PT reage e critica STF pela politização de julgamento
PT reage e critica STF pela politização de julgamento
Em nota aprovada em reunião da Executiva Nacional, nesta
quarta (14), o PT teceu duras críticas ao STF pela condução do
julgamento da ação penal 470, que “condenou e imputou penas
desproporcionais a alguns de seus filiados”. Segundo documento, a corte
não garantiu o direito dos réus à ampla defesa, deu valor de provas a
indícios, fez uso indevido da teoria do domínio do fato, provocou
insegurança jurídica e politizou o julgamento para prejudicar o partido.
Confira a íntegra:
O PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470
O
PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e torna
pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no
julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a
alguns de seus filiados.
1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa
O
STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a
possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça.
Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um
direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.
A
Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o
vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os
próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser
processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas
infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros
de Estado, os comandantes das três Armas, os membros dos Tribunais
superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão
diplomática em caráter permanente.
Foi por esta razão que o
ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no início do julgamento, pediu o
desmembramento do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora
tenha decidido em sentido contrário no caso do “mensalão do PSDB” de
Minas Gerais.
Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.
Vale
lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou pelo
desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado
fossem julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à
decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.
Por isso mesmo, o
PT considera legítimo e coerente, do ponto de vista legal, que os réus
agora condenados pelo STF recorram a todos os meios jurídicos para se
defenderem.
2. O STF deu valor de prova a indícios
Parte
do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo.
O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz das provas.
Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e
desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um
ministro do STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência
do ônus da prova aos réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a
transformação de indícios em provas.
À falta de elementos
objetivos na denúncia, deducões, ilações e conjecturas preencheram as
lacunas probatórias – fato grave sobretudo quando se trata de ação
penal, que pode condenar pessoas à privação de liberdade. Como se sabe,
indícios apontam simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de
fundamentar o livre convencimento motivado do julgador. Indícios nada
mais são que sugestões, nunca evidências ou provas cabais.
Cabe à
acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual, provas
do que alega e, assim, obter a condenação de quem quer que seja.
No
caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de provar sua
inocência ou comprovar álibis em sua defesa -- papel que competiria ao
acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o ônus da prova.
3. O domínio funcional do fato não dispensa provas
O
STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em
1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por
diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas
quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua
função, capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é, a
improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a
condenação.
Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do
fato, os ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição
de influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem
que participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que,
tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se
consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo
presidente do STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos
fatos, mas se o réu “tinha como não saber”...
Ao admitir o ato de
ofício presumido e adotar a teoria do direito do fato como
responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de
alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.
Trata-se
de uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a
conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente, atingir o
partido a que estão vinculadas.
4. O risco da insegurança jurídica
As
decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o
rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de
culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro
independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de
votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança
jurídica no País.
Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá
em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e
os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante,
juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer espécie
nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas indiciárias ou da
teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou inimigos políticos
de caciques partidários locais.
Quanto à suposta compra de votos,
cuja mácula comprometeria até mesmo emendas constitucionais, como as
das reformas tributária e previdenciária, já estão em andamento ações
diretas de inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas
físicas, com o intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.
Ao
instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram
injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica
exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio
Estado Democrático de Direito.
5. O STF fez um julgamento político
Sob
intensa pressão da mídia conservadora -- cujos veículos cumprem um
papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao
PT - ministros do STF confirmaram condenações anunciadas, anteciparam
votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por fim,
imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo
assim a independência entre os poderes.
Único dos poderes da
República cujos integrantes independem do voto popular e detêm mandato
vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal - assim
como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior - faz
política. E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.
Fez
política ao definir o calendário convenientemente coincidente com as
eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e ao escolher
a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de provas.
Contrariamente
a sua natureza, de corte constitucional contra-majoritária, o STF, ao
deixar-se contaminar pela pressão de certos meios de comunicação e sem
distanciar-se do processo político eleitoral, não assegurou-se a
necessária isenção que deveria pautar seus julgamentos.
No STF,
venceram as posições políticas ideológicas, muito bem representadas pela
mídia conservadora neste episódio: a maioria dos ministros transformou
delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de dinheiro público e
compra de votos).
Embora realizado nos marcos do Estado
Democrático de Direito sob o qual vivemos, o julgamento, nitidamente
político, desrespeitou garantias constitucionais para retratar processos
de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar
criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu para produzir
dois resultados: condenar os réus, em vários casos sem que houvesse
provas nos autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de
votos” para, desta forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas de
testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas. Inúmeras
contraprovas não foram sequer objeto de análise. E inúmeras
jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos da
condenação.
Alguns ministros procuraram adequar a realidade à
denúncia do Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da
opinião pública, muito embora ele só se fizesse presente na mídia de
direita, menos preocupada com a moralidade pública do que em tentar
manchar a imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo
politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade ao
afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no resultado das
eleições.
A luta pela Justiça continua
O PT envidará
todos os esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no
julgamento da Ação Penal 470, seja contida. Erros e ilegalidades que
tenham sido cometidos por filiados do partido no âmbito de um sistema
eleitoral inconsistente - que o PT luta para transformar através do
projeto de reforma política em tramitação no Congresso Nacional - não
justificam que o poder político da toga suplante a força da lei e dos
poderes que emanam do povo.
Na trajetória do PT, que nasceu
lutando pela democracia no Brasil, muitos foram os obstáculos que
tivemos de transpor até nos convertermos no partido de maior preferência
dos brasileiros. No partido que elegeu um operário duas vezes
presidente da República e a primeira mulher como suprema mandatária.
Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação em todos os setores da
sociedade, pelas profundas transformações que têm promovido,
principalmente nas condições de vida dos mais pobres.
A despeito
das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o Brasil a
um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40
milhões ascenderam socialmente.
Abriram-se novas oportunidades
para todos, o Brasil tornou-se a 6ª economia do mundo e é respeitado
internacionalmente, nada mais devendo a ninguém.
Tanto quanto
fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma sua convicção de
que não houve compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o
pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve,
da parte de petistas denunciados, utilização de recursos públicos, nem
apropriação privada e pessoal.
Ao mesmo tempo, reiteramos as
resoluções de nosso Congresso Nacional, acerca de erros políticos
cometidos coletiva ou individualmente.
É com esta postura
equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar pelos que clamam
pelo linchamento moral de companheiros injustamente condenados. Nosso
partido terá forças para vencer mais este desafio.
Continuaremos
a lutar por uma profunda reforma do sistema político - o que inclui o
financiamento público das campanhas eleitorais - e pela maior
democratização do Estado, o que envolve constante disputa popular contra
arbitrariedades como as perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em
relação às quais não pouparemos esforços para que sejam revistas e
corrigidas.
Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa
do PT e de nossas bandeiras; a tornar o partido cada vez mais
democrático e vinculado às lutas sociais. Um partido cada vez mais
comprometido com as transformações em favor da igualdade e da liberdade.
São Paulo, 14 de novembro de 2012.
Comissão Executiva Nacional do PT
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