sábado, 18 de março de 2023

OS BANCOS ESTÃO QUEBRANDO. Por Michael Hudson

 Michael Hudson explica por que o sistema bancário dos EUA está quebrando

Economista Michael Hudson responde ao colapso do Silicon Valley Bank e explica as suas similaridades com o colapso financeiro de 2008 e a crise das poupanças e empréstimos de 1980.

Artigo de Michael Hudson originalmente publicado no Geopolitical Economy Report em 12/3/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247 

 14 de março de 2023.

O Silvergate Bank, sediado na California e focalizado em criptomoedas, colapsou em 8 de março. Dois dias depois, o Silicon Valley Bank também colapsou, tendo a maior corrida a um banco de todos os tempos. Este último foi o segundo maior banco a falir na história dos EUA e a instituição financeira mais influente a falir desde a crise de 2008.

A fragmentação dos bancos que está ocorrendo agora nos EUA é o resultado inevitável da maneira pela qual o governo Obama resgatou os bancos em 2008.

Quando os preços imobiliários entraram em colapso, o Federal Reserve inundou o sistema financeiro com 15 anos de alívio financeiro quantitativo [QE — Quantitative Easing] para reinflacionar os preços dos imóveis e, com eles, os preços das ações e dos títulos financeiros.

O que foi inflado foram os preços dos ativos, acima de tudo para as hipotecas empacotadas que os bancos detinham, mas também para as ações e títulos financeiros em geral. É isto que o crédito bancário faz. 

Isto produziu lucros de trilhões de dólares para os detentores de ativos financeiros — o ‘Um Porcento’ e um pouco mais.

A economia se polarizou enquanto os preços das ações se recuperaram, o custo de propriedades imobiliárias explodiu (com hipotecas a juros baixos) e a economia dos EUA vivenciou a maior explosão do mercado de títulos da história, à medida que as taxas de juro caiam abaixo de 1% ao ano.

Porém, ao servir o setor financeiro, o Fed se encurralou. O que aconteceria quando as taxas de interesse finalmente subissem?

Taxas de juros crescentes fazem cair os preços das ações. E é isso que tem ocorrido sob a luta do Fed contra a “inflação”, com a qual eles têm a intenção de aumentar o nível dos salários.

Os preços dos títulos estão afundando e também o valor capitalizado das hipotecas empacotadas e outros valores mobiliários com os quais os bancos cobrem os seus ativos contra os depositantes.

Hoje, o resultado é similar à situação na qual as associações de poupanças e empréstimos (S&Ls — Savings & Loans associations] se encontraram nos anos de 1980, levando-as à sua morte.

As S&Ls haviam disponibilizado hipotecas de longo prazo a juros acessíveis. Mas, no rastro da inflação de Volcker [ex-presidente do FED], o nível compreensivo das taxas de juros subiu.

As S&Ls não conseguiam pagar mais do que as altas taxas de juros dos seus depositantes, porque a sua renda das suas hipotecas era fixada a juros mais baixos. Sendo assim, os depositantes retiraram o seu dinheiro.

A fim de obterem o dinheiro para pagar a estes depositantes, as S&Ls tiveram que vender as suas hipotecas. Porém, o valor de face destas dívidas era mais baixo, como resultado das taxas mais altas. As S&Ls (e muitos bancos) deviam dinheiro aos depositantes de curto prazo, porém estavam impedidos por ativos de longo prazo a taxas em queda.

Obviamente, as hipotecas das S&Ls eram de prazos muito mais longos do que era o caso para bancos comerciais. E, presumivelmente, os bancos podem transferir ativos para a linha de crédito do Fed.

Mas, à medida que os QE foram seguidos para reforçar os bancos, a sua reversão teve o efeito inverso. E, se fizerem um mau comércio de derivativos, eles estão em apuros.

O banco SVB se derrete após uma quinta-feira na qual as suas ações caíram no abismo, baixando 60% num só dia. Para aqueles que estavam nas multidões, foi novamente a sensação de 1929, com os clientes correndo às filiais do banco, numa corrida moderna. O Silicon Valley Bank se fecha em meio a uma corrida moderna aos bancos em todo o país.

Todos os bancos têm o problema de manter os preços dos seus ativos alinhados com os seus passivos. Quando ocorre um choque nos preços dos títulos, a estrutura de ativos do banco se enfraquece. Este é o canto no qual o Fed encurralou a economia.  

O reconhecimento deste problema levou o Fed a evitá-lo pelo tempo mais longo que conseguiu. Mas, quando o emprego começou a subir e os salários começaram a se recuperar, o Fed não conseguiu resistir de lutar a típica guerra de classes contra os trabalhadores. E isso também se transformou numa guerra contra o sistema bancário.

O banco Silvergate foi o primeiro a sucumbir. Ele surfou na onda das criptomoedas, servindo como um banco para várias criptomarcas.

Depois que foi exposta uma vasta fraude feita por Sam Bankman-Fried (SBF), houve uma corrida sobre as criptomoedas. Os seus gerentes se pagaram ao retirarem os depósitos que tinham nos bancos — acima de tudo, no banco Silvergate. E ele sucumbiu. E, junto com o Silvergate, sucumbiram muitos depósitos de criptomoedas.

A impressão popular foi que os criptos eram uma alternativa aos bancos comerciais e à moeda corrente. Mas, no que os fundos criptos poderiam investir para sustentar as suas compras de moedas, se não fossem os depósitos bancários e passivos governamentais ou ações e títulos privados?

Em última análise, o que era o cripto se não simplesmente um fundo mútuo com segredo de propriedade para proteger os lavadores de dinheiro?

O banco Silvergate era um “caso especial”, haja vista a sua base especial de depósitos. O banco Silicon Valley Bank também era um caso especializado, que emprestava para startups de TI. O banco First Republic Bank também se especializava em fazer empréstimos a depositantes ricos de São Francisco e da área do norte da Califórnia.

Todos tinham visto o preço de mercado de seus títulos financeiros cair, já que o presidente Jerome Powell aumentou as taxas de juros do Fed. E agora, seus depósitos estavam sendo retirados, forçando-os a vender títulos com prejuízo.

A agência Reuters reportou em 10 de março que as reservas de bancos no Fed estavam despencando. Isto não é uma surpresa, já que os bancos estão pagando cerca de 0,2% [de juros ao ano] sobre os depósitos, enquanto os depositantes podem retirar o seu dinheiro para comprar notas de dois anos do Tesouro dos EUA que rendem 3,8% ou quase 4% ao ano. Não é uma surpresa que os investidores prósperos estão fugindo dos bancos.

Este é o dilema no qual os bancos — e, seguindo-os, o FED — se encontram.

A questão óbvia é por que o Fed simplesmente não os resgata. O problema é que os preços em queda dos ativos de longo prazo dos bancos, em face aos passivos de longo prazo dos depósitos, agora parecem ser o novo normal.

O Fed pode emprestar aos bancos para cobrir as suas carências a curto prazo, porém como pode a solvência ser resolvida sem reduzir drasticamente as taxas de juros para restaurar a anormal Política de Taxas de Juros Zero (ZIRP — Zero Interest-Rate Policy) de 15 anos?

As rendas de juros foram às alturas em 10 de março. À medida que estão sendo empregados mais trabalhadores do que era esperado, o senhor Powell anunciou que o Fed poderia ter que aumentar mais as taxas de juro do que ele havia advertido. A volatilidade aumentou.

Com isso, veio a origem da agitação que alcançou vastas magnitudes muito além das causadas pelo choque de 2008 da seguradora AIG e de outros especuladores: os derivativos.

O banco JP Morgan Chase e outros bancos de Nova York detém trilhões de dólares em derivativos — i.e., apostas de cassino sobre as quais flutuam as taxas de juro, os preços de títulos financeiros, os preços de ações em bolsa e outras medidas que mudarão. Para cada palpite vencedor, há um perdedor.

Quando se apostam trilhões de dólares, algum trader de banco acabará tendo uma perda que pode facilmente fazer desaparecer a equidade líquida inteira do banco.

Agora há uma fuga para “fazer caixa” num porto seguro — algo melhor até do que moeda corrente: títulos do Tesouro dos EUA. Apesar das conversas dos Republicanos, que se recusam a aumentar o teto da dívida, o Tesouro sempre pode imprimir o dinheiro para pagar os detentores dos seus títulos.

Parece que o Tesouro dos EUA se tornará o novo depositário de escolha daqueles que têm recursos financeiros. Os depósitos bancários cairão. E, com eles, as participações bancárias de reservas no Fed.

Até agora, o mercado de ações tem resistido à queda dos preços dos títulos. Meu palpite é que agora veremos o Grande Desenlace do grande boom do Capital Fictício de 2008–2015.

Então, as galinhas estão chegando, esperando se empoleirarem — com as “galinhas” sendo, talvez, as saliências elefânticas dos derivativos. (*)

(*) Eufemismo jocoso de Michael Hudson com a expressão “The chickens are coming home to roost” — o que, traduzido textualmente, significa “as galinhas estão voltando para casa para alinharem-se no poleiro” — ou, para pôr a casa em ordem antes de dormirem.

 

FONTE:  https://www.brasil247.com/ideias/michael-hudson-explica-por-que-o-sistema-bancario-dos-eua-esta-quebrando

 

sexta-feira, 10 de março de 2023

REAÇÃO AMERICANA INDICA QUE A POLÍTICA EXTERNA CHINESA ESTÁ CORRETA

 

Estados Unidos reagem com pânico à assertividade da política externa chinesa

EUA não desistem de estratégia de contenção da China, que reage afirmando seus interesses, escreve José Reinaldo Carvalho.

José Reinaldo Carvalho. Jornalista, editor internacional do Brasil 247 e da página Resistência: http://www.resistencia.cc

10 de março de 2023.   Brasil 247.

 

Por José Reinaldo Carvalho, 247 - Um grande alarme soou no Departamento de Estado dos Estados Unidos nesta semana, com reverberação na mídia copiadora de releases do serviço de imprensa do país que em vão sonha com o restabelecimento da sua hegemonia exclusiva no mundo.

O motivo do pânico foi um pronunciamento do ministro chinês das Relações Exteriores, em coletiva de imprensa à margem da realização da sessão da Assembleia Nacional Popular, o órgão legislativo máximo do governo.

Qin disse na última terça-feira (7), que os Estados Unidos precisam mudar a atitude distorcida em relação à China, sob pena de suportar um confronto com o país socialista asiático. O chanceler chinês advertiu os EUA que não continuem a considerar a China como seu principal rival, o que leva o país imperialista do norte a executar uma estratégia econômica, diplomática e militar de contenção do desenvolvimento chinês e sua inserção no mundo como importante protagonista global. Leve-se em conta que a China considera seu desenvolvimento nacional e o exercício de uma política externa voltada para a promoção da paz e da prosperidade de todos um direito inalienável do povo chinês e deixa claro que é inaceitável qualquer ação dos Estados Unidos para impedir o exercício desse direito. A atuação do país socialista asiático no palco internacional exclui o expansionismo, a usurpação das riquezas dos demais países e o hegemonismo.

O apoio estadunidense ao separatismo de Taiwan é outra linha vermelha que os norte-americanos não deveriam transpor, avisa a liderança chinesa.

Os Estados Unidos se mostram irritados com a aliança da China com a Rússia e a sistemática recusa de Pequim de se juntar à política de sanções ocidentais a Moscou. Sistematicamente, os EUA cobram que a liderança chinesa condene a Operação Militar russa na Ucrânia e acusa a China de fornecer ajuda militar ao país governado por Vladimir Putin, algo que a China nega terminantemente, inclusive reiterando apelo ao diálogo e à solução política do conflito.

A pergunta que circula no mundo a partir dessas declarações é se a China mudou a sua política externa e a especulação dela derivada é se haverá confronto militar entre as duas maiores economias do mundo.

Desde os primeiros anos da construção da nova China, na sequência do triunfo da Revolução Popular liderada pelo Partido Comunista, o país elaborou uma política externa de paz, baseada em princípios de coexistência pacífica, partindo do pressuposto da salvaguarda da soberania nacional, integridade territorial, criação de um entorno geopolítico pacífico com os países vizinhos, estabelecimento de relações de amizade e apoio mútuo com os países em vias de desenvolvimento.

Com os Estados Unidos, desde as primeiras conversações bilaterais, em 1972, e posteriormente com o estabelecimento das relações diplomáticas, em 1979, predominou a coexistência pacífica.

A partir do momento em que a China passou a atuar como protagonista global com assertividade e intensificou seu relacionamento com a maioria esmagadora dos países e nos organismos multilaterais, processo que coincide com o declínio da superpotência americana, esta passou a hostilizar a China, percebendo nela uma ameaça à sua hegemonia.

A China passou a participar integralmente nas instituições internacionais e a promover uma ativa diplomacia multilateral em todos os campos. São exemplos a participação ativa da China na ONU, com todas as suas instâncias, inclusive no Conselho de Segurança, Assembleia Geral, Comissões, Agências e Missões de Paz; OMC (Organização Mundial de Comércio); ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático); APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico); Fórum de Boao (Fórum de cooperação econômica no âmbito asiático, aberto a outras regiões); Focac (Fórum de Cooperação China-África); Fórum China-Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos); OCX (Organização para a Cooperação de Xangai); Brics (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul); G-20 (Grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo);

Isto levou a China a tomar parte ativa na solução de problemas globais e regionais, no que se inclui a luta contra o terrorismo, as pandemias, a promoção dos direitos humanos, o controle de armas e os esforços pelo desarmamento nuclear, a solução de conflitos regionais, adesão e cumprimento das metas do milênio da ONU sobre o desenvolvimento humano, a adoção de normas e práticas para enfrentar as mudanças climáticas, o fomento ao desenvolvimento sustentável.

As relações internacionais da China incrementaram os vínculos de solidariedade e cooperação com países em desenvolvimento.

Para além disso, a China moderna desenvolve uma diplomacia multidimensional, abarcando setores como economia, cultura, educação, humanidades para promover a convergência de civilizações, assuntos militares, intercâmbios parlamentares, reações partidárias etc.

A China desenvolve uma diplomacia voltada para a construção de uma comunidade mundial de futuro compartilhado por toda a humanidade, em que aparecem como tarefas prioritárias manter a diplomacia de paz, a coexistência pacífica e a construção de uma ordem internacional justa em uma situação instável e carregada de ameaças. São políticas que se inscrevem na meta maior do Partido Comunista da China para a atual etapa do desenvolvimento nacional, que consiste em lutar pela realização do sonho chinês, a construção do bem-estar do povo chinês associado com o de todos os povos, a prosperidade comum.

O mundo está vivendo a fase de maior presença chinesa no mundo, na sua transformação em grande protagonista da ordem mundial, sua transformação em maior força econômica e comercial do mundo, grande investidor externo, grande destino de investimentos externos diretos, sua transformação em maior parceiro econômico e comercial de vários países. Uma fase de maior assertividade e de “multilateralismo verdadeiro”, em contraste com o propalado multilateralismo do imperialismo estadunidense, que não passa de retórica e de um estratagema para criar uma frente de países aliados na execução de uma política antichinesa.

A contenção estratégica da China é a essência da atual política externa dos Estados Unidos, no que as administrações de Trump e Biden se diferenciam apenas por suas nuances. Esta política se choca de modo antagônico com os interesses da China, pois constitui o pano de fundo da instrumentalização do separatismo em regiões como Tibet, Hong Kong, Xinjiang e sobretudo o estímulo à independência de Taiwan. Os EUA promovem o cerco militar à China, buscando interferir nas questões que envolvem o Mar do Sul da China e fomentando a militarização na região conhecida como Ásia-Pacífico, alimentando planos de criar uma espécie de Otan asiática.

Tudo isso ocorre em paralelo com a guerra comercial e a guerra tecnológica dos EUA contra a China.

A China tem uma percepção aguda dos problemas geopolíticos e conhece a natureza imperialista dos Estados Unidos. Está consciente de que a hegemonia dos Estados Unidos traz guerras, pilhagem e exploração. Por isso se prepara em todos os terrenos para qualquer nível de confrontação.

FONTE:   https://www.brasil247.com/blog/estados-unidos-reagem-com-panico-a-assertividade-da-politica-externa-chinesa?fbclid=IwAR39DYicjsHIJlGHlQen1v4ggXmC096QU05Z-nz1WLKKQoDHgz4T-LHsGj4