Dois projetos econômicos em disputa nestas eleições
publicado originalmente no jornal Diário do Aço
http://www.diariodoaco.com.br/noticia/85343-7/opiniao/dois-projetos-economicos-em-disputa-nestas-eleicoes
24/09/2014
"O capitalismo é um sistema que, ou cresce, ou morre. As possibilidades de crescimento estão cada vez mais e mais limitadas” disse o prof. inglês David Harvey.
E é verdade, o capitalismo não pode parar de crescer, quando pára entra
em crise. No século XIX entrava em crise de 6 em 6 anos no período
chamado de “liberalismo” quando o
Estado (mínimo) não existia para controlar a economia. A partir da
grande crise de 1929 (a maior de todas) o Estado aumenta sua
participação na sociedade de 7% para 35-45% do PIB no período 1945-75,
chamado keynesiano. O Estado
aumenta sua intervenção na economia, promovendo reformas sociais,
investindo mais em saúde e educação, redistribuindo a renda e melhorando
a vida dos trabalhadores. Os salários sobem e aumentam sua participação
no PIB, diminuindo a participação dos lucros das empresas. Os
capitalistas reagem, aproveitando a crise da década de 1970 e passam a
controlar os governos, diminuindo o poder de barganha dos trabalhadores
(nos partidos e sindicatos) e aumentando seu poder na sociedade (mídia,
intelectuais, partidos, novas instituições). Um novo ciclo se inicia a
partir da década de 1980 - o neoliberalismo
(a volta do Deus mercado - o mercado livre resolve todos os problemas
da sociedade). A partir de Thatcher e Reagan, os governos (EUA e Europa)
desregulamentam o sistema financeiro. Os impostos diminuem, criam-se
novos títulos, ações e derivativos no mercado, aumentando os lucros e
aumentando a circulação financeira de papéis especulativos sem lastros
no mundo produtivo - o capital fictício.
Para aumentar seus lucros o capital financeiro
domina as decisões do capital produtivo, transferindo suas fábricas
para países onde os salários são muito baixos. Pagando baixos salários
os lucros aumentam e o volume de papéis financeiros multiplicam chegando
a US$600 trilhões em circulação mundial, nove vezes o PIB mundial. A
partir dos anos 1990 e 2000 as condições sociais se deterioram nas
matrizes do capitalismo mundial, com aumento do desemprego, fechamento
de fábricas, queda dos salários; culminando na bolha imobiliária nos EUA
em 2007/8. A criação fictícia de novos papéis se multiplicam
tanto que estes papéis não se realizam na ponta do sistema - os
devedores (detentores dos “subprimes”) não conseguem pagar suas dívidas e
a quebradeira acontece como bola de neve até atingir os bancos. Mas
mesmo depois da crise o capital financeiro ainda sobrevive com ajuda dos
governos que jogam bilhões no mercado para cobrir o rombo do capital
especulativo - socializando o prejuízo. O capitalismo financeiro cresce
concentrando a riqueza e aumentando a pobreza - essa dominância do
capital fictício deprime o investimento e impõe um ritmo de crescimento
muito baixo e elevadas taxas de desemprego - ao contrário do período keynesiano quando os investimentos e o crescimento econômico eram elevados e o desemprego muito baixo.
Procuram novos mercados no Terceiro Mundo, forçando os governos a
abrir o capital de suas estatais, como por exemplo CEMIG e COPASA, onde
boa parte de seus acionistas são estrangeiros.
Os paraísos fiscais
são suas novas formas de expansão. No universo corporativo mundial uma
rede de 737 grupos controla 80% do mundo corporativo, dos quais um
núcleo mais restrito de 137 grupos controla 40%, sendo que 75% deles são
grupos financeiros. Um estudo conduzido por James Henry, antigo
economista chefe da consultoria McKinsey, estima que entre US$ 21
trilhões e US$ 32 trilhões estão guardados em paraísos tributários. Isso
equivale à cerca de um terço à metade do PIB do planeta.Os paraísos
fiscais se multiplicam como coelhos. Hoje, são mais de sessenta
(Bahamas, Ilhas Cayman, Bermudas, Suíça, Mônaco, Luxemburgo, etc...)
Atualmente eles servem para sediar novas empresas e fundações ou para
virar “matrizes” em que todo o lucro é contabilizado ali,
independentemente se o dinheiro é gerado fisicamente em outro lugar.
Eles fogem do fisco elevado dos países de origem e vão para os “paraísos
fiscais” onde a taxação do fisco é baixíssima (em Luxemburgo é de
0,5%).
A transferência de lucros dos países de origem para os
paraísos fiscais normalmente envolvem sofisticadas operações
financeiras. Tomemos, por hipótese, o caso de uma máquina fabricada na
França e vendida ao Equador, por meio das Bermudas. O preço de venda no
Equador é de 2 mil dólares; os custos de produção, mil dólares. A filial
das Bermudas paga à filial francesa 1.001 dólares pela máquina, que é
faturada em seguida à filial equatoriana por 1.998 dólares. A companhia
francesa obtém, portanto, um dólar de lucro (1001-1000 = 1); a
subsidiária equatoriana, 2 dólares (2000 – 1998 = 2), o que gera muito
pouca receita tanto para o Estado francês como para o Estado
equatoriano. Já a filial das Bermudas realiza um lucro de 997 dólares
(1998 – 1001 = 997), que não é tributado. E pronto! Aí está como
desaparece uma nota fiscal! (Nicholas Shaxson - autor de um livro sobre paraísos fiscais).
Os paraísos fiscais possibilitam sonegar impostos, certamente, mas
também fugir às responsabilidades civis e sociais. Eles isentam os ricos
e as grandes empresas das restrições, dos riscos e das obrigações que a
democracia exige de cada um de nós. Com este sistema ganham os muito
ricos e as grandes corporações (80% do comércio internacional ocorre
entre multinacionais), e perdem os contribuintes e os governos dos
países. Ameaçam a soberania dos países e impedem a justiça tributária,
condição necessária à justiça social. Mas, apesar de tudo isso, não
rendem manchetes na imprensa brasileira.
“Hoje o Brasil tem
sua economia travada pela ação predatória e anti-social do sistema
financeiro, que prefere colocar seus capitais na Bolsa de Valores e nos
paraísos fiscais, ao invés dos investimentos produtivos que o pais
necessita.” (Emir Sader). No Brasil estima-se que cerca de um quarto do PIB estão em paraísos fiscais, segundo o Tax Justice Network.
Os capitais não se dirigem para um projeto desenvolvimentista
(democratização social, combate à desigualdade, à miséria e à pobreza).
Eles preferem sabotar esse projeto e permanecer na esfera especulativa. Uma
eventual vitória de um candidato neoliberal (Aécio ou Marina)
significaria o fortalecimento do capital financeiro sobre a economia,
atentando fortemente contra o processo de distribuição de renda do
governo atual. A opção brasileira foi a de resguardar as
conquistas sociais e manter a economia a fogo brando até que a crise se
extinga. Governos neoliberais (vide EUA, Europa) significam desemprego
alto, salários reduzidos, dívidas impagáveis, perdas de moradia, aumento
da pobreza e da miséria; exatamente porque o mercado livre (do controle
do Estado) não resolve as questões sociais. No Brasil estas duas
correntes estão em luta permanente: desenvolvimentismo (keynesiano) X
neoliberalismo (capital financeiro). David Harvey, um dos maiores nomes do pensamento geográfico da atualidade, formado em Cambridge, professor britânico, disse recentemente: "A América Latina, em geral, está dando um exemplo ao tratar de reverter alguns dos piores aspectos do neoliberalismo.”
Daniel Miranda Soares é economista, Msc.
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