terça-feira, 8 de maio de 2012

Veja vai destravar regulação da mídia

Veja vai destravar regulação da mídia

Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

Faz-se necessária uma análise serena sobre o que pode e deve provir da reportagem sobre a revista Veja que a TV Record levou ao ar na noite do último domingo, pois pode inaugurar um novo ciclo do debate sobre a regulação da comunicação no Brasil.


O que de mais imediato se deve lembrar é que, à diferença do que alguns podem estar pensando, não foi a primeira grande matéria jornalística contendo críticas à imprensa em uma grande rede de televisão. Em 2009, no âmbito de efêmera guerra aberta que eclodiu entre Record e Globo e Record e Folha de São Paulo, todos esses veículos certamente perderam mais do que ganharam.

Desta vez, porém, será diferente.

A menos que alguma grande TV tome as dores da Veja, a nova guerra midiática será desigual. O público que a Record abrange é infinitamente maior que o da Veja. E não é só isso. As acusações entre Record, Globo e Folha não foram sobre fatos concretos como agora.

Agora, a Record não acusou a Veja por relações com a ditadura militar. Há um fato concreto, uma poderosa organização criminosa pode ter sido integrada pelo Grupo Abril, em última análise. E os crimes supostamente cometidos podem ser claramente tipificados.

Resta analisar o impacto da matéria sobre o público. Ainda à diferença de embates anteriores da Record contra veículos de comunicação, este, pelo que acaba de ser explicado, certamente induziu setores da população a uma reflexão sobre a mídia que certamente nunca fizeram.

É aquele setor da sociedade que só pensa em futebol, novela e Carnaval. Que se limita a ver telejornais sem prestar muita atenção e a ler capas de jornais e revistas pendurados nas bancas de jornais durante os dias úteis, quando esse perfil de cidadão sai pela manhã para trabalhar.

Eis que um dos principais entraves à propositura de uma lei da mídia ao Congresso pode ter sido fortemente reduzido, só não se sabe se ao ponto de desmontar a argumentação da mídia sobre “censura” quando se toca no assunto.

Todavia, a matéria da Record sobre a Veja preparou a sociedade para os debates sobre a mídia que deverão sobrevir da CPI do Cachoeira, conforme presidente e relator da investigação declararam que ocorrerão.

É infinitamente diferente uma matéria de capa da revista Carta Capital de uma reportagem de imensos 15 minutos na televisão, reportagem que granjeou 15 pontos no Ibope. No momento em que escrevo, milhões de brasileiros estão comentando o assunto.

Aliás, como a reportagem de domingo foi repetida mais de uma vez na segunda-feira, só quem vive no mato, sem qualquer meio de comunicação com o mundo exterior, poderá escapar. Todo o esforço que a mídia fez para ocultar o caso, foi em vão.
Não foi à toa que o presidente do PT, Rui Falcão, declarou que, após enfrentar os bancos, o novo oligopólio que o governo Dilma deverá enfrentar deve ser o da mídia. Nunca antes na história deste país existiram condições tão favoráveis para tanto.


Record expõe relações Veja-Cachoeira

Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:

Bob Civita ficou mais parecido com Rupert Murdoch – o barão da mídia investigado por ações criminosas na Inglaterra.

Bob e Abril foram pra tela da TV, em horário nobre: 15 minutos devastadores de reportagem – bem editada, didática, com texto sóbrio e ótimos entrevistados. E isso tudo não se passou num canal de notícias, a cabo. Não. Foi na TV aberta, num domingo à noite. As relações entre ”Veja” e a quadrilha de Carlinhos Cachoeira foram expostas de maneira inédita para milhões de brasileiros.

Quem navega pelos blogs e as redes sociais talvez já conhecesse boa parte das informações apresentadas na boa reportagem de Afonso Mônaco, no Domingo Espetacular da Record.Mas o público da TV aberta é outro. Esse foi o grande mérito da matéria. Falou para gente que ainda não sabia detalhes dos fatos.

Além disso, serviu para “furar o cerco”. Há, claramente, um pacto entre a chamada “grande imprensa”. Ninguém avança nas investigações sobre “Veja”/Cachoeira. Nesse domingo mesmo, de forma tímida, a ombudsman da “Folha” cobrou do jornal mais informações. Pelo que se sabe,os chamados “barões da imprensa” fizeram um pacto e teriam mandado recados ao governo: não aceitarão a convocação de nenhum deles à CPI.

É um pacto contra a verdade. Contra o jornalismo. Essa gente me faz lembrar aquela velha figura do sujeito que, diante da enchente que ameaça romper uma represa, acha que pode conter o desastre colocando um dedo na rachadura da barragem. Não adianta, minha gente! As águas vão rolar. Já rolaram, aliás…

”Veja”, “Globo”, “Folha” são sócios na campanha iniciada lá atrás, em 2005, quando decidiram partir pra cima do governo Lula. Quem não se lembra? Semanas seguidas, a “Veja” dava uma capa bombástica contra o governo e, no sábado à noite, lá vinha o “Jornal Nacional” pra “repercutir” a reportagem. Em geral, o JN promovia uma “leitura” televisiva de “Veja”. Na época, na Globo, até brincávamos: Ali Kamel tinha descoberto uma nova linguagem de telejornalismo – recheava a tela com páginas da revista, e colocava um repórter para ler o conteúdo. Era televisão por escrito.

Mais que isso. Em 2006, perto do primeiro turno das eleições, lembro-me perfeitamente da semana em que a “Istoé” trouxe uma entrevista do empresário Vedoim, com sérias denúncias que respingavam nos tucanos. Foi na mesma semana em que os “aloprados” acabaram presos com dinheiro quando se preparavam pra comprar um dossiê contra tucanos (supostamente, o conteúdo do tal dossiê era semelhante ao da reportagem da “Istoé”). A Globo, naquela semana, criou uma força-tarefa para detonar os aloprados. Jornalisticamente, estava certo. Era assunto relevante. Mas e o outro lado? Foi o que eu e alguns colegas perguntamos ao chefe da Globo em São Paulo. “Não vamos repercurtir a capa da Istoé, do mesmo jeito que fazemos toda semana com a Veja?”, indaguei do chefe. Ele deu um sorriso maroto, e concluiu: “a Istoé é uma revista sob suspeita”.

Lembro de ter perguntado a ele: “quem decide que a Veja é séria, e a Istoé é suspeita?”. Ele respondeu com outro sorriso. Hoje, a “Veja” é uma revista sob suspeita. E isso, de certa, forma respinga pro lado da Globo. A grande fonte do JN de Kamel, durante anos, bebia nas águas de Cachoeira.

A Suzana Singer – ombudsman, jornalista correta que eu conheço há muitos anos – pode continuar cobrando que a “Folha” exponha os podres da “Veja”. A direção do jornal já tomou sua decisão de blindar a “Veja”. Decisão inútil, aliás. Porque a relação entre a revista de Bob Civita e a quadrilha de Cachoeira tornou-se um segredo de Poli-chinelo.

Nas redes sociais, a “Veja” segue apanhando. No twitter, pela terceira semana seguida, a revista foi parar nos TTs (espécie de ranking que aponta assuntos mais comentados): #VejaBandida, #Vejapodrenoar, #VejavaipraCPI.

A revista tenta se defender nas redes sociais, de forma patética. É batalha perdida.

O que pode fazer a Abril? Conversava sobre isso com outro blogueiro sujo nesse domingo à noite. A conclusão: o melhor que a editora pode tentar, a essa altura, é agir em silêncio, pressionando nos bastidores, para evitar a convocação de Bob Civita.

Pode até conseguir – dada a tibieza de algumas lideranças no campo governista. Mas será impossível evitar que a “Veja” vire tema da CPI.

“Poli” e “PJ” (nos grampos, era assim que a turma do Cachoeira tratava Policarpo Junior, o diretor da “Veja” em Brasília). “Pensei que ele fosse me dar um beijo na boca”, disse um dos cachoeirentos num momento de maior descontração, citando o amigo Poli…

Cachoeira virou um editor, a escolher as seções da revista onde gostaria de ver publicadas as notinhas e matérias que lhe interessavam.

Tá tudo nos grampos, escancarado.

Isso não é relação de jornalismo com fonte – como bem explicou o professor Laurindo Leal Filho, na reportagem da Record.

A “Veja” que arrume outra desculpa. Ou que entregue a cabeça de Poli pra salvar a de Bob Civita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário