domingo, 30 de dezembro de 2012

Americanismo e decadência do Império

O americanismo e seu sistema de difusão de ideologia

Por Fabio de Oliveira Ribeiro
Re: Ideologia e a indústria de entretenimento dos EUA

É praticamente impossível avaliar com acuidade e precisão uma ideologia e seu sistema de produção e difusão enquanto a mesma está sendo produzida e acreditada. O resultado da observação tende a ser contaminado pela aversão ou atracão que a ideologia analisada provoca no observador.
A Historia, contudo, nos ensina que nenhuma ideologia ou sistema de produção e difusão ideológico é permanente ou imune à contradições e influencias externas.
Roma combateu ferozmente o cristianismo no século I d.C, mas acabou sendo conquistada por esta religião séculos mais tarde. Por fim, sucumbiu porque, entre outras coisas, havia uma contradição grave e insuperável entre a ideologia romana e sua difusão (que possibilitou o nascimento e o crescimento de Roma) e a moral cristã que prevaleceu entre os romanos. Antes da queda de Roma até mesmo o objeto ideológico mais valorizado em épocas anteriores (a cidadania romana) havia perdido seu atrativo.
Apesar da intensa propaganda o Reich nazista, que segundo seus ideólogos deveria durar 1000 anos, foi completamente destroçado em pouco mais de uma década. A conquista do espaço vital, o desdém pelas democracias parlamentares europeias, o desprezo por raças consideradas inferiores e o ódio ao comunismo (fundamentos ideológicos do nazismo), levaram Hitler a uma guerra que uniu capitalistas liberais e comunistas contra a Alemanha e decretou o fim antecipado do império de terror construído pelos nazistas.

A ideologia norte-americana (o americanismo) é vigorosamente divulgada dentro e fora dos EUA por uma imensa maquina de produção e difusão de entretenimento. Filmes, programas de TV, livros, revistas, jornais, games, HQs e produtos industriais relacionados se encarregam de difundir as idéias básicas do americanismo. Entre estas destacam-se: a superioridade moral dos EUA e seu poder militar insuperável; a incrível inteligência e adaptabilidade dos norte-americanos em situações limite (guerras, catástrofes, epidemias, etc...) e sua bondade inerente; a missão civilizatória dos EUA e seu destino manifesto; o culto das armas e a vitória do capitalismo; os benefícios do Estado mínimo e a generosidade nata do povo norte-americano; a moral protestante e o trabalho duro reconhecido. As contradições, entretanto, afloram e em todas as áreas são visíveis.

O poder militar dos EUA não assegurou sua vitoria no Vietnam. Durante aquela guerra infame (nascida do anti-comunismo crescente no americanismo durante a Guerra Fria) centenas de toneladas de ópio foram enviadas do sudoeste da Ásia para os EUA em aviões militares norte-americanos, produzindo uma explosão de tráfico e consumo de drogas nos EUA com resultados dolorosos para os familiares dos dependentes. Certamente isto não pode ser creditado à bondade inerente dos corrompidos militares norte-americanos que carregavam e pilotavam os aviões carregados de ópio.
O culto as armas e a facilidade de comprá-las dentro dos EUA (outro elemento importante do americanismo) produzem incidentes com atiradores cada vez mais previsíveis e traumáticos. O Estado mínimo gera descontentamento entre norte-americanos pobres. O custo crescente das guerras externas americanas (chamadas pela mídia de "humanitárias ou civilizatórias", com evidente apropriação do vocabulário nazista) drenam cada vez mais recursos públicos levando o Estado a beira de um colapso. Seitas e milícias perigosas surgem de tempos em tempos nos EUA e já ocorreu pelo menos um grande atentado terrorista em solo norte-americano planejado e executado por norte-americanos. O Relatório Oficial sobre o 11 de setembro não é acreditado por muitos cidadãos norte-americanos, que comparam a demolição deliberada do WTC ao incidente no Golfo de Tonkim (um trabalho interno que levou os EUA à Guerra do Vietnan).

O capitalismo neoliberal empobreceu dezenas de milhões de norte-americanos e provocou a crise financeira em curso. O final desta crise é incerto e deliberadamente protelado pelos políticos norte-americanos. A verdade nua e crua é que o sistema financeiro detém substancial parcela do poder político nos EUA e não quer ser regulado. Os banqueiros norte-americanos não reconhecem mais o valor do trabalho duro e até desaprovam a moral protestante. Tanto que muitos deles receberam bônus milionários apesar de levarem seus bancos à falência.

Tudo isto é bastante trivial. Os sinais e indícios de decadência dos EUA são evidentes. Seu sistema de produção e difusão de ideologia, contudo, não tem dado sinais de enfraquecimento. É verdade que atores, diretores, estúdios de cinema e redes de TV norte-americanos perderam dinheiro com a crise financeira. Mas isto não acarretou nenhuma interrupção na produção e distribuição de ideologia americanista. A razão disto é absolutamente singela: os vetores do americanismo (filmes, programas de TV, livros, HQs, etc...) são consumidos no planeta inteiro e há imensas zonas econômicas que não sentiram muito os efeitos da crise financeira e continuam comprando produtos culturais "made in USA" e alimentando com recursos a indústria de entretenimento ideologizado dos EUA.
Ninguém é capaz de prever o futuro. Algumas tendências, entretanto, podem ser antecipadas.

O aprofundamento da crise financeira pode, em algum momento, afetar seriamente a industria norte-americana de entretenimento ideologizado, especialmente caso as zonas de prosperidade entrem em recessão ou depressão econômica e reduzam ou parem de importar produtos culturais dos EUA. Com menos consumo de americanismo (especialmente nos BRICs) haverá espaço para o surgimento ou o fortalecimento de ideologias alternativas ao americanismo em escala planetária. De produtores de entretenimento ideologizado, os norte-americanos podem passar a consumidores de produtos culturais importados. São evidentes as vantagens comparativas que os BRICs terão numa situação de crise econômica generalizada com decadência da indústria cultural norte-americana.

É difícil dizer quando e como um império vai cair. A História nos ensina, porém, que a ruína de todo império não começa nos campos de batalha. Começa no campo da produção e difusão de sua ideologia. Quando não traz dentro de si as sementes ideológicas nocivas de sua própria destruição (caso do Reich nazista), um império pode se tornar vítima das contradições decorrentes da absorção de uma ideologia importada incompatível com sua existência (caso de Roma). Não podemos excluir a possibilidade de um império cair em virtude da incapacidade de seguir difundindo a sua própria ideologia.

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