A crise
do capitalismo no Centro e na Periferia
Artigo ampliado. Original publicado no Diário
do Aço em 30/09/2013
A atual crise do
capitalismo deflagrada pela crise dos subprime imobiliário nos EUA a
partir de 2008, na verdade começou muito antes disso e se espalhou
pelo mundo todo devido ao processo de globalização iniciado
anteriormente. Mas desta vez a crise capitalista teve impactos
diferenciados no sistema como um todo, basicamente atacou mais
profundamente o centro do sistema – o mundo desenvolvido; mas
também provocou estragos no resto do mundo – a periferia do
sistema. Para o economista Amir Khair, mestre pela FGV, “o
socorro do Estado ao sistema financeiro para evitar o colapso por ele
engendrado ampliou déficits fiscais e endividamentos públicos sem
precedentes” nos países centrais. Para ele, os países
desenvolvidos cresciam antes da crise (período 2004/2008) a 2,3% aa,
passando para depois da crise (período 2009/2012) a crescer apenas
0,5% aa.; uma queda de 77%. Nos EUA e Alemanha a queda foi de 53%, na
área do euro foi de 147%, e no mundo a queda foi de 37%.
Por outro lado,
a crise atingiu todos os países emergentes, desacelerando o
crescimento econômico que vinham ostentando. Antes da crise, no
período 2004/2008 a média anual de crescimento desses países foi
de 7,5% e caiu para 5,4% no período 2009/2012, com perda de 2,1
pontos ou 29%. Uma queda bem menor do que os países centrais e menor
do que a média mundial. O Brasil sentiu o golpe e o impacto da
crise. Nos mesmos períodos o crescimento passou de 4,8% para 2,7%,
com perda de 2,1 pontos ou 44%, portanto acima dos países
emergentes, mas abaixo dos países centrais.
O geógrafo
britânico David Harvey é um dos pensadores mais influentes e mais
lidos da atualidade. Une geografia urbana, marxismo e filosofia
social na compreensão das contradições do mundo contemporâneo.
Professor na John Hopkins e
Oxford, seu livro Condição pós-moderna (Loyola, 1992) foi apontado
pelo Independent como um dos 50 trabalhos mais importantes no
pós-guerra. Seu desenho no YouTube é bastante didático e analisa a
crise atual do capitalismo, tendo mais de 2,3 milhões de
visualizações. Segundo ele a crise atual teve como base a crise dos
anos 70 e é resultado do excessivo poder dos trabalhadores e
sindicatos do período pós-guerra (1945-1975), período considerado
keynesiano, de grande intervenção do Estado na economia, mas em que
houve melhoria das condições sociais dos trabalhadores : maiores
salários, benefícios sociais, participação nos lucros, etc.
Portanto maior carga tributária; enfim mais Estado e mais bem estar
social. Contudo os capitalistas não gostavam porque perdiam poder e
tinham menos lucro.
A crise dos anos 70
põe a nu o período keynesiano e suas contradições
capital/trabalho. E
a tese é que em muitos aspectos a forma da crise atual é ditada
muito pela forma como saímos da última. O problema na década de
1970 foi poder excessivo dos trabalhadores em relação ao capital. Assim a saída desta crise foi disciplinar os trabalhadores. E nós
sabemos como isso foi conseguido. Foi feito através de off-shores
foi adotado por Thatcher e Reagan e foi feito pela doutrina
neo-liberal. E de todas as maneiras e feitios. Mas em 1985 ou 86 a
questão do trabalho estava essencialmente resolvida para o capital.
Tinha acesso a todas as fontes de trabalho do mundo. Ninguém hoje,
citou sindicatos gananciosos como a raiz da crise. Ninguém hoje
está dizendo “tem algo a ver com o poder excessivo do trabalho”.
Se há algo, é o
poder excessivo do capital. E em particular do excessivo poder do
capital financeiro, que é a raiz do problema. E então, como é que
isto aconteceu? Bem, desde 1970 temos estado numa fase que chamamos
de “repressão salarial” em que os salários permaneceram
estagnados, a participação dos salários na receita nacional vem
paulatinamente diminuindo em todos os países da OCDE. Assim,
a partir de Margaret Thatcher e Ronald Reagan se inicia um novo ciclo
nas economias ocidentais onde se implanta o modelo neoliberal,
desmontando o Estado keynesiano. Menos Estado e mais mercado. Os
governos neoliberais tentam destruir todos os ganhos trabalhistas
conquistados no período anterior por meio da desregulamentação do
mercado de trabalho e do capital, p.ex. abrindo os mercados americano
e europeu aos imigrantes para aumentar a oferta de trabalho no
intuito de diminuir os salários, etc. Não deu muito certo, então
partiram para o deslocamento geográfico da globalização. As
multinacionais se deslocam para a China, onde a mão de obra é mais
barata. A produção diminui no centro e aumenta na periferia, onde o
custo de mão de obra é bem menor.
No centro os salários caem a partir dos anos 80,
90. Então se
diminui os salários, cria-se
o problema de onde é que a procura vai surgir. A a resposta foi :
“Bem, vem daí os cartões de crédito. Vamos dar cartões de
crédito a toda a gente. Então ultrapassamos se preferir, o problema
da procura efetiva, ao encher a economia de crédito. Pra
não diminuir o consumo o sistema financeiro desenvolve novos
produtos para endividar os trabalhadores – o crédito aumenta, a
dívida dos trabalhadores triplica nestes 20,30 anos. Assim
toda a história do capitalismo tem sido a história da engenharia
financeira ou da inovação financeira. E a inovação financeira
tem também o efeito de dar poder aos agentes financeiros .A
engenharia financeira fica mais sofisticada – os financistas ganham
mais poder – a renda se concentra nas mãos dos banqueiros, diminui
o consumo, diminui a produção, fecham-se fábricas. E
se se observa
os lucros financeiros dos EUA , eles
dispararam
a partir dos anos 1990. E os lucros na produção estavam descendo.
Basicamente lixou-se
para a indústria para manter os financiadores felizes.
Como diz Harvey no
documentário do Youtube : “O
ganho dos ricos se acelerou neste país. Somente no ano passado, o
que aconteceu é que os principais proprietários de fundos de
cobertura obtiveram remunerações de 3 bilhões cada, num só ano. E
eu que pensava ter sido obsceno e insano há alguns anos atrás
quando recebiam 250 milhões cada.” …
Como boa parte do
consumo dos americanos são de imóveis (68% dos americanos tem casa
própria) a crise estoura no crédito imobiliário. Lá na ponta
alguém tem que pagar. Os trabalhadores perdem suas casas, os bancos
cobram e deixam de receber, começam a quebrar. Nos
últimos 30 anos o capitalismo deslocou seu centro de atividades de
investimentos do setor produtivo para o setor financeiro especulativo
(ativos e valorização de ativos) aluguel de terras, preços de
imóveis e até mesmo o mercado de arte.... O setor financeiro
inventou várias inovações que permitem que se ganhe dinheiro
jogando com o dinheiro. Ou seja vivemos em um mundo muito propenso a
crises e elas diziam quase sempre respeito a valores
fictícios....dívidas...muitas das crises foram crises urbanas, pois
grande parte dos investimentos urbanos é especulativo. Desta vez
foi a crise das hipotecas da habitação. Aí entra o governo pra
ajudar os bancos. Os governos se endividam, ampliam
seus déficits fiscais para salvar o sistema financeiro. Ou seja
dinheiro público vindo dos contribuintes vai parar nas mãos do
setor privado para evitar a quebradeira das instituições
financeiras. A
crise está formada e se propaga dos EUA à Europa.
Depois atinge o resto
do mundo pela queda na demanda geral efetiva. Nos países emergentes
o ritmo de crescimento diminui, mas continua positivo, porque são
atingidos apenas pela demanda externa de seus produtos. Na América
Latina, ao contrário dos países centrais, o Estado não diminui e
nem se endivida, permitindo
uma recuperação dos salários e aumento do mercado interno, com
distribuição de renda. Isto acontece porque os governos
progressistas da
América do Sul não
adotam medidas neoliberais. Assim, a crise global os atinge com um
impacto bem menor do que nos países centrais. A
crise capitalista surge nos países desenvolvidos pela ganância do
setor financeiro engedrado intrinsecamente pelas contradições
internas do processo de acumulação de riquezas – uma crise típica
do sistema capitalista. Esta crise no centro do sistema resultou numa
concentração de renda e queda do poder aquisitivo dos trabalhadores
e portanto da demanda efetiva. O efeito desta crise se espalha pelo
resto do mundo exatamente por este resultado, queda da demanda
efetiva. Os países periféricos diminuem seu comércio exterior com
os países centrais, sendo atingidos
desta forma pela crise capitalista.
Daniel
Miranda Soares é economista e administrador público aposentado, com
mestrado pela UFV.
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