terça-feira, 22 de março de 2011

Para além da austeridade

Para além da austeridade
Resumo do artigo de William Mitchell* - The Nation

A crise econômica global pode levar a crer que a promessa neoliberal – de que os mercados podem se autorregular e promover prosperidade sustentável para todos – era uma mentira. Mas isso não parece ter sido percebido pelos governos, os quais, sem exceção, construíram suas respostas para a crise numa série de mitos – os mesmos mitos que a causaram. ....
. Mesmo que milhões permaneçam sem emprego e que os índices de pobreza estejam subindo, os governos têm dito que não há alternativa à austeridade, cortando os déficits orçamentários. ....

... a dominação inquestionável da ideologia neoliberal reduziu o debate econômico a questões de nuances. Os conservadores recusam o aumento de impostos e querem mais cortes nos gastos, enquanto os progressistas defendem a combinação entre cortes de gastos e aumento de impostos. Essa homogeinização do debate político não somente asfixiou as vozes progressistas; ela também obscureceu a única via confiável de recuperação econômica.

Os déficits públicos não causam inflação, nem impõem dívidas pesadas paralisantes sobre nossas crianças e nossos netos. ...
A maior de todas as mentiras – repetida um sem número de vezes pelos economistas neoliberais e ecoadas acriticamente pela mídia dominante – é a afirmação de que se os governos cortam seus gastos, o setor privado vai se arranjar para tapar o buraco. A campanha pela austeridade do primeiro ministro britânico, David Cameron e o anúncio dos cortes orçamentários do presidente Obama estão erguidos nessas mentiras. ....

.. a linguagem da austeridade arraigou-se no debate público ao longo de décadas de má-educação e grosserias via Fox News e coisas do tipo. Essas redes de tevê promovem políticos conservadores e agridem os que desafiam seus pontos de vista. Quem quer que ouse advogar o aumento dos déficits é excomungado como sendo incompetente ou um socialista perigoso. No entanto, o fato de tanto se berrar que os déficits públicos são ruins não os torna ruins. ...

Mas o governo não é uma casa. Ele pode gastar consistentemente mais do que recebe porque é quem cria a moeda. Enquanto as casas têm de poupar (gastar menos do que se recebe) para gastar mais no futuro, os governos podem adquirir o que quiserem, quando houver bens e serviços para vender na moeda que emitem. Superávits orçamentários não fornecem maior capacidade aos governos de atenderem às necessidades futuras, nem déficits orçamentários erosionam essa capacidade. Os governos sempre tem capacidade de gastar em suas próprias moedas.

A continuidade do domínio conservador
Os economistas neoliberais e seus apoiadores fracassaram em prever a crise recente e não apresentaram solução efetiva quando ela eclodiu. Organizações como o FMI e a OECD defenderam políticas que contribuíram com a crise. Então, por que os mitos neoliberais ainda dominam? E como pôde o governo britânico ser capaz de impor austeridade, quando os indicadores são de que isso causará danos severos à economia? ...
O problema repousa nos governos – no seu fracasso em regular adequadamente e em usar sua capacidade fiscal de assegurar que há empregos suficientes.

A mais recente crença religiosa na autorregulação dos mercados promoveu políticas que permitiram que a lógica inerente do capitalismo explodisse. Os governos abandonaram seu papel estabilizador como intermediários entre o trabalho e o capital. Em vez disso, cativos do setor financeiro, apoiaram perigosas e em alguns momentos desonestas práticas bancárias. O dinheiro comprou o acesso à mídia nacional, enquanto as vozes progressistas lutavam para ser escutadas. Esse é o poder desses lobbys e porta-vozes, de modo que mesmo sendo sua abordagem completamente desacreditada desde a crise, os neoliberais permanecem no controle da agenda política e tornaram o que era claramente uma crise de dívida privada numa suposta crise de dívida soberana.

O que deve ser feito?
A austeridade não é a única alternativa. As grandes economias estão sofrendo com um colapso do gasto privado e um excedente de dívida privada. Os consumidores não gastarão se tiverem medo de desemprego; as empresas não contratarão e nem venderão se as vendas estacionarem. Desemprego persistente significa que nossas economias renunciaram a produzir massivamente e às oportunidades de renda. O desemprego também causa outros problemas, como as destruições das famílias, o aumento do consumo de álcool e do abuso de drogas, o aumento nos índices de criminalidade e das migrações. Uma economia com alto nível de desemprego não é saudável.

A austeridade agravará o desemprego. Isso leva ao apelo pela crença de que um governo confiante no progresso do bem estar de seus cidadãos irá deliberadamente introduzir políticas que farão com que seu povo não tenha problema de emprego.Ao defender estímulos fiscais futuros, eu voltaria o aumento do gasto público diretamente para o foco na criação de empregos. Introduziria um programa de emprego público por um período indefinido – uma política de emprego garantido – que ofereça um emprego de salário (mínimo) para quem quiser trabalhar mas não encontra emprego.
O programa de garantia de empregos faria com que os trabalhadores aproveitassem a estabilidade de renda, e seu gasto crescente iria impulsionar a confiança na economia e ajudar na recuperação do gasto privado. Não há razão para que os governos não possam arcar com esse programa. O mercado de trabalho está disponível para o trabalho, e o governo pode facilmente fornecer os empregos. Não houve questionamento quando o governo, nos primeiros dias da crise, providenciou instantaneamente bilhões para os bancos. Deixem-me repetir: o governo não tem restrição financeira no seu gasto e deveria alocar imediatamente recursos para um programa de criação massiva de empregos.

(*) William Mitchell é professor pesquisador de economia no Centro Para o Pleno Emprego e a Equidade da Universidade de New Castle, Austrália. Entre outras atividades, acadêmicas e não acadêmicas, mantém um blog de Pensamento Econômico Alternativo.Tradução: Katarina Peixoto

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