quinta-feira, 8 de maio de 2014

Dois modelos: o Neoliberal (México) e o "Intervencionista" (Brasil). Qual foi melhor ?

A miragem mexicana

Elogio a modelo liberal mexicano é ideológico e cego. Resultados sociais e econômicos são muito piores que no Brasil “intervencionista” 
 
por José Luís Fiori — publicado 03/05/2014 15:09, última modificação 04/05/2014 11:36 
 
Poucas pessoas inteligentes – fora da Inglaterra – ainda prestam atenção nas notícias da monarquia inglesa e da sua família real, em pleno século XXI. Mas o mesmo não se pode dizer da City, centro financeiro de Londres, e dos seus dois principais órgãos de imprensa e divulgação – o Financial Times, e o The Economist – que seguem tendo importância decisiva na formação das opiniões e dos consensos ideológicos entre as elites liberais e conservadoras do mundo. A escolha dos seus temas e o uso de sua linguagem nunca é casual. Como no caso recente do seu entusiasmo pelo México e seu modelo de desenvolvimento liberal – e seu ataque, cada vez mais estridente, ao “intervencionismo” da economia brasileira. Uma tomada de posição compreensível do ponto de vista ideológico, mas que não vem sendo confirmada pelos fatos.

Em 1994, o México assinou o Tratado de Livre Comercio da América do Norte (Nafta), junto com os EUA e Canadá. Nos últimos 20 anos, tem sido absolutamente fiel ao livre-cambismo, incluindo sua adesão a Aliança do Pacífico, e à inciativa norte-americana da Parceria Trans-Pacífica – TPP. Por outro lado, nesse mesmo período, o México praticou uma política macroeconômica e financeira rigorosamente ortodoxa – em particular na última década – mantendo inflação baixa, cambio flexível, taxas de juros moderadas e amplo acesso ao crédito. Mesmo assim, depois de duas décadas, o balanço dessa experiência ultraliberal deixa muito a desejar1.

Como era de prever o comercio exterior do país cresceu significativamente no período e passou – em termos absolutos – de 60 bilhões de dólares, em 1994, para US$ 400 bi, em 2013. Mas nesse mesmo período, a economia mexicana teve um crescimento médio anual pífio, de 2,6%, sendo o crescimento per capita de apenas 1,2%. O emprego industrial cresceu de forma setorial e vegetativa, e mesmo nas “maquiladoras”, foi de apenas 20% – algo em torno de 700 mil novos postos de trabalho. A participação dos salários permaneceu em trono de 29% da renda nacional, e a pobreza absoluta da população mexicana aumentou significativamente. Por fim, ao contrário do que havia sido previsto, a economia mexicana não se integrou nas “cadeias globais de produção”. A produtividade média da economia praticamente só cresceu de forma segmentada e vegetativa, e o “investimento direto estrangeiro” (o principal “prêmio” anunciado em troca da abertura da economia) não teve nenhuma alteração significativa.

Esse balanço fica ainda mais decepcionante quando se compara o desempenho do “modelo mexicano”, com o “modelo intervencionista” da economia brasileira, no período entre 2003 e 2012. Segundo dados publicados pelo Banco Mundial2, e pelos Ministérios do Trabalho dos dois países, os números e as diferenças são realmente chocantes. 

Nesse período, a crescimento médio anual do PIB brasileiro, foi de 4,21%; o do México, de 2,92%. O crescimento total a economia brasileira foi de 42,17%; o do México, de 29,29%. As exportações brasileiras cresceram a uma taxa anual de 6,59%; as do México, a uma taxa de 5,35%. O crescimento total das exportações brasileiras foi de 65,95%; o do México, de 53,35%. As importações brasileiras cresceram a uma taxa média anual de 17,33%; as do México, a 6,75%. O crescimento total das importações no Brasil foi de 173,32%; no México, de apenas 67,54%.

Por outro lado, a renda per capita brasileira cresceu a uma taxa anual de 2,84% e a do México, 1,42%. O crescimento total da renda no Brasil foi de 28,4%, e no México foi de 14,26%. E a participação dos salários na renda chegou a 45% , no Brasil, contra 29% no México. Nesse mesmo período, o Brasil criou 16 milhões de novos empregos formais, e o México 3,5 milhões; e a pobreza absoluta foi reduzida a 15,9%, no Brasil, e aumentou para 51,3%, no México. Por fim, (pasme-se), entre 2002 e 2012, o “investimento direto estrangeiro” cresceu, no Brasil, de US$ 16,59 bilhões, para US$ 76,11 bilhões de dólares. No México, caiu de US$ 23,932 bilhões, em 2002, para U$ 15,455 bilhões, em 2012! Só para encerrar a comparação, em 2103 a economia brasileira cresceu 2,3%, (uma das maiores taxas entre as grandes economias do mundo), enquanto a economia mexicana cresceu 1,1%.

Fluxos de Investimento Direto Externo (em dólares)
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Clique para ver maior. Fonte: International Monetary Fund. Disponível em: http://data.worldbank.org/indicator/BX.KLT.DINV.CD.WD/countries/BR-MX?display=graph em 27/04/2014

Isto posto, o elogio do México deve ser considerado um caso de má fé, fundamentalismo ideológico, ou estratégia internacional? As três coisas ao mesmo tempo. Mas o que importa é o que dizem os números, e a conclusão é uma só: na última década, o “modelo mexicano” de abertura liberal, integração com os EUA, e livre comércio teve um desempenho extraordinariamente pior do que o “modelo intervencionista”, “heterodoxo” e “fechado” (segundo Financial Times e The Economist) da economia brasileira, junto com seu projeto de integração do Mercosul.

José Luís Fiori é professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ, é Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ, “O poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”,www.poderglobal.net. O último livro publicado pelo autor, O Poder Global, editora Boitempo, pode ser encontrado em nossa loja virtual. O acervo de seus textos publicados no Outras Palavras, podem ser lidos aqui. 1Vide artigo do ex-ministro de relações exteriores do México, Jorge Castañeda: “NAFTA´s mixed record”, publicado no numero da Revista Foreign Affairs,. de janeiro/fevereiro de 2014.
 

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