sábado, 23 de junho de 2012

CEMIG – a privataria tucana em Minas

CEMIG – a privataria tucana em Minas
A empresa, que atua no ramo de geração, transmissão e distribuição de energia, é a décima maior companhia brasileira de capital aberto, segundo ranking da revista estadunidense Forbes. Em abril de 2011, a Cemig foi uma das 37 empresas brasileiras que figuraram na lista, e subiu 11 posições no ranking mundial, alcançando a 671ª posição. É a segunda estatal brasileira no ramo de energia. A empresa “estatal” possuia um capital social de R$4,2 bi em maio de 2012 com 853.018.228 ações, sendo destas 76,64% de livre negociação – o restante capital público. O setor público possui 23,3% do total das ações e 50,98% das ações ordinárias (com direito a voto). Das ações com direito a voto (ordinárias) 32,96% pertence à Andrade Gutierrez (AGC Energia s/a). Das ações preferenciais (de livre negociação) 98,03% pertencem ao setor privado, que detém 76,6% do total das ações (30% ao mercado interno e 46% ao mercado externo, destas 26,51% ADR's).

A Cemig teve parte do seu capital privatizado em 1997, durante o governo tucano de Eduardo Azeredo. O consórcio Southern Electric Participações (Southern Eletric, AES e Banco Opportunity do empresário Daniel Dantas) obteve R$ 600 milhões do BNDES para adquirir 32,9% do controle acionário da Cemig (capital votante), numa operação em 29/05/1997 na Bolsa do Rio que durou apenas um minuto, tempo suficiente para o único consórcio interessado confirmar sua proposta. Ou seja, recebeu dinheiro do povo para adquirir o patrimônio do povo. Os compradores vão participar da gestão da Cemig, num modelo chamado de "privatização branca". O acordo de acionistas previa que os acionistas receberiam dividendos de no mínimo 50% dos lucros, o que retirava da empresa a capacidade de fazer investimentos, mas era muito vantajoso para o consórcio. Com apenas 33% do capital votante ou menos de 14% do capital total, os "parceiros estratégicos" tinham o controle da empresa, pois o acordo de acionistas previa que as decisões da Diretoria e do Conselho de Administração só teriam validade se fossem aprovadas por unanimidade. Com um terço do número de diretores e com quatro dos 11 conselheiros, os sócios minoritários reunidos no consórcio poderiam vetar qualquer decisão. 

O eminente jurista Eros Grau, professor da USP, em seu parecer solicitado pela assembléia legislativa de Minas respondeu que o acordo era ilegal e inconstitucional : o acordo de acionistas é nulo de pleno direito, pois adverso à Constituição do Estado de Minas Gerais e à lei estadual nº 11.968, de 10 de novembro de 1995. Antes do acordo, o Estado de Minas Gerais detinha 84% do capital votante da empresa sem qualquer acordo de acionista, com amplo e irrestrito poder de decisão. O então governador Itamar Franco, apoiado pela maioria da ALMG, cortou os privilégios dos sócios privados e minoritários da CEMIG, a partir de 1999, colocando a AES no seu devido lugar. Essa empresa norte americana, acabou dando calote na instituição financeira (Bndes), em mais de 2 bilhões de Reais. A gigante da construção civil, Andrade Gutierrez – AG -, assume a dívida da AES com o BNDES, ficando com os 32,9% do capital votante da CEMIG.
Mas, não foi bem assim. A dívida de 2,1 bi de Reais não foi paga na totalidade e os papéis lançados pela AG, resgatáveis até 2020, são hoje bancados por um novo acordo de acionistas, que pereniza a distribuição privilegiada de dividendos para a maior sócia minoritária da CEMIG: a AG. Desde 2003 (governo Aécio Neves) sem maiores formalizações e debates públicos, a CEMIG volta a remunerar, com 50% de seu lucro, os ditos sócios minoritários. Ou seja, todo o custo operacional da empresa ficava limitado e espremido por algo atípico: os ganhos dos acionistas pressionavam pela queda na qualidade e na quantidade de investimentos em Minas Gerais, por exemplo, nas redes aéreas e subterrâneas.

Cemig assalta consumidores mineiros. Subsídio para indústrias, altas tarifas para a população; energia elétrica em Minas Gerais é a mais cara do país. No início de 2003, durante o governo Aécio Neves, a tarifa de Minas Gerais era exatamente igual as de Brasília, Rio Grande do Sul e São Paulo (0,23 por kWh - residencial B1). Mas nos anos seguintes, a Cemig implementou uma política de aumentos dos preços de seus serviços, atingindo o inacreditável percentual de 74% (até 2008) - um verdadeiro tarifaço.  Enquanto os consumidores residenciais mineiros pagam R$ 497 por megawatts/hora de energia, além dos impostos, as indústrias, chamadas de "consumidores livres", pagam R$ 81 pela mesma quantidade, ou seja, 5 vezes menos. Em abril de 2007, a tarifa dos consumidores residenciais aumentou 6,5%, enquanto o reajuste para as indústrias foi de 2,89%. O ICMS na conta de luz é de 32% em Minas enquanto que em outras praças (DF, RJ, SP) é de 17%. O tarifaço resultou num aumento arbitrário do lucro da Cemig. Só nos últimos 3 anos, o lucro cresceu 70%. De 1998 a 2002 a média histórica de lucro da empresa era de 10%. Em 2005, esse percentual foi para 17%. Um lucro adicional de mais de R$ 2 bilhões. Numa projeção pessimista, durante o governo tucano em Minas, o lucro da Cemig salta para a casa dos R$ 6 bilhões. E 63% dos dividendos da empresa vão para grupos privados internacionais. (NovoJornal).

Fernando Duarte, técnico do Dieese, aponta que o panorama do controle acionário da Cemig mudou em 1997, no processo de tentativa de privatização da empresa, e que, desde então, a participação de acionistas preferenciais estrangeiros (aqueles que não têm direito a voto, mas têm direito a participação dos lucros) tem crescido gradativamente.

"O que chama atenção é que a Cemig distribui mais do que seus dividendos. Em 2005, a empresa lucrou R$ 2,03 bilhões e distribuiu R$ 2,07 bilhões. Está sendo dada prioridade máxima aos acionistas, enquanto o lucro da empresa poderia ser destinado a investimentos na melhoria da qualidade do serviço e para rever a política tarifária", afirma.

A Cemig possui 8.859 empregados mas o que não consta nos dados oficiais é o número de trabalhadores terceirizados: 18 mil; como afirma Jairo Nogueira Filho, coordenador do Sindieletro. A cada 45 dias, um trabalhador precarizado da Cemig morre no trabalho.“Esse trabalhador tem baixos salários, um treinamento que não é o adequado, e trabalha por produtividade, ou seja, quanto mais serviço ele fizer, mais vai ganhar. Isso vai contra a lógica do setor elétrico, que é um setor de alto risco. Não dá pra brincar com energia elétrica. Aí começou a carnificina”, ressalta Jairo.
Ainda segundo Jairo Nogueira Filho, coordenador do Sindieletro, houve uma tentativa clara de privatização da Cemig em 1995, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso e sob o governo de Eduardo Azeredo, ambos do PSDB. “As concessões foram renovadas em 95, com o adendo de autorização de terceirização do setor elétrico, já pensando na privatização do setor”, aponta.
No entanto, ele denuncia que o ex-governador Aécio Neves (PSDB) fez uma manobra para realizar o que chama de “privatização branca”. “O que o governador Aécio fez? Incluiu a Andrade Gutierrez, através da compra da Light no Rio, e estabeleceu um novo acordo de acionistas, consolidado pelo atual governador Antonio Anastasia, com os pontos que Itamar tinha conseguido desfazer. A Cemig passa hoje 50% dos dividendos para empresas minoritárias, através de um acordo aprovado por acionistas. No meu entender, isso é contrário ao que a Justiça determinou”, aponta.

O desrespeito ao trabalhador vai além da falta de treinamento. A médica do trabalho Ana Lúcia Murta, com 17 anos de experiência na área e cinco especificamente no setor elétrico, aponta que há alojamentos em péssimas condições de acomodação, de conforto, de higiene; uniformes e equipamentos inadequados, falta de cumprimento da legislação trabalhista e jornadas que ultrapassam o limite legal, devido à pressão de produtividade.

Líderes do MSC(Minas Sem Censura) querem saber o porquê da precária manutenção em redes subterrâneas e aéreas da CEMIG. Mas, intui que o sucateamento operacional que leva a acidentes como o de Bandeira do Sul, a explosões de bueiros e a acidentes graves com trabalhadores terceirizados, tem a ver com os privilégios de sócios minoritários da CEMIG. Aliás, minoritários apenas na formalidade, mas -de fato- mandam na estatal. Afinal, pagar dividendos que levam quase todo o lucro da empresa implica queda de investimentos em manutenção. Se tudo no universo se relaciona, as transações da CEMIG, AES, AG e Light se relacionam de forma bem mais promíscua. Aliás, quedas de energia, diminuição de podas de árvores, falta de manutenção da rede aérea, da subterrânea, aumento dos acidentes com a terceirização, são manifestações de um processo perverso de privatização das Centrais Elétricas de Minas Gerais.

Daniel Miranda Soares é economista e administrador público aposentado.

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