NACIONALISMO E DESENVOLVIMENTO - ensaio
sobre as relações Centro-Periferia
Estamos aqui empregando esse termo de forma geral,
mais abrangente, no sentido vulgar usado nas relações entre os
países; ou seja países que protegem suas indústrias de forma
estratégica e planejada de tal forma a permitir o seu próprio
desenvolvimento a longo prazo são nacionalistas. E países que
permitem a livre entrada e saída de empresas e industrias de
qualquer nacionalidade, sem qualquer regulação, são liberais em
nosso prévio conceito. Isto aconteceu de forma típica no Japão
durante o império Meiji, no século XIX. Se o Japão não tivesse
implementado esse plano nacionalista certamente não seria um país
tão desenvolvido como ele é hoje. E isso aconteceu também com os
países que se industrializaram mais tarde, além do Japão, a
Itália, Alemanha e demais países europeus mais desenvolvidos.
Nossa tese aqui é que além dos países clássicos da Revolução
Industrial (Inglaterra, França e EUA) os outros países que se
industrializaram e se tornaram desenvolvidos só conseguiram esse
intento com o nacionalismo. Mas esse é o nacionalismo clássico
seguido pelos países desenvolvidos, mesmo durante o período
liberal, que se estendeu do séc. XIX até 1930. Neste período, os
países desenvolvidos à medida que conseguiam se industrializar,
protegendo suas indústrias, logo em seguida pregavam o liberalismo
no comércio mundial, para expandir suas indústrias a nível global.
Os países periféricos, ainda sem indústria, ficam sem poder
industrializar, porque sua inserção no comércio mundial, pela
troca de produtos primários por produtos industrializados, os
impediam de fazê-lo. Quem chega por último na corrida industrial
não consegue competir com quem chegou primeiro, já que este
adquiriu avanços de produtividade e diminuição de custos, além de
investir mais em pesquisa e inovações tecnológicas. Deste modo,
estes países já num estágio mais avançado de desenvolvimento
industrial, deixam de ser nacionalistas e passam a pregar o
globalismo, o livre comércio mundial. Pois agora, eles podem
competir, mas ao mesmo tempo impedir que outros países (que se
pretendem industrializar) se industrializem.; e assim diminuir a
concorrência aos seus produtos. Foi por causa desse processo, a
difusão do liberalismo, que poucos países puderam se industrializar
totalmente enquanto que a grande maioria dos países, que são do
Terceiro Mundo, ficam impedidos de iniciar sua industrialização e
acabam se especializando em exportações de produtos agrícolas e
minerais e até mesmo semi-manifaturados e algumas commodities.
A partir da crise de 1929, que
é basicamente uma crise do sistema liberal, o mundo muda bastante .
Os Estados Nacionais começam a intervir no sistema econômico para
evitar crises ou amenizá-las. É o período keynesiano, contraponto
ao sistema liberal. No Terceiro Mundo (periferia), alguns países
iniciam um processo de industrialização, aproveitando a crise
mundial que se estende de 1929 a 1949, período em que os países
periféricos deixam de receber os produtos industrializados do
Primeiro Mundo (países centrais) e passam a substituir importações
(produzindo internamente o que antes importavam). Como são países
de industrialização tardia, esse processo é doloroso e parcial,
mas é um começo. Para iniciar esse processo, países como o Brasil
precisavam de investimentos estatais, já que a iniciativa privada
era muito fraca na época. Mas os americanos entenderam isso como
Nacionalismo, como concorrência ao seu projeto de transformar a
América Latina num satélite submisso. Na verdade, aproveitaram a
ideologia da Guerra Fria, para além de combater o comunismo e o
“estatismo”, defender seus interesses capitalistas e a não
industrialização da Periferia. O nacionalismo era uma desculpa que
se encaixava na Guerra Fria; ou seja a Guerra Fria vem a calhar para
defender os interesses capitalistas dos países centrais. Noam
Chomsky em seu livro “O que o Tio Sam realmente quer?” (Editora
UnB, 1999) deixa muito claro as intenções do Tio Sam, ao analisar
documentos estratégicos de alto nível do governo americano, no
pós-guerra: “..os estrategistas norte-americanos expunham a visão
de que a principal ameaça à nova ordem mundial, liderada pelos EUA,
era o nacionalismo do Terceiro Mundo, algumas vezes chamado de
ultranacionalismo
….”. Nestes documentos, os estrategistas defendem que os países
periféricos tem o papel de suprir com matérias-primas as
necessidades dos países centrais.
O NACIONALISMO e em decorrência a transformação
do país numa potência global e independente dos EUA, era vista como
uma ameaça ao projeto hegemônico americano no lado ocidental.
Nacionalistas eram tachados de “comunistas”, aproveitando a
propaganda da Guerra Fria. Getúlio Vargas era uma ameaça, porque
tinha criado várias estatais e quando criou a Petrobrás, foi a gota
d'água. Morreu no ano seguinte. O embate entre nacionalistas versus
entreguistas passa a ter muita importância, a partir deste período.
Estudos da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina, órgão
da ONU sediado em Santiago do Chile) liderados por Celso Furtado (um
dos maiores economistas que o Brasil já teve) e Raul Prebisch
(argentino) pregavam que a América Latina devia se industrializar
sim, usando o Estado Keynesiano como instrumento de Política
Econômica e de Planejamento. Na falta de uma burguesia industrial
nacional, o Estado deveria executar este papel, preparando o terreno
para a industrialização, via infra-estruturas fundamentais na área
de energia, estradas, educação e saúde, saneamento,
siderúrgicas, etc. Algumas estatais seriam importantes nesse processo
para criar o ambiente propício ao processo de industrialização. O
problema é que realmente o processo se desenvolveu mas, substituindo
importações. As multinacionais vieram para produzir os produtos
antes importados em ramos estratégicos como o de bens duráveis
(automóveis, eletrodomésticos, etc.). A própria CEPAL reconheceu
mais tarde, que o caminho percorrido pelos países periféricos da
AL, só conseguia desenvolver o subdesenvolvimento. Os investimentos
foram aplicados na indústria e na infra-estrutura, mas não foram
feitos investimentos na área social – educação, saúde e
saneamento. Assim, as mazelas do subdesenvolvimento continuavam se
reproduzindo. A questão é que a elite dominante e conservadora da
AL, se aliavam aos interesses americanos e só investiam nos
interesses dessas elites. Investir na área social, para melhorar as
condições de vida da maioria do povo, era coisa de “comunista”.
Foi por causa disso que armaram um golpe de Estado contra João
Goulart. Jango pretendia investir na área social, as chamadas
Reformas de Base: reforma agrária, reforma educacional, saúde,
saneamento,etc, reforçar algumas estatais, entre elas a Petrobrás.
De novo a Petrobrás, Jango tinha um projeto de aumentar o poder da
estatal. Aí veio o golpe. Foi tachado de comunista, sendo que o
apoio que tinha dos comunistas era muito pequeno. Mas ele era
“comunista”, porque era nacionalista, estatista. Por isso que foi
derrubado. Como disse Noam Chomsky não havia inimigo maior para os
americanos nesta época do que os nacionalistas.
Hoje, depois da Guerra Fria, não tem mais sentido
chamar os nacionalistas de “comunistas”. Mas eles (os americanos)
ganharam a guerra ideológica do liberalismo contra o
intervencionismo estatal. O liberalismo é visto como o sistema
econômico perfeito, livre das garras e regulações do Estado. Não
deu certo nem pra eles - a atual crise econômica (a partir de 2008)
é prova das imperfeições deste sistema. A direita americana e por
extensão a direita brasileira, ainda entreguista, defende com unhas
e dentes o sistema liberal. É claro, é o sistema que salvaguarda os
interesses das grandes corporações globais. Se o mundo fosse
dominado pelo sistema liberal, em todos os sentidos, as grandes
empresas e corporações multinacionais iam mandar no sistema
político e anular todas as leis e direitos adquiridos por
trabalhadores no período keynesiano, acabando de vez com o “welfare
state” ( o Estado do bem estar social). Estas leis e direitos foram
responsáveis pelos melhores indicadores sociais, proporcionando
distribuição de renda e níveis elevados de educação e saúde à
grande maioria da população dos países centrais. A crise atual na
verdade é resultado das medidas tomadas pelo período neoliberal,
que se iniciou com a crise dos anos 1970/1980 e desde então vem
tentando desmontar o “welfare state” criado no período
keynesiano (pós-guerra: 1945-1975). Conseguiram diminuir benefícios
sociais, gastos dos orçamentos dos governos e fragilizaram a fôrça
das centrais sindicais : os salários caíram pela metade nos EUA,
neste novo período liberal. O desemprego aumentou, a concentração
de renda e a miséria aumentaram. Estes sempre foram os efeitos
sociais dos períodos liberais, que significam mais mercado, menos
Estado. Para frear este modelo, os trabalhadores necessitam de ter
mais controle sobre o Estado, pois é o único instrumento possível
para melhorar as condições de vida da população. No mercado
livre, o Capital domina e tem mais fôrça. Controlando o Estado, é
possível frear o mercado e controlar seus excessos e abusos,
permitindo mais benefícios sociais à população. Além do mais, o
mercado livre, totalmente livre, gera crises. É fácil de observar
que todos os períodos liberais entraram em crises. A grande crise de
1929 é resultado do movimento totalmente livre do capital produtivo
que gerou uma crise de superprodução – mercadorias que não se
realizavam no mercado. A atual crise, a partir de 2008, é resultado
da total desregulamentação do mercado financeiro, promovido pelas
autoridades monetárias americanas, a partir dos anos 1980. Mas mesmo
assim os capitalistas insistem que não devem ser regulados, que não
devem sofrer interferência do Estado e continuam vomitando seus
ideais liberais até hoje, quando por exemplo a mídia burguesa
(americana e brasileira) atacam a Petrobrás e inventam crises, no
intuito de desvalorizá-la para possível privatização.
É por isso que hoje achamos que o nacionalismo
não é suficiente para superar as condições de subdesenvolvimento
dos países periféricos. A esquerda brasileira (e latino-americana)
não abraça mais totalmente o nacionalismo, mas defende um sistema
neokeynesiano. Para evitar que o Brasil se torne um grande cafezal
(como era antes de 1930) e como querem os liberais dos países
centrais e a direita brasileira, com todas as mazelas do
subdesenvolvimento (miséria, fome, pobreza e concentração de
renda) é necessário maior controle dos representantes dos
trabalhadores e da sociedade civil sobre o Estado e sobre o mercado
livre. A intervenção do Estado nos países periféricos é
necessária, extremamente necessária para corrigir as distorções
sociais, promover a distribuição de renda e direcionar os
investimentos em setores estratégicos ao nosso desenvolvimento
econômico. Essa é a única saída para superar o subdesenvolvimento
e alcançar os melhores indicadores de qualidade de vida para a
maioria da população.
Daniel Miranda Soares é economista e
administrador público, mestre pela UFV.
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