(Artigo revisado e ampliado, originalmente publicado no endereço:
http://www.diariodoaco.com.br/noticia/90445-7/opiniao/um-outro-olhar-da-crise-os-bilionarios-americanos-corrompem-a-politica. Diário do Aço, 18/02/2015. ).
Pouca gente viu os excelentes documentários da série “Porque Pobreza?” que são exibidos em canais de TV educativos. Um deles é “Park Avenue: Dinheiro, Poder e o Sonho Americano” realizado pelo jornalista Alex Gibney,
que analisa com cuidado as relações entre os novos ricos e os novos
pobres nos EUA nos últimos 30 anos, tomando como modelo a rua Park
Avenue. A rua passa por Manhattan onde ficam os prédios mais luxuosos de
Nova York e onde moram bilionários detentores de fortunas financeiras,
dos barões das falcatruas aos controladores de fundos de investimentos.
Do outro lado da rua, ao sul do Bronx, fica o distrito eleitoral mais
pobre dos EUA com 700 mil pessoas - destas cerca de 40% vivem na
pobreza. Aqui, os últimos 30 anos foram bem diferentes do que se viu no
Park Avenue de Manhattan. As pessoas viram seus salários diminuirem e o
custo de quase tudo chegar às alturas. Eles perderam seus empregos
durante a recessão causada pelos banqueiros do outro lado do rio. E
acabaram em situação ainda pior do que a geração passada. Neste distrito
o desemprego chega a 19% e algumas famílias tem dificuldades até para
por comida na mesa.
É muito difícil de sair da extrema pobreza
nos EUA. Isto quase nunca acontece. Isto é exatamente o oposto do que
as pessoas pensam sobre os EUA - a terra das oportunidades. Para Jeffrey
Sachs (prof. da Columbia) quando ele era jovem os EUA se orgulhavam de
serem uma nação de cidadãos de classe média, com um pequeno grupo de
ricos e um pequeno grupo de pobres. Mas nos últimos 30 anos esta relação
se inverteu: a receita pública era
divida igualmente entre todos no gráfico 1947-1972 (1% aos super ricos
,10% ricos e 90% destinada ao americano médio). A
partir do final dos anos 70, os 90% que estavam na base viram sua pizza
ser totalmente devorada pelos 1% do topo - os mais ricos estão ficando
com um percentual enorme de todos os ganhos da economia : cerca de 2/3
com os super-ricos, os ricos cerca de 1/3 e a classe média ficando com a
menor parte, perto de 1% - invertendo as posições.
Michael Gross (autor do livro “740 Park Avenue...”) diz que um pequeno
grupo de multibilionários, os 1% dos 1% que moram em pouquíssimos
lugares em N.York. Entre os prédios mais luxuosos de NY, o nº 740 da
Park Avenue moram mais bilionários do que em qualquer outro prédio do
mundo. São 31 moradores e cada apartamento tem cerca de 1860m². A maior
parte destes são executivos de hedge fund. Dentre os principais
moradores encontramos: John Thain (CEO na época da derrocada Merril
Lynch); Ezra Merkin que trabalhou para Bernie Madoff; David Koch (o mais
rico do prédio) ; Steve Schwartzman (foi executivo do Lehman Brothers);
entre outros.
O prof. Jacob Hacker (cientista político da
Univ. de Yale) afirma que a gigantesca acumulação de riqueza não tem a
ver só com o trabalho , mas com os ricos que usam o sistema político a
favor deles. Houve um ciclo que reforçou isso. Eles investiram em
políticas que os favoreceram e ainda reinvestiram esse dinheiro na
política. Para entender até que ponto o dinheiro influencia Washington,
Gibney contatou o símbolo máximo da corrupção - o ex-lobista Jack
Abramoff (ficou 4 anos na cadeia), que diz : “.... hoje os congressistas
usam os serviços dos lobistas para redigirem os projetos de lei no
esboço exato do que eles querem e isso envolve pagamento em dinheiro. As
campanhas políticas custam milhões e quem tem dinheiro pede algo em
troca. ... Eu fazia assim e eu sei o que fazia” - afirma o ex-lobista.
Mas quando tudo isso começou ? Quando os ricos começaram a controlar Washington ? Segundo o prof. Hacker de Yale tudo tem a ver com a mobilização dos empresários que ocorreu nos anos 70.
Os empresários seguiram os conselhos do futuro juiz da Suprema Corte,
Lewis Powell que fez um memorando muito convincente para a Câmara do
Comércio determinando que os empresários se unissem, basicamente contra
os reformistas e o poder político dos trabalhadores e líderes de massa
como Ralph Nader. Ele pediu que as grandes corporações se esforçassem
mais para moldar a política americana e as leis. E os empresários o atenderam. O poder lobista dos empresários cresceu vertiginosamente a partir dos anos 70 Eles
investiram quantias enormes na política. O resultado foi o fim das
políticas que beneficavam as classes médias e os pobres dando início às
políticas a favor dos ricos. O lobby era uma indústria de US$400 milhões nos anos 80 e hoje é uma indústria de $4 bilhões.
Jeffrey Sachs (prof. da Columbia) : “Um exemplo da influência que os
bilionários podem ter no governo é algo no código tributário chamado de
“provisão de juros transitados”. Operadores de hedge fund e private
equity como Schwartzman pagam 15% de impostos sobre sua renda.... os empresários mais ricos são taxados em um percentual menor do que o mercadinho da esquina”.
Os democratas tentaram acabar com estes juros, mas não conseguiram. Por
quê ? A influência dos bilionários corromperam também os democratas:
esse é o exemplo perfeito de como o dinheiro manda na política americana
hoje em dia.
E nenhum dinheiro manda tanto quanto o de David Koch e seu irmão Charles. Esse magnata de direita é o morador mais rico do Park Avenue 740. Juntos, eles influenciam a política americana mais que qualquer outra pessoa.
Doaram milhões a grupos de reflexão de direita (CATO Institute, Ayn
Rand Institute, Capital Research Center, Mercatus Center, etc.)
Financiaram Universidades, programas que promovessem a
desregulamentação. Para eles o modelo ideal é um mercado livre de impostos - o supra sumo do paraíso em sociedade. Ofereceram grande apoio financeiro ao movimento Tea Party.
que divulga muito as idéias de Ayn Rand que disse em 1959: “eu me
oponho a todas as formas de controle, sou a favor de uma economia livre e
sem regulamentações”. No mundo de
Rand quem precisa de ajuda é um vagabundo ou um parasita. Quem quer
ajudar os outros é um vilão. Seus heróis tem orgulho de serem os mais
egoístas possíveis. Perguntaram a Ayn Rand : “você não
gosta do mundo altruísta em que vivemos” ? Resposta: “dizer que não
gosto é pouco, eu o considero um mal”. Para eles ser ganancioso é bom, o
individualismo é prioridade em relação aos interesses da coletividade.
Eles não aceitam a idéia de que se você é pobre e sua educação é ruim,
você não tem a mesma oportunidade de competir que os ricos. Parece
que os ideais da direita americana foram copiados pela direita
brasileira - vide oposição que fizeram ao Bolsa Família, às cotas para
universidades e a outros programas de distribuição de renda.
Quase todos concordam que educação é a chave para a ascensão social,
mas a universidade está cada vez mais inalcansável. O custo subiu mais
de 500% desde 1980 - sem um diploma universitário é muito mais difícil
conseguir trabalho. Com 12 milhões
de americanos desempregados os programas de educação e treinamento
estão sendo cortados por ambos os partidos em troca do corte de impostos
para os ricos. Tim Smeeding (Instituto de Pesquisa e Pobreza) : “1 em cada 7 americanos recebem vales-alimentação. Mais da metade são crianças e idosos: 41% deles moram em abrigos”.
Como não conseguem emprego eles precisam da rede de proteção. Paul
Ryan, estrela do Tea Party, quer cortar em 134 bilhões o programa de
vale-alimentação nos próximos 10 anos - sem estes recursos a rede de
proteção seria destruída - para ele a rede de proteção é uma rede de
dormir. Ou seja, bolsa de ajuda para os pobres é Bolsa Vagabundagem como diz também a direita brasileira.
Para Jeffrey Sachs: “Os impostos são o preço que pagamos pela civilização. Sem impostos não há civilização é simples assim....Os impostos pagos pelos milionários diminuíram mais de 25% nos últimos 20 anos. E para muitas pessoas extremamente ricas os impostos caíram quase 50%.”
A maior parte começou no governo Bush. O corte de impostos aumentou a
dívida pública americana (o corte de Bush acrescentou 2,9 trilhões) e
com a proposta de Paul Ryan a dívida aumentaria para 4,6 trilhões nos
próximos 10 anos. A concentração
de renda aumentou nos EUA: os CEOs (altos executivos) ganhavam 20 vezes
mais que um trabalhador comum em 1965; hoje eles ganham 231 vezes mais.
Então, pergunta Gibney, o que está havendo ? Eles estão ganhando mais
porque merecem ? O que é difícil de entender é na insistência dos ricos
em cortar mais impostos já que eles possuem bem mais do que nós. A
riqueza é criada, mas a pobreza também, sem a democracia social todos os ganhos da economia vão para quem está no topo; enquanto
nossos políticos dependerem do dinheiro dos ricos para se elegerem eles
farão leis para proteger os castelos de riqueza do outro lado do
rio....Um rio que se tornou um fosso profundo e proibido.
Daniel Miranda Soares é economista, MSc; ex-professor universitário.
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