quarta-feira, 7 de abril de 2021

 

O IMPÉRIO ACUSA A CHINA DE GENOCÍDIO USANDO A 

MENTIRA COMO MÉTODO


Nova” Guerra Fria e o velho método da mentira

Vinte anos após mentirem sobre o Iraque, mídias ocidentais “denunciam” suposta perseguição aos uigures na China. O que há por trás de relatórios “independentes” cujas fontes são a CIA e a extrema direita. Até onde pode chegar a escalada?

Por Ajit Singh, em The Grayzone. Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.

25 de março, 2021 - publicado em Outras Palavras


Nos Estados Unidos os grupos dirigentes sempre buscaram inimigos externos como fator de equilíbrio político interno. As agressões foram apresentadas como defesa dos “valores ocidentais”.A opressão na Arábia Saudita é aceita, enquanto o Iraque é invadido para nos “proteger das armas de destruição de massa.” As ditaduras na América Latina foram apoiadas para nos proteger do comunismo.

Hoje está sendo construída uma guerra ideológica contra a China, em nome da defesa de direitos humanos.

Ajit Singh mostra como se montou a narrativa. Lembremos que os EUA têm 4% da população mundial, e 25% da população carcerária, cerca de 2,5 milhões de pessoas, com forte dominância de jovens negros e latinos. Pelo jeito, há direitos e direitos, dependendo de onde se situam. Os direitos humanos são essenciais, mas não o seu uso político descarado.



Ao longo de março de 2021, manchetes em veículos de mídia empresarial, da CNN a The Guardian, apregoaram o lançamento do “primeiro relatório independente” para determinar, com autoridade, que o governo chinês violou “todo e qualquer ato” da convenção das Nações Unidas contra o genocídio e, portanto, “tem a responsabilidade de Estado por cometer genocídio contra o povo Uigur”.

O relatório, publicado em 8 de março pelo Newlines Institute for Strategy and Policy, em colaboração com o Raoul Wallenberg Center for Human Rights, dá curso a uma orquestração de última hora, armada em janeiro pelo governo Trump, contando com declarações ecoadas por parlamentares holandeses e canadenses. Foi publicado logo após o lançamento de um relatório notavelmente semelhante em 8 de fevereiro, encomendado pelo Congresso Mundial Uigur, apoiado pelo governo dos Estados Unidos, e que alegava haver um “caso crível” contra o governo chinês por genocídio.

AFP (Agencia France-Presse), CNN, The Guardian, e CBC saudaram o relatório da Newlines de 8 de março como uma “análise independente” e um “relatório jurídico de referência”, que teria envolvido “dezenas de especialistas internacionais”. Samantha Power [a diplomata norte-americana que sustentou e promoveu o plano de desintegração da Líbia], nomeada pelo governo Biden para dirigir a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), também embarcou na sua promoção: “Este relatório mostra como isso [genocídio] é exatamente o que a China está fazendo com os uigures”, afirmou a notória “intervencionista humanitária”.

Os autores do relatório insistem que são “imparciais” e “não estão defendendo nenhum curso de ação”. No entanto, um olhar mais atento para o relatório e para as instituições por trás dele revela que as alegações de seus autores de “independência” e “expertise” não são muito mais que uma farsa gritante.

Na verdade, o principal autor do relatório, Yonah Diamond, recentemente clamou que o governo Biden “confrontasse” e “punisse” unilateralmente a China por, supostamente, cometer genocídio, ampliando as sanções contra o país. Enquanto isso, os think tankers por trás do relatório defenderam fervorosamente que o Ocidente “combata” e sancione a China. Foram os mesmos que promoveram os planos norte-americanos de “mudança de regime” visando a Síria, a Venezuela, o Irã e a Rússia.

A maioria dos signatários “especialistas” do relatório são membros do Newlines Institute e do Wallenberg Center. Outros são membros da falconídea Aliança Interparlamentar sobre a China, ex-funcionários do Departamento de Estado dos EUA e defensores fervorosos do intervencionismo militar norte-americano. O relatório se baseia substancialmente na “experiência” de Adrian Zenz, o ideólogo evangélico de extrema direita, cuja “incursão acadêmica” sobre a China mostrou-se crivada de erros grosseiros, falsificações e manipulações estatísticas tendenciosas.

A confiança no trabalho volumoso, mas comprovadamente fraudulento, de Zenz não é surpreendente, visto que o relatório foi financiado pela organização mãe do Newlines Institute, a Fairfax University of America (FXUA). A FXUA é uma instituição que caiu em descrédito quando os reguladores oficiais defenderam seu fechamento em 2019, depois de descobrir que seus “professores não estavam qualificados para ministrar os cursos designados”, a qualidade acadêmica era “patentemente deficiente” e onde o plágio intelectual era “desenfreado” e tratado com indiferença.

Poucos dias antes do Newlines Institute publicar seu relatório de “perícia” acusando a China de genocídio, um conselho consultivo do Departamento de Educação dos Estados Unidos recomendou cancelar o credenciamento da FXUA como instituição de ensino superior, comprometendo sua licença de funcionamento.


Novo” relatório repete “evidências” antigas e desacreditadas

O relatório da Newlines não apresenta nenhum material novo sobre a condição dos muçulmanos uigures na China. Em vez disso, afirma ter revisado todas as “provas disponíveis” e aplicado “o direito internacional às provas dos fatos no terreno”.

Em vez de conduzir uma revisão completa e abrangente das “evidências disponíveis”, o relatório restringiu sua pesquisa a uma faixa estreita de pseudoestudos profundamente falhos, juntamente com relatórios de lobbies apoiados pelo governo dos Estados Unidos para o movimento separatista uigur exilado. É sobre esse fundamento defeituoso que o relatório aplica a análise “jurídica” relacionada à Convenção da ONU sobre Genocídio.

O relatório da Newlines baseia-se principalmente nos estudos duvidosos de Adrian Zenz, nas “notícias” da Radio Free Asia, canal de propaganda do governo dos Estados Unidos, e nas afirmações feitas pelo Congresso Mundial Uigur, a rede separatista também financiada pelos Estados Unidos. Essas três fontes compreendem mais de um terço das referências diretas usadas para construir a base factual do documento, com Zenz como a fonte mais confiável ― citada em mais de 50 ocasiões.

Muitas das referências restantes são citações de trabalhos de membros do “Uyghur Scholars Working Group” do Newlines Institute, do qual Zenz é membro fundador, e que é formado por um pequeno grupo de acadêmicos que colaboram com ele e defendem integralmente suas proposições.

Como relatou The Grayzone, Zenz é um evangélico fundamentalista de extrema direita que afirma ser “conduzido por Deus” para lutar contra o governo da China, deplora a homossexualidade e a igualdade de gênero e tem ensinado exclusivamente em instituições teológicas evangélicas. Uma revisão cuidadosa da pesquisa de Zenz mostra que sua alegação de genocídio é inventada por meio de manipulação estatística fraudulenta, seleção tendenciosa de materiais de origem e deturpação propagandística. Seus relatórios amplamente citados não foram publicados em periódicos científicos submetidos a revisão por pares e supervisionados por instituições acadêmicas, mas sim por uma editora da CIA baseada em Washington chamada Jamestown Foundation, que edita The Journal of Political Risk, uma publicação dirigida por antigos agentes da OTAN e do aparato de segurança nacional dos Estados Unidos.

À medida que sua negligência acadêmica vem à tona, Zenz tem enfrentado crescente escrutínio e constrangimento, como se evidencia por sua ameaça em processar seus críticos acadêmicos.

A fim de reforçar a credibilidade do relatório, e para contornar sua excessiva dependência dos laudos de Zenz, seus autores insistem em enfatizar sua suposta “independência” e “imparcialidade”.

Este não é um documento promocional, não estamos, de forma alguma, defendendo algum curso de ação”, afirmou Azeem Ibrahim, Diretor de Iniciativas Especiais do Newlines Institute. “Não houve ativistas envolvidos neste relatório, ele foi inteiramente elaborado por especialistas jurídicos, especialistas da área e especialistas em questões étnicas da China”.

No entanto, poucas semanas antes da publicação do relatório, seu principal autor, Yonah Diamond, redigiu um apelo belicoso [na revista Foreign Policy, publicada pelo think-tank Carnegie Endowment for International Peace] para que o governo Biden ignorasse a ONU (que Diamond considera “em dívida com o governo chinês”) e enfrentasse unilateralmente a China. Após a declaração do governo Trump de que a China estava cometendo genocídio em Xinjiang, Diamond alegou que os Estados Unidos estão legalmente obrigados a “punir” a China e que “o governo Biden deve agora tomar medidas concretas para esse fim juntamente com os aliados dos Estados Unidos”.

O relatório tenta construir uma aparência de amplo consenso de especialistas apoiando suas conclusões, incluindo uma lista de 33 signatários apresentados como “especialistas independentes”. Sem nenhuma surpresa, essa lista consiste de indivíduos que defendem uma Nova Guerra Fria e o confronto com a China, e que apoiam os esforços separatistas para transformar a região de Xinjiang, rica em minerais e geopoliticamente importante, num “etnoestado” aliado à OTAN. Destacam-se:

Irwin Cotler e Helena Kennedy- copresidentes, junto com Marco Rubio, da Aliança Interparlamentar sobre a China (IPAC), composta quase exclusivamente por falcões do Congresso, o IPAC foi constituído em 2020 com o objetivo de montar uma “defesa comum” contra a “ascensão da República Popular da China”. Membros do executivo do Congresso Mundial Uyghur, Erkin Ekrem e Rahima Mahmut, fazem parte do conselho consultivo e do secretariado do IPAC. Adrian Zenz também faz parte do conselho consultivo.

David Scheffer, Beth von Schaack e Gregory H. Stanton- os dois primeiros são ex-embaixadores do Departamento de Estado norte-americano, enquanto o último é um ex-funcionário do mesmo.

Lloyd Axworthy e Allan Rock- respectivamente, ex-ministro canadense de Relações Exteriores e ex-embaixador canadense na ONU.

Adrian Zenz- membro fundador do “Uyghur Scholars Working Group” do Newlines Institute.

Em lugar de consultar uma ampla gama de especialistas acadêmicos ou submeter seu estudo à revisão por pares, a Newlines fiou-se em uma estreita comunidade de ideólogos alinhados às mesmas ideias. A maioria dos signatários são membros dos dois think tanks por trás do relatório, o Instituto Newlines e o Centro Wallenberg. Longe de serem “independentes”, essas organizações são profundamente partidárias, autodenominadas “ativistas”, que se alinham intimamente com os objetivos da política externa dos Estados Unidos e do Ocidente, defendendo sanções e intervenções contra a China e outras nações não alinhadas em todo o Sul Global.

Newlines Institute: uma coleção de ideólogos da “mudança de regime” e de agentes da “CIA das sombras”

A direção do Newlines Institute inclui ex-funcionários do Departamento de Estado norte-americano, conselheiros militares do Pentágono, profissionais de inteligência que antes trabalharam para a empresa de espionagem privada Stratfor, a “CIA alternativa”, terceirizada, ou “CIA das sombras” (“Shadow CIA), que também tem ligações no Brasil, além de uma coleção de ideólogos intervencionistas. Seus colaboradores conformam uma seleção significativa de agentes da operação de mudança de regime na Síria: eram exatamente os chefes de torcida do intervencionismo militar dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que intimidavam e assediavam qualquer figura pública proeminente que ousasse insinuar alguma perspectiva crítica sobre aquela guerra por procuração. Destacam-se entre eles Hassan Hassan, diretor; fundador e editor-chefe da revista Newlines – defensor ardoroso do imperialismo norte-americano, o que inclui as guerras do Iraque, da Líbia, do Iêmen e especialmente da Síria. Junto com Michael Weiss, colaborador da Newlines, Hassan defendeu que os militares dos Estados Unidos balcanizassem a Síria, ocupassem permanentemente a região de Jazira, rica em petróleo, e transformassem o país em “um protetorado de segurança americano”.


O Instituto Newlines sob a supervisão de uma desacreditada “universidade” fraudulenta

A instituição mãe do Newlines Institute é a Fairfax University of America (FXUA), um estabelecimento também fundado e dirigido por Alwani, e anteriormente conhecida como Virginia International University. FXUA é uma universidade privada em Fairfax, Virginia. Fundada em 1998, o curto histórico da FXUA está eivado de escândalos acadêmicos e de esforços da fiscalização oficial para fechar a instituição.

Em 2019, o Conselho Estadual de Educação Superior da Virgínia iniciou procedimentos para revogar a certificação da FXUA (então conhecida como Virginia International University ― VIU) para operar. A mudança ocorreu depois que os fiscais estaduais descobriram um descumprimento generalizado dos padrões educacionais oficiais do Estado.

De acordo com o Richmond Times-Dispatch, os auditores concluíram que “os professores não estavam qualificados para ministrar os cursos designados”, a qualidade acadêmica e o conteúdo das aulas eram “patentemente deficientes” e o trabalho dos alunos foi caracterizado como “plágio desenfreado”, consagradamente impune.

Alunos desqualificados submetem regularmente trabalhos plagiados ou de muito baixa qualidade; o corpo docente faz vista grossa e rebaixa os critérios de aprovação (talvez para evitar reprovar uma classe inteira); e os administradores não monitoram de forma eficaz a qualidade da educação online oferecida”, disse a auditoria.

Centro Wallenberg: um paraíso para falcões anti-China e lobistas da mudança de regime

O Newlines Institute publicou seu relatório em colaboração com o Raoul Wallenberg Center for Human Rights. O principal autor do relatório, Yonah Diamond, é consultor jurídico do Wallenberg Center, e muitos dos signatários do relatório são afiliados à organização.

Com sede em Montreal, o Wallenberg Center foi fundado por Irwin Cotler, ex-ministro da Justiça e procurador-geral do Canadá.  Cotler rotineiramente elabora acusações propagandísticas de abusos dos direitos humanos, atrocidades e genocídio a serviço do imperialismo ocidental, incluindo as intervenções na Líbia e na Síria e sua possibilidade no Irã e Venezuela, onde Cotler serviu como consultor jurídico para Leopoldo López, o líder do golpe de extrema direita, apoiado pelos Estados Unidos. A esposa de Lopez, Lilian Tintori, ocupa uma posição consultiva no Wallenberg Centre.

Cotler também atuou no Haiti. Como ministro da Justiça do governo canadense, operou em coordenação com os Estados Unidos e a França, para ajudar a derrubar o ex-presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide em 2004

Cotler há muito acalenta sentimentos hostis em relação à China. Por vários anos, serviu na equipe jurídica internacional do dissidente antichinês Liu Xiaobo, um ideólogo de direita que clamou pela privatização e “ocidentalização” da China, apoiou fervorosamente o ex-presidente George W. Bush e aplaudiu as guerras dos Estados Unidos no Vietnã, Afeganistão e Iraque.