quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Dois projetos econômicos em disputa nestas eleições

publicado originalmente no jornal Diário do Aço  http://www.diariodoaco.com.br/noticia/85343-7/opiniao/dois-projetos-economicos-em-disputa-nestas-eleicoes
24/09/2014      

      "O capitalismo é um sistema que, ou cresce, ou morre. As possibilidades de crescimento estão cada vez mais e mais limitadas” disse o prof. inglês David Harvey. E é verdade, o capitalismo não pode parar de crescer, quando pára entra em crise. No século XIX entrava em crise de 6 em 6 anos no período chamado de “liberalismo” quando o Estado (mínimo) não existia para controlar a economia. A partir da grande crise de 1929 (a maior de todas) o Estado aumenta sua participação na sociedade de 7% para 35-45% do PIB no período 1945-75, chamado keynesiano. O Estado aumenta sua intervenção na economia, promovendo reformas sociais, investindo mais em saúde e educação, redistribuindo a renda e melhorando a vida dos trabalhadores. Os salários sobem e aumentam sua participação no PIB, diminuindo a participação dos lucros das empresas. Os capitalistas reagem, aproveitando a crise da década de 1970 e passam a controlar os governos, diminuindo o poder de barganha dos trabalhadores (nos partidos e sindicatos) e aumentando seu poder na sociedade (mídia, intelectuais, partidos, novas instituições). Um novo ciclo se inicia a partir da década de 1980 - o neoliberalismo (a volta do Deus mercado - o mercado livre resolve todos os problemas da sociedade). A partir de Thatcher e Reagan, os governos (EUA e Europa) desregulamentam o sistema financeiro. Os impostos diminuem, criam-se novos títulos, ações e derivativos no mercado, aumentando os lucros e aumentando a circulação financeira de papéis especulativos sem lastros no mundo produtivo - o capital fictício.
        Para aumentar seus lucros o capital financeiro domina as decisões do capital produtivo, transferindo suas fábricas para países onde os salários são muito baixos. Pagando baixos salários os lucros aumentam e o volume de papéis financeiros multiplicam chegando a US$600 trilhões em circulação mundial, nove vezes o PIB mundial. A partir dos anos 1990 e 2000 as condições sociais se deterioram nas matrizes do capitalismo mundial, com aumento do desemprego, fechamento de fábricas, queda dos salários; culminando na bolha imobiliária nos EUA em 2007/8. A criação fictícia de novos papéis se multiplicam tanto que estes papéis não se realizam na ponta do sistema - os devedores (detentores dos “subprimes”) não conseguem pagar suas dívidas e a quebradeira acontece como bola de neve até atingir os bancos. Mas mesmo depois da crise o capital financeiro ainda sobrevive com ajuda dos governos que jogam bilhões no mercado para cobrir o rombo do capital especulativo - socializando o prejuízo. O capitalismo financeiro cresce concentrando a riqueza e aumentando a pobreza - essa dominância do capital fictício deprime o investimento e impõe um ritmo de crescimento muito baixo e elevadas taxas de desemprego - ao contrário do período keynesiano quando os investimentos e o crescimento econômico eram elevados e o desemprego muito baixo. Procuram novos mercados no Terceiro Mundo, forçando os  governos a abrir o capital de  suas estatais, como por exemplo CEMIG e COPASA, onde boa parte de seus acionistas são estrangeiros.
     Os paraísos fiscais são suas novas formas de expansão. No universo corporativo mundial uma rede de 737 grupos controla 80% do mundo corporativo, dos quais um núcleo mais restrito de 137 grupos controla 40%, sendo que 75% deles são grupos financeiros. Um estudo conduzido por James Henry, antigo economista chefe da consultoria McKinsey, estima que entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões estão guardados em paraísos tributários. Isso equivale à cerca de um terço à metade do PIB do planeta.Os paraísos fiscais se multiplicam como coelhos. Hoje, são mais de sessenta (Bahamas, Ilhas Cayman, Bermudas, Suíça, Mônaco, Luxemburgo, etc...) Atualmente eles servem para sediar novas empresas e fundações ou para virar “matrizes” em que todo o lucro é contabilizado ali, independentemente se o dinheiro é gerado fisicamente em outro lugar. Eles fogem do fisco elevado dos países de origem e vão para os “paraísos fiscais” onde a taxação do fisco é baixíssima (em Luxemburgo é de 0,5%).
      A transferência de lucros dos países de origem para os paraísos fiscais normalmente envolvem sofisticadas operações financeiras. Tomemos, por hipótese, o caso de uma máquina fabricada na França e vendida ao Equador, por meio das Bermudas. O preço de venda no Equador é de 2 mil dólares; os custos de produção, mil dólares. A filial das Bermudas paga à filial francesa 1.001 dólares pela máquina, que é faturada em seguida à filial equatoriana por 1.998 dólares. A companhia francesa obtém, portanto, um dólar de lucro (1001-1000 = 1); a subsidiária equatoriana, 2 dólares (2000 – 1998 = 2), o que gera muito pouca receita tanto para o Estado francês como para o Estado equatoriano. Já a filial das Bermudas realiza um lucro de 997 dólares (1998 – 1001 = 997), que não é tributado. E pronto! Aí está como desaparece uma nota fiscal! (Nicholas Shaxson - autor de um livro sobre paraísos fiscais). 
        Os paraísos fiscais possibilitam sonegar impostos, certamente, mas também fugir às responsabilidades civis e sociais. Eles isentam os ricos e as grandes empresas das restrições, dos riscos e das obrigações que a democracia exige de cada um de nós. Com este sistema ganham os muito ricos e as grandes corporações (80% do comércio internacional ocorre entre multinacionais), e perdem os contribuintes e os governos dos países. Ameaçam a soberania dos países e impedem a justiça tributária, condição necessária à justiça social. Mas, apesar de tudo isso, não rendem manchetes na imprensa brasileira.
      “Hoje o Brasil tem sua economia travada pela ação predatória e anti-social do sistema financeiro, que prefere colocar seus capitais na Bolsa de Valores e nos paraísos fiscais, ao invés dos investimentos produtivos que o pais necessita.” (Emir Sader). No Brasil estima-se que cerca de um quarto do PIB estão em paraísos fiscais, segundo o Tax Justice Network. Os capitais não se dirigem para um projeto desenvolvimentista (democratização social, combate à desigualdade, à miséria e à pobreza). Eles preferem sabotar esse projeto e permanecer na esfera especulativa. Uma eventual vitória de um candidato neoliberal (Aécio ou Marina) significaria o fortalecimento do capital financeiro sobre a economia, atentando fortemente contra o processo de distribuição de renda do governo atual. A opção brasileira foi a de resguardar as conquistas sociais e manter a economia a fogo brando até que a crise se extinga. Governos neoliberais (vide EUA, Europa) significam desemprego alto, salários reduzidos, dívidas impagáveis, perdas de moradia, aumento da pobreza e da miséria; exatamente porque o mercado livre (do controle do Estado) não resolve as questões sociais. No Brasil estas duas correntes estão em luta permanente: desenvolvimentismo (keynesiano) X neoliberalismo (capital financeiro). David Harvey, um dos maiores nomes do pensamento geográfico da atualidade, formado em Cambridge, professor britânico, disse recentemente: "A América Latina, em geral, está dando um exemplo ao tratar de reverter alguns dos piores aspectos do neoliberalismo.”

Daniel Miranda Soares é economista, Msc.

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