Gilmar e a liberdade de expressão
Enviado por luisnassif, seg, 04/06/2012 - 09:04
Gilmar Mendes está demonstrando dificuldade em entender a realidade,
em aceitar o jogo democrático que exige, como fundamento maior, a
liberdade de expressão, que se concretiza na pluralidade da informação e
de opinião. Essa dificuldade, se não for logo vencida, dará suspeição
às decisões que ele tomar como juiz do STF.
Mauro Santayana
Os meses a vir pedem aos homens públicos responsáveis,
de todos os partidos, a combinação da firmeza com a paciência, a fim de
conduzir a campanha e o pleito municipal deste ano. A oposição,
instigada pelo julgamento do processo conhecido como mensalão, se
encontra açulada por alguns de seus líderes menos sensatos. O presidente
Lula, acossado pelos inimigos e em convalescença de um tratamento
penoso, não se tem contido diante dos ataques que recebe e fez algumas
declarações apressadas, como ocorreu em recente programa de televisão.
Na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os negócios de Carlos
Cachoeira, parlamentares perdem a compostura, e usam de linguagem chula e
repulsiva, provocados pelo soberbo silêncio dos depoentes, entre eles o
Senador Demóstenes Torres.
Os diálogos ásperos são normais nas casas
parlamentares, desde que elas existem. Os registros do Senado Romano
mostram como os debates já se valiam, naquele tempo, da ironia e do
insulto – que deviam soar mais ferinos no latim republicano. A Câmara
dos Comuns, a partir do confronto com os Stuarts, na primeira metade do
século 17, reproduzia a linguagem vulgar dos pubs e das margens do
Tamisa. No século seguinte, principalmente durante o reinado de George
III, os insultos faziam parte habitual dos debates na Câmara dos
plebeus. Entre os lordes, é claro, a coisa era outra: estavam todos de
acordo contra o povo.
Em uma comissão parlamentar de inquérito, os ânimos são
mais acesos. Mas conviria, tendo em vista a conjuntura política e
econômica mundial, que os membros do comitê investigatório se
contivessem em sua linguagem, na mesma medida em que se empenhassem,
seriamente, na busca da verdade. O momento pede a coesão nacional, mas
ela não pode ser construída na tolerância com o crime.
Estamos diante de uma oportunidade singular, a de
separar o que é público do que é privado na sociedade brasileira. Ainda
que não consigamos tudo, alguma coisa que se consiga irá contribuir para
a evolução positiva da democracia republicana em nosso país.
O Sr. Gilmar Mendes continua arrostando a paciência
nacional. A ligeireza com que acusa e com que retifica suas versões
demonstra que o Ministro não está segurando as rédeas do raciocínio – e,
em seu caso, não existe a atenuante de um agressivo tratamento de
saúde.
Ainda agora ele mesmo revela que interferiu na
autonomia do poder executivo, ao solicitar do Ministro da Fazenda que
proiba a Caixa Econômica de anunciar em blogs independentes na internet.
Como tive a oportunidade de escrever, em minha coluna no JB –
reproduzida pelos blogs que ele quer silenciar – o ministro Gilmar
Mendes não é uma instituição, não é o STF. E sua visita ao Ministro da
Fazenda, com esse objetivo, é, sim, intromissão em outro poder e pode
ser vista como intimidação. Todos os grandes veículos de comunicação do
país recebem anúncios – e em valor e volume muito maiores do que a
totalidade dos blogs – e exercem forte oposição ao governo.
Tanto é
assim que a presidente da Associação Nacional dos Jornais, Judith Brito,
disse que a imprensa – os jornais que ela representa – desempenha o
papel de um partido de oposição que, em seu juízo, não existe no
Brasil.
Gilmar Mendes está demonstrando dificuldade em entender
a realidade, em aceitar o jogo democrático que exige, como fundamento
maior, a liberdade de expressão, que se concretiza na pluralidade da
informação e de opinião. É claro que essa dificuldade, se não for logo
vencida, dará suspeição às decisões que ele tomar como juiz do STF.
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