividade burra e covarde. Agora, uma população pobre e à mercê de demagogos religiosos está minando as poucas bases civilizadas que ainda restam à sociedade brasileira. Essa dívida tem que ser cobrada da mídia que cometeu esse crime. …. A conta do ódio aos pobres foi o empobrecimento de todos. Será que valeu a pena tudo isso para pagar salários de fome às empregadas domésticas e não ver mais pobres nos aeroportos, nos shopping centers e, principalmente, nas universidades ? Afinal, a educação, a saúde e a previdência, agora sucateadas pelo Estado capturado, abrem caminho para que essas áreas se tornem o novo negócio dos bancos…. Será que vale a pena tudo isso para manter os escravos no seu lugar ?

Daniel Miranda Soares é economista, ex-professor e mestre pela UFV.