quarta-feira, 7 de março de 2012

“A INFLAÇÃO ALEIJA, MAS O CÂMBIO MATA”

Reproduzo abaixo, dois textos interessantes sobre "desindustrialização" . O próximo será o meu.

 

O PIB e a volta do Estado-Nação

O PIB de 2011 mostra um recuo assustador do setor industrial na economia: de 2010 para 2011, a fatia da indústria no PIB recuou de 16,2% para 14,6%. As vendas do setor varejista cresceram mais de 7% no ano passado, mas produção industrial apenas 0,3%: a diferença foi atendida pelas importações, impulsionadas pelo Real forte, consequência do ingresso maciço de capital especulativo, atraído pelos juros siderais do país.

O conjunto explica por que o investimento brasileiro despencou do equivalente a mais de 21% do PIB em 2010 para menos de 5% dele em 2011. Não há panacéia para reverter a espiral descendente da atividade industrial e, por tabela, do investimento.

A solução, em primeiro lugar, contempla uma ousadia política: entender que o Estado-Nação, ou seja, a soberania sobre a moeda, portanto, o controle sobre o fluxo de capitais estrangeiros, tornou-se um imperativo histórico diante da desordem financeira e cambial gerada pelo colapso do neoliberalismo.

À contragosto do mainstream neoliberal e financista, a agenda do Estado-Nação está de volta. Ainda que a mídia conservadora omita, é a pauta óbvia por trás da guerra cambial denunciada pela Presidenta Dilma Rousseff, que apontou o dilúvio monetário como uma nova forma de protecionismo dos Estados ricos; é o que está por trás da reforma no BC argentino (Leia reportagem nesta pág); é também o que explica, em boa parte, a opção eleitoral da sociedade russa por um Estado forte (com as devidas e justas ressalvas à precariedade da democracia russa, nascida para legitimar o saque contra o patrimônio público soviético).

A volta do Estado-Nação --repita-se, a soberania no manejo da moeda, do câmbio e dos juros-- não representa um retorno ao nacional-desenvolvimentismo dos anos 50/60, que subestimou a questão social e ignorou o meio-ambiente na ordenação estratégica do crescimento (Leia em Carta Maior a coluna de José Luis Fiori sobre os dilemas do desenvolvimentistmo no século XXI) Tampouco significa uma alternativa global à montanha desordenada de ruínas produzida pela crise de 2008. Trata-se ,porém, da opção disponível à deriva mundial alimentada por uma lógica financista que até o colapso das subprimes arrogava-se virtuosa, eterna e universal.

Hoje, avulta até aos olhos desavisados, aquilo que se pretendia universal era um feixe de interesses pantagruélicos, engendrados pela supremacia das finanças desreguladas, cuja regressividade eviscerou Nações, Estados, direitos sociais e a própria subjetividade. A percepção consciente ou intuitiva de que há incontornável necessidade de um poder capaz de barrar e reverter essa engrenagem, explica a urgência de se devolver o imperativo da soberania à caixa de ferramentas da política econômica brasileira. (Leia mais sobre esse debate no texto de Dani Rodrik:
http://www.project-syndicate.org/commentary/rodrik67/English)
Postado por Saul Leblon às 11:42


A INFLAÇÃO ALEIJA, MAS O CÂMBIO MATA (Mario Henrique Simonsen)

Por Rodrigo Vianna

“O Serra pode ser criticado por muitos motivos. Mas num ponto é preciso concordar com ele: o Brasil está num processo de desindustrialização [para o qual ele muito contribuiu como ministro do planejamento no governo FHC com a “âncora cambial” e ao passar, na “privataria”, muitas indústrias nossas para mãos estrangeiras]. Logo no início do governo Dilma, publiquei aqui um modesto artigo que tocava nesse ponto – lembrando os alertas lançados por dois importantes economistas: Delfim Neto e Marcio Pochmann.


A “CartaCapital” desta semana traz, na capa, exatamente o tema da desindustrialização. Ou seja: nesse ponto, Serra está bem acompanhado. O que não ajuda muito o tucano é o fato de ter sido ministro (do Planejamento) num governo que adotou a doutrina ultraliberal feito dogma, abrindo a economia sem nenhum tipo de freio, expondo a indústria (e o país) à tal “âncora cambial” – que servia para frear a inflação e consolidar o Real, mas que teve papel nefasto para o Mercado Interno.

Agora, Dilma diz – na Alemanha, que Brasil vai se proteger da guerra cambial.

Lembro bem que, durante o governo FHC, a cada reclamação do setor industrial, gente ligada ao tucanato ia para a imprensa e chamava o prédio da FIESP de “grande monumento ao custo Brasil”. Quase na galhofa. Os tucanos (ou parte deles, porque havia gente ajuizada como Bresser, que não achava graça nenhuma em jogar fora o capital nacional) pareciam ter um desejo sádico de quebrar a indústria nacional, arrebentar esse patrimônio construído a duras penas desde o governo Vargas.

O tucanato podia se dar a esse luxo. Afinal, na ampla coalizão que sustentava FHC, o setor financeiro era claramente hegemônico (basta ver onde foi trabalhar o Ministro Malan, após deixar o governo).

Lula e Dilma mantiveram o setor financeiro na grande aliança que sustenta o governo. Isso é inegável. Mas a ênfase mudou. Lula cumpriu o velho programa dos “economistas do PMDB”, que passaram anos e anos lutando para que o Brasil priorizasse o mercado interno de massas e crescesse dividindo o bolo. Isso só pôde ser feito em aliança com a indústria. Lula pôs em prática, também, a velha tese do partidão: a famosa “aliança do operariado com a burguesia industrial”. Lula fez isso, e, ao mesmo tempo, incorporou vinte milhões de miseráveis ao mercado. E – ufa! - sem desagradar a Banca. Ficou de fora do grande arranjo lulista a classe média tradicional (ou “pequena-burguesia”, como diziam os petistas quando ainda estavam sob influência do marxismo); não é à toa que dela parte a oposição mais virulenta a Dilma/Lula.

Mas essa é outra história… Quero me concentrar em outro ponto. O compromisso de Lula com o setor produtivo industrial, de certa forma, era sinalizado pela presença de um “capitão da indústria” na vice-presidência. José Alencar passou oito anos brigando para derrubar os juros. Era a forma de Lula equilibrar o jogo, ainda que, no primeiro mandato, a balança tenha pendido mais para o núcleo duro financista, representado pela dupla Palocci/Meirelles.

No segundo mandato, a presença de Mantega na Fazenda foi decisiva para que, na crise de 2008, Lula adotasse uma saída “expansionista” para enfrentar a crise. Uma das medidas para fazer o Brasil resistir à crise foi a redução de alíquotas de imposto para os carros. Isso mostra o papel dinâmico da indústria. Mostra porque é fundamental preservar o imenso patrimônio industrial brasileiro. Lula manteve a aliança com a banca. Mas deu mais ênfase ao mercado interno e à indústria. No governo Lula, ninguém chamava a FIESP de “monumento ao custo Brasil”…

Mas o fato é que “mudar a ênfase” é muito pouco. Do contrário, qualquer dia vamos acordar, olhar para o lado e perguntar: cadê a indústria que tava aqui? A China comeu.

O Brasil, hoje, é vítima de sua estabilidade. Mais que isso: dólares não param de chegar, deixando o Real cada vez mais forte. Por que? Porque nossos juros altos atraem capital. E há muito dinheiro voando por aí. Os EUA detêm a famosa “maquininha de imprimir papel-moeda”. Os tolos liberais brasileiros sempre disseram que política expansionista era um erro. E que era preciso “enxugar” a economia, e “fazer a lição de casa” e blá-blá-blá. O “Federal Reserve” não acredita na cantilena liberal. Na crise, inundou o mundo de dólares. Qual o objetivo? Os produtos dos EUA precisam ficar mais baratos! É uma tentativa desesperada de recuperar a indústria dos EUA – dizimada pelos chineses.

Como diz meu colega Azenha: Reagan iniciou o processo de exportar empregos industriais para a China e o México. Os EUA queriam ficar apenas com a “economia limpa”, do setor de serviços. Agora, os EUA descobrem que só os “serviços” não seguram o país na hora da crise. E também se perguntam: cadê a indústria? A China comeu!

Do outro lado do mundo, a China segura a cotação do yuan. É o que explica – em parte – os preços imbatíveis dos produtos industriais chineses.

E o Brasil?

Não há saída. Agora, não bastam mudanças cosméticas. Não basta baixar IPI aqui ou ali. Nossa indústria está sendo dizimada. Não se trata de “choradeira da FIESP”. Conheço duas pessoas – empresários de pequeno porte – que trabalham com exportação de produtos brasileiros. Os dois estão com a corda no pescoço. A duras penas, seguram os clientes que ainda não se mandaram; não conseguem novos clientes. O mundo quer comprar barato da China.

Ok, talvez não consigamos concorrer com os chineses, a não ser aqui na América Latina, o que já não seria pouco…

Mas o principal, agora, é fazer a defesa de nosso mercado interno. Isso é urgente. O governo precisa adotar medidas duras para conter a valorização do dólar e para impedir a entrada dos produtos chineses.

Recentemente, entrevistei o professor Bresser Pereira, e ele foi claro. O Brasil precisa controlar a entrada e saída de dólares. Se Dilma não fizer isso agora, o estrago pode ser definitivo.

O que nos consola é: esse não é um drama (apenas) brasileiro. O mundo vive a tal “guerra cambial”. EUA e China usam suas armas. Precisamos usar as nossas, lembrando sempre da velha frase do Mário Henrique Simonsen: a inflação aleija, mas o câmbio mata.”

FONTE: escrito por Rodrigo Viana em seu blog “Escrivinhador”  (http://www.rodrigovianna.com.br/forca-da-grana/cade-a-industria-que-tava-aqui.html#more-11864). [Imagem do Google e trecho entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

Nenhum comentário:

Postar um comentário