FOLHA DESTACA APENAS DADOS NEGATIVOS DA PNAD
Em sua coluna deste domingo, a ombudsman da Folha abordou a Pnad. Relata
como a mídia transformou uma notícia excelente em um amontoado de
péssimas notícias.
Pois bem, a última PNAD revelou um dado surpreendente. Tão surpreendente
que surpreendeu até a Néri, um dos principais coordenadores da
pesquisa: no ano passado, apesar do “pibinho” de 0,9%, o brasileiro
ficou muito mais rico – a renda média cresceu 8,9%.
Pelos cálculos de Marcelo Neri, 50, presidente do Ipea, 3,5 milhões de
brasileiros saltaram a linha de pobreza em 2012. "No conjunto das
transformações, foi a melhor Pnad dos últimos 20 anos", diz Neri.
Mas não para a nossa grande imprensa conservadora e golpista, que transformou uma excelente notícia em péssima notícia. Veja abaixo o artigo de Suzana Singer, ombudsman da Folha.
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FOLHA DE SÃO PAULO
6 de outubro de 2013
OMBUDSMAN
SUZANA SINGER ombudsman@uol.com.br @folha_ombudsman facebook.com/folha.ombudsman
Arauto das más notícias
Folha destaca apenas dados negativos da Pnad, apesar de a pesquisa ter apontado aumento de renda em 2012.
A edição que a Folha fez da pesquisa Pnad, que traça
anualmente um quadro social do país, é um prato cheio para quem acha que
o jornal só publica más notícias. Todos os destaques pinçados no
levantamento eram negativos.
O título na capa informava que “Analfabetismo e desigualdade
ficam estagnados no país” (28/9). Em “Cotidiano”, havia o aumento da
diferença de renda entre homem e mulher, os salários inchados pela falta
de mão de obra especializada e o celular como o único tipo de telefone
em mais da metade dos lares. A análise dizia que o resultado da pesquisa
pode significar “o fim da década inclusiva”.
Outros jornais optaram por manchetes do tipo uma no cravo
outra na ferradura: “Renda média sobe, mas desigualdade para de cair”
(“O Globo”), “Analfabetismo para de cair no país; emprego e renda sobem”
(“Estado”), “Em todas as regiões houve aumento de renda, mas a
desigualdade ficou estagnada” (Jornal Nacional).
Com seu característico catastrofismo, a Folha fez uma leitura
míope da pesquisa, que é muito importante pela sua abrangência -são 363
mil entrevistados respondendo sobre escolaridade, trabalho, moradia e
acesso a bens de consumo.
O dado mais surpreendente era que a renda do brasileiro
cresceu em 2012, ano em que o PIB subiu apenas 0,9%. Na Folha, esse
fenômeno só foi citado no meio de uma reportagem sobre a desigualdade.
Coube ao colunista Vinicius Torres Freire, no dia seguinte,
chamar a atenção para o fato de que o Brasil estava mais rico “e não
sabíamos”. “É possível dizer que a taxa de pobreza deve ter caído bem no
ano passado”, escreveu Freire.
Pelos cálculos de Marcelo Neri, 50, presidente do Ipea, 3,5
milhões de brasileiros saltaram a linha de pobreza em 2012. “No conjunto
das transformações, foi a melhor Pnad dos últimos 20 anos”, diz Neri.
A desigualdade parou mesmo de cair, mas foi porque os muito
ricos (1% da população) ficaram ainda mais ricos (a renda subiu 10,8%),
num ritmo mais rápido do que os muitos pobres (10% na base da pirâmide)
ficaram menos pobres (ganho de renda de 6,4%). É claro que não se deve
desprezar o abismo social, mas não dá para ignorar que houve uma melhora
geral no ano passado, o que é um mistério a ser explicado pelos
economistas.
Se o jornal subestimou o dado da renda, deu espaço demais
para o fato de o analfabetismo ter parado de cair. Teve nesse ponto a
companhia dos outros jornais e da TV.
Depois de 15 anos de queda contínua, a taxa de analfabetismo
variou de 8,6% para 8,7%. A diferença, irrisória, pode ser apenas uma
flutuação estatística. Nem o fato de a taxa ter parado de cair é
importante, segundo os especialistas.
Os analfabetos brasileiros concentram-se, principalmente, na
faixa etária mais alta (60 anos ou mais). Os mais velhos, que não
tiveram acesso à escola na infância, são mais difíceis de serem
alfabetizados. “Entre os jovens, a proporção de analfabetos continua
caindo. A conclusão é que, embora nossa educação tenha muitos problemas,
este não é um deles”, explica Simon Schwartzman, 74, presidente do
Iets.
O destaque dado à diferença entre a remuneração de homens e
mulheres também foi descabido. Em 2011, a brasileira recebia 73,7% do
salário de um homem. No ano passado, era 72,9%.
Além de não ser uma variação muito significativa, pode ser um
problema amostral. “As mulheres não estão necessariamente ganhando
menos do que os homens. Se elas já têm uma renda média menor, basta
crescer a participação feminina no mercado de trabalho para aumentar a
diferença entre os sexos”, afirma Marcio Salvato, 44, professor de
economia do Ibmec.
Entre os bens de consumo, o jornal destacou o celular e as
motos. Wasmália Bivar, 53, presidente do IBGE, ressalta a máquina de
lavar roupa, presente em 55% das casas. “Para a vida das famílias mais
pobres, é um bem de grande significado, porque dá mais tempo livre para
as mulheres.”
Não é fácil escolher o que há de mais relevante em uma
pesquisa extensa como a Pnad, mas não dá para adotar o critério dos
piores números. O jornalismo deve ter como primeira preocupação o que
vai mal, apontar os problemas, só que o necessário viés crítico não pode
impedir que se destaque o que é de fato o mais importante.
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