domingo, 16 de janeiro de 2011

O ICMS e a Lei Robin Hood

O ICMS e a Lei Robin Hood
*Daniel Miranda Soares

A carga tributária brasileira é, de fato, excessiva para a população mais pobre. Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), concluiu que quem ganha até dois salários mínimos (R$ 1.020) compromete 48,9% de sua receita com impostos, enquanto os que recebem mais de 30 mínimos (R$ 15.300) sofrem uma carga de apenas 26,3%. O problema real no Brasil, como apontado pelo Ipea, é que a tributação de bens e serviços representa 48,44% do total da carga, enquanto os impostos sobre a renda e o patrimônio correspondem a somente 23,63% (destes, os tributos sobre o patrimônio chegam a 3,18%). A exagerada importância dos primeiros, chamados de impostos indiretos, em detrimento dos últimos, que são os impostos diretos, faz com que o sistema tributário brasileiro seja altamente regressivo, isto é, atinja proporcionalmente mais aos pobres, ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos; onde os governos arrecadam mais impostos diretos.

O imposto que mais se arrecada no Brasil é o ICMS – um imposto indireto, que incide sobre bens e serviços atingindo proporcionalmente mais os mais pobres. O Imposto de Renda é o segundo, mas é um imposto direto, atinge proporcionalmente ricos e pobres. Imposto direto – quanto maior a renda mais se paga imposto. Imposto Indireto – quanto maior a renda, menos proporcionalmente se paga este imposto, os pobres pagam proporcionalmente mais.

Outro problema no Brasil é a centralização fiscal nas mãos dos governos centrais. Os municípios brasileiros arrecadam cerca de 18% do total dos tributos em geral – em países como Colômbia, Chile, Bolívia e em países continentais e federativos como os EUA, Canadá e Austrália – os municípios arrecadam cerca de 30% do total. Afinal quem está mais próximo do cidadão é o município, daí a necessidade de descentralização fiscal. No Brasil, a partir da Constituição de 1988, aumentou bastante a descentralização fiscal. Antes de 1988, os municípios arrecadavam 2,9% do total e mais 7,8% de transferências, totalizando 10,7% do total dos tributos. Depois de 1988, estes percentuais aumentam: os municípios arrecadam 5% dos tributos e recebem mais 13% de transferências, totalizando em média 18% do total da receita nacional. Ou seja, a maior parte das receitas dos municípios brasileiros vem de transferências dos governos federal e estadual.

As transferências do governo federal – tais como o FPM (Fundo de Participação dos Municípios – tirado de uma cesta de tributos entre eles o IR) usam critérios distributivistas ou seja contribuem para melhorar a distribuição de renda pois o principal critério é população. Mesmo assim dão um peso maior aos municípios pequenos que dependem mais deste fundo para sobreviverem. No Brasil, municípios com menos de 20.000 hab. dependem em mais de 90% de sua receita total desta transferência e em boa parte dos menores ainda, dependem dele em mais de 95%.

A principal transferência dos governos estaduais para os municípios é do ICMS. Mesmo sendo um imposto indireto, os Estados poderiam usar critérios mais distributivistas, mas não usam – usam praticamente o mesmo critério para arrecadar. Município que arrecada mais ICMS recebe mais ICMS – e assim esta transferência acaba sendo altamente concentracionista ou seja contribui para aumentar a concentração de renda no país. Desta forma municípios mais ricos e industrializados recebem infinitamente mais ICMS que outros não industrializados.

Vejam a diferença em termos per capita, na região do Leste Mineiro. ICMS per capita e FPM per capita de municípios mais industrializados(em R$ de 2005) : Betim (ICMS=67,97; FPM=5,22), Contagem (ICMS=21,29; FPM=3,44), Ipatinga (ICMS=39,65; FPM=8,65), Timóteo (ICMS=45,21; FPM=11,33), Belo Oriente (ICMS=63,73; FPM=19,67).
Agora vejam ICMS per capita e FPM per capita de municípios não industrializados (em R$ de 2005): Inhapim (ICMS=4,82; FPM=19,57), Caratinga (ICMS=5,80; FPM=11,57), Coronel Fabriciano (ICMS=4,61; FPM=10,81), Mesquita (ICMS=7,22; FPM=32,77), Naque (ICMS=9,22; FPM=37,41). Como podem ver existe uma relação inversa entre estes dois tipos de municípios : enquanto os mais ricos e especialmente industrializados recebem muito mais ICMS per capita do que FPM per capita; o contrário acontece com os municípios mais pobres – recebem muito mais FPM per capita do que ICMS per capita.

Para tentar corrigir estas distorções é que foi criado a Lei Robin Hood, que entrou em vigor em Minas Gerais a partir de 1995. Esta lei melhorou no início a situação dos pequenos municípios mineiros, mas no ritmo que as coisas estavam indo atualmente nem daqui há um século as distorções apontadas acima seriam corrigidas. Como eu disse, ela amenizou a situação. Os dados acima são de 2005, ou seja 10 anos depois de criada a lei em Minas e a situação não mudou muito. Mas houve uma certa redistribuição dos recursos do ICMS entre os municípios maiores e os menores que são em grande maioria. Em Minas Gerais, os 150 municípios que mais arrecadaram ICMS antes da lei, concentravam 91,94% do total deste tributo em 1995. Em 1998, este percentual caiu para cerca de 79% do total do tributo arrecadado. A partir de 2002, este percentual se estabiliza em torno de 78,6% do total, considerando os 150 maiores. Se considerarmos os 12 maiores municípios que arrecadam ICMS em Minas, a situação é um pouco diferente: estes maiores municípios arrecadavam 50% do tributo antes da lei; depois da lei caiu para 40,83% (de 1998 a 2002), e voltou a subir levemente de 40,5% (2006), 40,7% (2008) e 41,35% em 2010. Enfim, percebemos que a lei provocou mudanças significativas (embora insuficientes) nos primeiros 4 anos de funcionamento e depois estabilizou e congelou o processo de redistribuição dos recursos, havendo mesmo uma tendência à reconcentração.

Daí que o governo estadual resolveu reformular a lei original, criando novos estímulos para um novo processo de redistribuição dos recursos do ICMS. Como se sabe, a partir da Constituição de 1988, de todo o ICMS arrecadado 25% destinam-se aos municípios. Mas, destes 25% apenas uma pequena parcela estava sendo usada para redistribuição, em critérios diferentes do VAF (Valor Adicionado Fiscal- critério concentracionista, pois retrata o movimento econômico). A lei Robin Hood anterior e atualmente em vigor (13.803 , de 2000 (Lei Robin Hood)), distribuía os recursos com os seguintes critérios: VAF (79,68%), área geográfica (1%), população (2,71%), população dos 50 municípios mais populosos (2%), educação (2%), produção de alimentos (1%), patrimônio cultural (1%), meio ambiente (1%), saúde (2%), receita própria (2%), cota mínima (5,50%) e municípios mineradores (0,11%). A nova lei (Lei 18.030 de 2009), que produzirá efeitos a partir de 2011, redistribui o percentual de 4,68% da parcela, hoje repartidos com base no VAF, destinando-o a outros seis novos critérios, ficando assim a distribuição dos recursos: VAF (75%), área geográfica (1%), população (2,70%), população dos 50 municípios mais populosos (2%), educação (2%), produção de alimentos (1%), patrimônio cultural (1%), meio ambiente (1,10%), gasto com saúde (2%), receita própria (1,90%), cota mínima (5,50%), municípios mineradores (0,01%), recursos hídricos (0,25%), municípios-sede de estabelecimentos penitenciários (0,10%), esportes (0,10%), turismo (0,10%), mínimo per capita (0,10%) e ICMS Solidário (4,14%). Segundo o próprio governo, cerca de 20% dos municípios (176) sofrerarão queda na receita do tributo em cerca de R$266 milhões que serão redistribuídos aos outros 80% dos municípios (677) mais pobres do Estado.

Espera-se assim a retomada de um novo processo de redistribuição mais justa dos recursos do ICMS em Minas Gerais. Acredito que este processo deverá ocorrer nos próximos anos, mas a longo prazo ele deverá se estabilizar como vimos acontecer com a lei original. Na lei anterior o VAF detinha 80% dos critérios de distribuição e apenas 20% eram redistribuídos com critérios mais distributivistas. Na lei que entra em vigor, a participação do VAF caiu para 75% e os critérios distributivistas aumentaram para 25% dos ICMS dos municípios. Para que tenhamos critérios mais justos e distributivistas é necessário que a participação do VAF continue diminuindo, pelo menos gradualmente e não fique congelado durante um longo período como ocorreu anteriormente.


*Daniel Miranda Soares é economista, EPPGG, ex-pesquisador da FJP e mestre pela UFV.

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