quarta-feira, 7 de março de 2012

O Brasil está em processo de desindustrialização ?


O Brasil está em processo de desindustrialização ?

Na imprensa brasileira e na mídia em geral corre a notícia que há um processo de desindustrialização no Brasil, principalmente na imprensa tradicional e entre os líderes de oposição. Até mesmo alguns economistas e outros pseudo economistas acreditam nesta história. Jornalistas afirmam que o país está desindustrializando. Empresários do setor industrial usam a mídia como ameaça afirmando esta tese, como é o caso dos líderes industriais paulistas e instituições ligadas a eles, tais como Fiesp e CNI. Mas estes usam suas instituições como força de barganha para conseguir do governo vantagens para seus setores. 

Mas, enfim o país está desindustrializando ? A resposta para esta pergunta é muito simples : NÃO. Evidente que não. Todos os estudos que usam critérios mais científicos e rigorosos provam que não. E isso desde há alguns anos. André Nassif, economista-pesquisador do BNDES, escreveu na Revista de Economia Política de jan/mar de 2008, o artigo “Há evidências de desindustrialização no Brasil?” rebate argumento de Gabriel Palma (2005, da Stanford University) que afirma que os países latino-americanos vivem uma nova forma de “doença holandesa” (dutch disease). Nessa versão, as novas políticas econômicas teriam acarretado não apenas perda relativa e precoce de participação da indústria no PIB, como principalmente o retorno a um padrão de especialização internacional baseado em produtos intensivos em recursos naturais.
André Nassif usando uma metodologia rigorosa e estatísticas oficiais consegue provar que não, que isso não acontece com o país. No primeiro critério usa o conceito de produtividade do trabalho a longo prazo: pela razão entre produção física e pessoal ocupado. Neste critério geral, não houve desindustrialização, pelo contrário, houve expansão da produção física industrial. Um outro critério é a mudança na estrutura industrial brasileiro a longo prazo. Na década de 50 o peso do setor agropecuário era muito grande (24%) no PIB e o industrial de apenas 18%; já na década de 80 o setor agropecuário cai para 10% do PIB e o industrial aumenta sua participação para 31% do PIB, alcançando a participação recorde de 32% em 1986. Na década de 1990, com a abertura comercial o setor industrial começa a perder sua participação relativa no PIB, chegando a 22,7% de forma sustentada. A queda da participação industrial no PIB foi acompanhada por uma elevação do setor de serviços no PIB brasileiro. Mas essa tendência se manteve ao longo da década de 90 e início do século XXI, chegando a 23% em 2004. De fato, a perda de participação relativa da indústria de transformação no PIB brasileiro nesse período, está longe de ter sido movida pelos fatores microeconômicos internos ou externos que costumam explicar a desindustrialização em países avançados .
Para que a hipótese de desindustrialização manifestada pelos diversos focos da " nova doença holandesa" seja válida para o caso brasileiro, uma parte expressiva dos segmentos que constituem as indústrias com tecnologia intensiva em escala, diferenciada e baseada em ciência deverá mostrar, simultaneamente, perda de participação no valor adicionado e nas exportações totais da indústria. No entanto, estes ramos industriais não alteraram significativamente sua participação relativa no produto industrial entre 1996 e 2005. Houve sim, perda relativa, de cerca de 2% dos setores texteis e vestuário (intensiva em trabalho) e aumento maior do setor de produção de petróleo e gás (compensando aquela perda). Ou seja, não houve alterações significativas na estrutura industrial brasileira das duas últimas décadas. 
 
Mas e aí vem o perigo; existe um más que pode levar o Brasil a sua desindustrialização – são as políticas de altos juros e supervalorização cambial. A partir de 2009 o Real sofre um processo de supervalorização: “O aumento desproporcional das importações e a perda de competitividade das exportações de manufaturados constituem-se nos maiores obstáculos ao investimento industrial e à geração de empregos e renda e, portanto, à constituição do ciclo virtuoso de crescimento liderado pelo investimento e pela indústria” – dizem Fernando Sarti e Célio Hiratuka do Instituto de Economia da Unicamp (2011). O risco de impactos negativos de uma expansão das importações será muito maior em um processo de valorização cambial. Porque esta política tende a substituir a produção industrial brasileira por produtos importados mais baratos. A participação da indústria na economia nacional já foi de 30% na década de 1980, mas atualmente caiu para cerca de 17% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) da Universidade de Campinas. “Não foi uma perda em termos absolutos, mas relativos, porque outros segmentos cresceram muito mais." (segundo o professor Júlio Almeida do Iedi). Entre esses segmentos destacam-se, por exemplo, o forte desenvolvimento da agropecuária, impulsionado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e do setor de serviços, principalmente nas áreas de telecomunicações, financeira e de software. De acordo com o professor, “a indústria sofreu desaceleração, enquanto os demais segmentos da economia cresceram. Não regredimos, mas poderíamos ter evoluído muito mais, uma vez que a indústria tem muito a dar ao Brasil”. O economista do Iedi ressaltou que a valorização do real em relação ao dólar é um fator decisivo para o “encolhimento” da indústria
 
O governo tem lançado políticas de incentivo à indústria nacional, mas de forma pontual, ou seja protegendo este ou aquele setor da concorrência internacional: foi assim no final do governo Lula com a indústria de eletrodomésticos e com a indústria automobilística. E agora com o governo Dilma com o plano Brasil Maior, que é um incentivo à inovação do setor e também aumentando a alíquota de importação para veículos. Estas medidas protegem pontualmente certos segmentos da indústria nacional. Por exemplo, a indústria automobilística continua crescendo e deve continuar crescendo nos próximos anos. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) avalia que entre 2011 e 2015 as montadoras instaladas no Brasil investirão cerca de US$ 19 bilhões (média de US$ 3,8 por ano). O país é visto com grande potencial  de crescimento para venda de automóveis. A média no Brasil é de seis habitantes por carro no Brasil, enquanto nos Estados Unidos (maior consumidor mundial) a média é de um carro por habitante. Segundo a Anfavea, entre 2005 e 2011, a produção de carros no Brasil passou de 1,715 milhão de unidades para 3,420 milhões de unidades por ano. O país tem capacidade instalada para produzir 4,5 milhões de carros por ano. A industria automotiva equivale a 5% do Produto Interno Bruto brasileiro e a um quinto do PIB industrial. Mas o que vale são as inovações tecnológicas e maior conteúdo nacional , que é o caso da Ford do Brasil, que anunciou no início de 2012, a produção do modelo do carro mundial no Brasil (e também na Tailândia e Índia), o EcoSport projetado por engenheiros brasileiros e argentinos. O anúncio da montadora indica que a indústria brasileira pode agregar valor a seus produtos. “É um produto nosso que está virando item de exportação. Essa é uma mudança de patamar importante e alinhada com o pensamento da presidenta da República [Dilma Rousseff], que quer fazer do Brasil não uma plataforma de montagem e produção, mas uma plataforma de tecnologia, engenharia e design” (disse o governador da Bahia, Jacques Wagner). Se for por esse caminho tudo bem. Pode acontecer, mas o problema que estas empresas são multinacionais, podem mudar de rumo a qualquer hora e só olham os seus próprios interesses – enquanto estiver interessante produzir aqui, eles continuarão. 
 
Certos setores, no entanto, não conseguem concorrer com produtos importados : é o caso das siderúrgicas brasileiras. “A desindustrialização é uma realidade que passa pela perda da competitividade seja pelo câmbio, tributação, assimetria competitiva ou pela guerra comercial com a China, principalmente”, disse o presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, André Johannpeter. Para Johannpeter, cuja família é a principal acionista do Grupo Gerdau, se o governo não pode promover mudanças na política de câmbio, que se encontra desfavorável às exportações por causa da valorização do real, pode atuar em outras frentes. “Se o câmbio vai ser esse e a dificuldade para competir vai ser essa, há outras áreas que podem ser mexidas, como a tributária, o custo de energia, que é o terceiro mais caro do mundo, os encargos trabalhistas e a competição desleal”, disse ele. 
 
Aí, entramos numa área real de perigo que pode provocar a desindustrialização (parcial ?) brasileira: a concorrência desleal da China. Não dá pra concorrer com a China, ela se preparou para dominar o mundo, ela tem a menor carga tributária, o salário mais baixo do mundo e a moeda mais desvalorizada do mundo. Simplesmente não dá pra concorrer com um país que tem esta estrutura, em termos assimétricos ou seja: livre comércio e livre câmbio de um lado; enquanto o outro lado controla estas variáveis. A China manipula sua moeda e seu câmbio e os termos do comércio exterior. Só existe um jeito de concorrer com ela, usando os mesmos instrumentos de controle monetário e cambial. Ou pelo menos tentar nos proteger com medidas protecionistas e anti-dumping,etc. Em 2005, Argentina, Brasil, Colômbia e México exportaram cerca de US$ 1 bilhão para a China em produtos metalmecânicos e importaram US$ 18,3 bilhões. Em 2010, o valor das exportações praticamente dobrou. No entanto, as importações saltaram para US$ 59,5 bilhões, elevando o déficit na balança comercial de US$ 17,3 bilhões em 2005 para US$ 57,5 bilhões no ano passado. “Exportamos cada vez mais produtos primários [para a China] e recebemos cada vez mais produtos manufaturados, o que significa que a geração de emprego e o valor adicionado estão na China”, disse Germano Mendes de Paula, do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (MG), que apresentou o estudo. Quase 63% do que é exportado pela China para o Brasil são produtos metalmecânicos, enquanto o Brasil exporta apenas 2,5% em produtos da cadeia de metalmecânica. O estudo também confirma a queda da participação dos manufaturados na pauta de exportações. Em 2005, os produtos manufaturados respondiam por 55% das exportações. No ano passado, o percentual caiu para 39%.

O processo de desindustrialização parece já ter sido iniciado em alguns setores da indústria brasileira, por exemplo, o setor de têxteis e vestuário já diminuiu sua participação interna na indústria brasileira; e vários outros setores tem sofrido a concorrência dos importados. No entanto, isto não caracteriza ainda um processo mais amplo de desindustrialização brasileira. 

Enquanto alguns setores sofrem concorrência e diminuem sua participação relativa no PIB industrial, outros crescem e aumentam sua participação relativa no PIB : é o caso de alguns setores isolados como o agropecuário (que tem incentivo da Embrapa para novos produtos), indústria aeronáutica (Embraer), a indústria naval e o setor de petróleo e gás. A indústria naval estava quase que completamente paralisada no final do governo FHC, empregava apenas 2000 homens. Hoje, este setor se recuperou, com incentivos do governo Lula (com recursos do Ministério da Marinha) e emprega cerca de 60,000 pessoas, mais que empregava no final da década de 1970, quando o Brasil possuia a segunda maior indústria naval do mundo. Outro setor promissor é o de petróleo e gás – este também cresceu muito, a produção de refino aumentou 35% em uma década e as novas reservas de pré-sal descobertas ainda nem mesmo iniciaram sua produção. Estas novas reservas deve colocar o Brasil em terceiro ou quarto maior produtor mundial. São as maiores descobertas de petróleo em várias décadas no mundo. O Pré-sal, localizado em águas profundas no litoral brasileiro exige novas tecnologias para ser explorado e a Petrobrás pesquisou e inventou estas novas tecnologias (que as multinacionais estão de olho grande) patenteadas por ela. 
 
Assim, podemos estar iniciando um novo tipo de industrialização brasileira, de maior conteúdo nacional, com maior investimento em P&D e inovações técnicas brasileiras que daria sustentabilidade de longo prazo às empresas brasileiras em condições de competitividade internacional. Com o pré-sal estamos criando e incentivando uma nova cadeia produtiva com conteúdo nacional amplamente integrada – haveria grandes avanços neste setor com investimentos e pesquisas de novos produtos de tecnologia nacional desde embarcações, navios, transportes, logística, novos equipamentos para extrair petróleo do fundo do mar, pesquisas em universidades com surgimentos de novos produtos, estímulo ao refino nacional e derivados e estímulo às exportações de derivados e de novos produtos ,etc. Enfim é um setor que promete muito e pode crescer ainda mais, o que ampliaria em muito as atividades industriais correlatas e os efeitos diretos e indiretos destas atividades. Aí sim teríamos um setor industrial de conteúdo e tecnologia inteiramente nacional, que poderia dar sua própria sustentação a longo prazo, sem ter que exportar lucros e depender de tecnologia importada. Este setor teria uma ampla participação na estrutura industrial brasileira e geraria uma integração também com os setores de serviços e de comércio. A desindustrialização aconteceria se apenas fôssemos exportar o óleo cru, como uma commodity qualquer e aí estaríamos sujeitos ao mercado internacional de commodities, como é o caso dos países exportadores de petróleo cru, tais como Venezuela, Arábia Saudita, Iraque, Irã, etc. Estes países sofrem da “doença holandesa”, como dissemos antes e por isso não conseguiram se industrializar. Não é o nosso caso, já que não dependemos de um só setor exportador e possuimos uma economia bastante diversificada e um grande mercado consumidor interno que garante a oferta de produtos industriais produzidos aqui. Tudo depende de uma política industrial bem definida e de uma política mais ampla de desenvolvimento econômico a longo prazo.

Daniel Miranda Soares é economista aposentado e ex-professor de Economia.

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