Lula e o ódio das elites
"A elite dos nossos países não gosta de nós, não é pelos erros que cometemos, é pelos acertos que cometemos”, disse Lula em Havana.
sábado, 2 de fevereiro de 2013
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Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula |
O discurso de Lula na 3ª Conferência Mundial pelo Equilíbrio
do Mundo, ocorrida nesta semana em Havana, ajuda a entender porque as elites
têm tanto ódio do ex-presidente e ex-líder operário. Ele tocou em vários pontos
que incomodam a direita nativa e internacional. A reação da mídia privada foi
sintomática. Parte dela preferiu omitir as suas palavras e ocultar Cuba, que
sediou o evento patrocinado pela Unesco/ONU. Outra parte preferiu desqualificar
o “último reduto do comunismo”, como noticiou a Folha, e satanizar Lula.
Após homenagear o presidente Hugo Chávez, que está internado
em Havana para o tratamento de um câncer, Lula insistiu na urgência da
integração soberana da América Latina. “Vocês não podem voltar para suas casas
e simplesmente colocar isso [o evento] nas suas biografias. É necessário que
vocês saiam daqui cúmplices e parceiros de uma coisa maior, de uma vontade de
fazer alguma coisa juntos mesmo não estando reunidos [fisicamente]”. Para ele,
a integração regional é decisiva para o futuro dos povos do continente.
O ex-presidente destacou os avanços promovidos pelos governos
progressistas da região. “Quem imaginava que um índio, com cara de índio, jeito
de índio, comportamento de índio, governaria um país e, mais do que isso, que seu
governo daria certo?”, indagou Lula ao se referir a Evo Morales. Estes avanços,
afirmou, despertam o ódio das elites reacionárias da região. Ele lembrou a
pressão da direita brasileira para que “um ex-metalúrgico brigasse com um índio”
quando o governo boliviano estatizou a empresa de petróleo.
Lula também criticou a mídia partidarizada do continente. Irônico,
afirmou: “Eu nem reclamo, porque no Brasil a imprensa gosta muito de mim... Mas
eu nasci assim, cresci assim e vou continuar assim, e isso os deixa [os veículos
de imprensa] muito nervosos... Eles não gostam da esquerda, não gostam do
Chávez, Correa, Mujica, Cristina [Kirchner] e do Evo Morales. E não gostam não
por nossos erros, mas pelos nossos acertos”. Para ele, as elites não “gostam
que pobre ande de avião, compre carro novo ou tenha conta bancária”.
Em Cuba, a ilha revolucionária que enfrenta o império há 53
anos, Lula enfatizou as teses progressistas que tanto incomodam a direita
nativa e mundial. O jornal Estadão, que não esconde sua visão conservadora e
colonizada, não vacilou em condenar as suas corajosas palavras. Em editorial
raivoso nesta sexta-feira, o jornal confirmou o ódio das elites às forças de esquerda.
Tratou o evento em Havana como “um daqueles convescotes ideológicos cheios de
ar quente e vazios de ideias” e criticou os governos progressistas da região.
O que mais irritou o Estadão, porém, foram as críticas de
Lula à imprensa partidarizada. “A mídia, a mesma que o ajudou a decolar do
sindicalismo para a grande política - como certa vez, em um momento de
franqueza, ele admitiu -, é o bode expiatório de há muito escolhido para livrar
o PT do acerto de contas com seus próprios malfeitos”, atacou. O jornal só deixou
de explicar que também ajudou a criar o clima para o golpe de 1964 e que elegeu
Lula como o seu inimigo principal quando este não seguiu o seu enquadramento
liberal.
"A elite dos nossos países não gosta de nós"
- Publicado em Quinta, 31 Janeiro 2013
- Escrito por Jussara Seixas
Ex-presidente Lula discursa durante o
encerramento da III Conferência Internacional pelo Equilíbrio do Mundo e
conclama a Améria Latina a "uma revolução na comunicação" por meio da
internet. “A gente muitas vezes fica reclamando da imprensa. Ficamos
reclamando e não fazemos o que está ao nosso alcance", disse. Mais cedo,
ele encontrou Fidel Castro.
Leia reportagem de Alexandre Haubrich, de
Havana, especial para o 247
Alexandre Haubrich, de Havana, especial para o 247
- “Eu não reclamo, porque, no Brasil, a
imprensa gosta muito de mim, só fala bem de mim... nasci assim, sou
assim e vou morrer assim, irritando eles”. Foi nesse tom descontraído
que o ex-presidente Lula discursou durante o encerramento da Terceira
Conferência Internacional pelo Equilíbrio do Mundo, no Palácio de
Convenções de Havana, nesta quarta-feira. Apesar das críticas à
imprensa, lua evitou mencionar a Ley de Medios argentina ou à
possibilidade de uma versão brasileira, preferindo convocar à integração
entre os ativistas latino-americanos via internet. “A gente muitas
vezes fica reclamando da imprensa. Ficamos reclamando e não fazemos o
que está ao nosso alcance", disse. "Com a internet, se tivéssemos uma
unidade na América Latina, com nossos blogs, Twitter, Facebook, faríamos
uma revolução na comunicação, e não precisaríamos mais pedir que
publicassem o que queríamos”, completou.
Lula destacou ainda que os
"ataques midiáticos" não acontecem apenas no Brasil, mas em todos os
países com governos progressistas na América Latina: “A elite dos nossos
países não gosta de nós, não é pelos erros que cometemos, é pelos
acertos que cometemos”, disse. O evento em que o ex-presidente discursou
foi dedicado ao 160º aniversário do nascimento do herói cubano José
Martí e começou na segunda-feira. A reunião contou com debates sobre
temas como meio ambiente e comunicação, passando por conferências de
Ignácio Ramonet, Atílio Boron, Frei Betto, entre muitos outros
intelectuais e políticos destacados dos mais diversos campos da esquerda
mundial.
Conferência
A Conferência reuniu delegados de dezenas de
países e os integrantes da Brigada Sulamericana de Solidariedade a Cuba,
que inclui 80 brasileiros de diversos estados. Os brigadistas estão no
país desde o dia 20 de janeiro para conhecer a realidade cubana. Na
terça, antes do lançamento do livro de Fernando Morais, Lula recebeu um
documento formulado pela Associação José Martí do Rio Grande do Sul e
apoiado pela Brigada brasileira em defesa dos “Cinco Heróis”, cubanos
que estão há 14 anos presos nos Estados Unidos depois de se infiltrarem
em organizações terroristas anticubanas. A principal sala de conferência
do Palácio de Convenções esteve lotada para ouvir Lula falar por cerca
de uma hora, tocando principalmente na questão da integração
latino-americana, antes de exaltar feitos de seu governo e convocar os
países ricos a ajudar o continente africano – temática cada vez mais
presente em todos os discursos de Lula pelo mundo. O ex-presidente
começou sua fala explicando o pequeno atraso por estar com o líder
histórico cubano Fidel Castro e haver almoçado com o atual presidente do
país, Raul Castro.
Ainda antes de apresentar o que havia preparado,
pediu um minuto de silêncio pelos mortos na boate Kissi, de Santa Maria
(RS), tema de total conhecimento e pêsames pelos cubanos. Lula também
disse estar de camisa vermelha em homenagem a Hugo Chávez, antes de ser
aplaudido de pé por todos os presentes.
Críticas
As críticas aos países
ricos começaram pelos Estados Unidos. “Os americanos têm os ouvidos
moucos quando algo se passa na América Latina. Só enxergaram a América
Latina para favorecer os golpes militares”, disse, para em seguida
criticar o bloqueio imposto a Cuba e lembrou que, além dos 160 anos de
Martí, 2013 marca os 60 do Assalto ao Quartel Moncada, evento que deu
início à Revolução Cubana, ainda antes da guerrilha que acabaria
vitoriosa em 1959. Lula afirmou que recentemente fez uma reunião com 40
intelectuais para discutir a integração da América Latina, e falou da
necessidade de criar-se “uma doutrina de integração”, com objetivos
claros. Procurando pincelar sua fala com a temática do evento, o ex
presidente brasileiro lembrou ideias de José Martí, herói da
independência de Cuba: “Martí lutou pelas causas mais justas de seu
tempo: a independência de Cuba e a libertação da América Latina. Seu
pensamento e sua ação não conheciam fronteiras geográficas e políticas.
‘Pátria é humanidade’, ensinava o líder”.
Durante mais da metade de sua
fala, Lula manteve o foco em realizações de seu governo, especialmente
no que se refere a políticas de incremento de renda. “Houve um tempo em
que o pobre era o problema, e nós provamos que o pobre é parte da
solução dos problemas do país”, disse. E garantiu que não é necessário
diploma de economia para entender a equação: “É simples: se você tem um
milhão de dólares e dá para um rico, ele vai botar na conta bancária. Se
pega esse um milhão de dólares e distribuiu um pouquinho para mil
pessoas, vai virar consumo de roupa, de comida, no dia seguinte, e a
economia vai girar”. Depois de enumerar políticas nesse sentido,
completou: “Todo esse conjunto de políticas causou uma pequena
revolução”. Em relação a uma das principais críticas da esquerda a seu
governo e a Dilma Roussef, defendeu-se: “Quando chegamos ao governo
tínhamos também um compromisso com os movimentos sociais, que atuavam
principalmente em relação a reforma agrária. Em 8 anos nós
desapropriamos 56% de todas as terras brasileiras desapropriadas em 500
anos de história”. E completou: “Não que tenhamos nada contra os
grandes, porque o agronegócio é muito importante para o Brasil, mas
quando se trata de comer são os pequenos que colocam a maior parte da
comida na nossa mesa”.
Energia A “crise energética”, tema recorrente na
mídia dominante nos últimos meses, também esteve presente no discurso de
Lula: “Eu penso que logo a presidenta Dilma vai poder anunciar a
universalização da energia elétrica no Brasil”. Ele também voltou a
exaltar o fato de ser “o presidente que mais fez universidades na
história do país” mesmo não tendo diploma universitário, e lembrou que
“nos últimos 10 anos 28 milhões de brasileiros saíram da linha da
miséria”. Ao fim de sua fala o ex-presidente tocou na questão da crise
econômica e voltou a criticar os países ricos, agora pelos gastos “para
salvar o sistema financeiro” e pela falta de ajuda à África: “Não
podemos pagar em dinheiro a dívida que temos com os africanos, então
temos que pagar com solidariedade”. Lula também convocou os países ricos
a mudar essa atitude e derrubar as barreiras ao comércio com os
africanos: “Os países africanos não querem nenhum favor, querem apenas o
direito de vender o que produzem sem as barreiras protecionistas dos
países ricos”.
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