domingo, 3 de fevereiro de 2013

Lula e o ódio das elites

Lula e o ódio das elites 

 "A elite dos nossos países não gosta de nós, não é pelos erros que cometemos, é pelos acertos que cometemos”, disse Lula em Havana.

 sábado, 2 de fevereiro de 2013

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Por Altamiro Borges
O discurso de Lula na 3ª Conferência Mundial pelo Equilíbrio do Mundo, ocorrida nesta semana em Havana, ajuda a entender porque as elites têm tanto ódio do ex-presidente e ex-líder operário. Ele tocou em vários pontos que incomodam a direita nativa e internacional. A reação da mídia privada foi sintomática. Parte dela preferiu omitir as suas palavras e ocultar Cuba, que sediou o evento patrocinado pela Unesco/ONU. Outra parte preferiu desqualificar o “último reduto do comunismo”, como noticiou a Folha, e satanizar Lula.
No que se refere à política externa, Lula fez questão de espinafrar a postura arrogante e imperial dos EUA. “Não existe mais nenhuma razão de se manter o bloqueio a Cuba a não ser a teimosia de quem não reconhece que perdeu a guerra, e perdeu a guerra para Cuba”, afirmou. Ele também conclamou o presidente reeleito Barack Obama “a ter a mesma ousadia que levou o seu povo a votar nele” e a mudar os rumos das relações políticas e econômicas dos EUA com Cuba e com o conjunto do continente latino-americano.
Após homenagear o presidente Hugo Chávez, que está internado em Havana para o tratamento de um câncer, Lula insistiu na urgência da integração soberana da América Latina. “Vocês não podem voltar para suas casas e simplesmente colocar isso [o evento] nas suas biografias. É necessário que vocês saiam daqui cúmplices e parceiros de uma coisa maior, de uma vontade de fazer alguma coisa juntos mesmo não estando reunidos [fisicamente]”. Para ele, a integração regional é decisiva para o futuro dos povos do continente.
O ex-presidente destacou os avanços promovidos pelos governos progressistas da região. “Quem imaginava que um índio, com cara de índio, jeito de índio, comportamento de índio, governaria um país e, mais do que isso, que seu governo daria certo?”, indagou Lula ao se referir a Evo Morales. Estes avanços, afirmou, despertam o ódio das elites reacionárias da região. Ele lembrou a pressão da direita brasileira para que “um ex-metalúrgico brigasse com um índio” quando o governo boliviano estatizou a empresa de petróleo.
Lula também criticou a mídia partidarizada do continente. Irônico, afirmou: “Eu nem reclamo, porque no Brasil a imprensa gosta muito de mim... Mas eu nasci assim, cresci assim e vou continuar assim, e isso os deixa [os veículos de imprensa] muito nervosos... Eles não gostam da esquerda, não gostam do Chávez, Correa, Mujica, Cristina [Kirchner] e do Evo Morales. E não gostam não por nossos erros, mas pelos nossos acertos”. Para ele, as elites não “gostam que pobre ande de avião, compre carro novo ou tenha conta bancária”.
Em Cuba, a ilha revolucionária que enfrenta o império há 53 anos, Lula enfatizou as teses progressistas que tanto incomodam a direita nativa e mundial. O jornal Estadão, que não esconde sua visão conservadora e colonizada, não vacilou em condenar as suas corajosas palavras. Em editorial raivoso nesta sexta-feira, o jornal confirmou o ódio das elites às forças de esquerda. Tratou o evento em Havana como “um daqueles convescotes ideológicos cheios de ar quente e vazios de ideias” e criticou os governos progressistas da região.
O que mais irritou o Estadão, porém, foram as críticas de Lula à imprensa partidarizada. “A mídia, a mesma que o ajudou a decolar do sindicalismo para a grande política - como certa vez, em um momento de franqueza, ele admitiu -, é o bode expiatório de há muito escolhido para livrar o PT do acerto de contas com seus próprios malfeitos”, atacou. O jornal só deixou de explicar que também ajudou a criar o clima para o golpe de 1964 e que elegeu Lula como o seu inimigo principal quando este não seguiu o seu enquadramento liberal.
 



"A elite dos nossos países não gosta de nós"

Ex-presidente Lula discursa durante o encerramento da III Conferência Internacional pelo Equilíbrio do Mundo e conclama a Améria Latina a "uma revolução na comunicação" por meio da internet. “A gente muitas vezes fica reclamando da imprensa. Ficamos reclamando e não fazemos o que está ao nosso alcance", disse. Mais cedo, ele encontrou Fidel Castro. 

Leia reportagem de Alexandre Haubrich, de Havana, especial para o 247
Alexandre Haubrich, de Havana, especial para o 247

- “Eu não reclamo, porque, no Brasil, a imprensa gosta muito de mim, só fala bem de mim... nasci assim, sou assim e vou morrer assim, irritando eles”. Foi nesse tom descontraído que o ex-presidente Lula discursou durante o encerramento da Terceira Conferência Internacional pelo Equilíbrio do Mundo, no Palácio de Convenções de Havana, nesta quarta-feira. Apesar das críticas à imprensa, lua evitou mencionar a Ley de Medios argentina ou à possibilidade de uma versão brasileira, preferindo convocar à integração entre os ativistas latino-americanos via internet. “A gente muitas vezes fica reclamando da imprensa. Ficamos reclamando e não fazemos o que está ao nosso alcance", disse. "Com a internet, se tivéssemos uma unidade na América Latina, com nossos blogs, Twitter, Facebook, faríamos uma revolução na comunicação, e não precisaríamos mais pedir que publicassem o que queríamos”, completou. 

Lula destacou ainda que os "ataques midiáticos" não acontecem apenas no Brasil, mas em todos os países com governos progressistas na América Latina: “A elite dos nossos países não gosta de nós, não é pelos erros que cometemos, é pelos acertos que cometemos”, disse. O evento em que o ex-presidente discursou foi dedicado ao 160º aniversário do nascimento do herói cubano José Martí e começou na segunda-feira. A reunião contou com debates sobre temas como meio ambiente e comunicação, passando por conferências de Ignácio Ramonet, Atílio Boron, Frei Betto, entre muitos outros intelectuais e políticos destacados dos mais diversos campos da esquerda mundial. 

Conferência 
A Conferência reuniu delegados de dezenas de países e os integrantes da Brigada Sulamericana de Solidariedade a Cuba, que inclui 80 brasileiros de diversos estados. Os brigadistas estão no país desde o dia 20 de janeiro para conhecer a realidade cubana. Na terça, antes do lançamento do livro de Fernando Morais, Lula recebeu um documento formulado pela Associação José Martí do Rio Grande do Sul e apoiado pela Brigada brasileira em defesa dos “Cinco Heróis”, cubanos que estão há 14 anos presos nos Estados Unidos depois de se infiltrarem em organizações terroristas anticubanas. A principal sala de conferência do Palácio de Convenções esteve lotada para ouvir Lula falar por cerca de uma hora, tocando principalmente na questão da integração latino-americana, antes de exaltar feitos de seu governo e convocar os países ricos a ajudar o continente africano – temática cada vez mais presente em todos os discursos de Lula pelo mundo. O ex-presidente começou sua fala explicando o pequeno atraso por estar com o líder histórico cubano Fidel Castro e haver almoçado com o atual presidente do país, Raul Castro. 
Ainda antes de apresentar o que havia preparado, pediu um minuto de silêncio pelos mortos na boate Kissi, de Santa Maria (RS), tema de total conhecimento e pêsames pelos cubanos. Lula também disse estar de camisa vermelha em homenagem a Hugo Chávez, antes de ser aplaudido de pé por todos os presentes. 

Críticas 
As críticas aos países ricos começaram pelos Estados Unidos. “Os americanos têm os ouvidos moucos quando algo se passa na América Latina. Só enxergaram a América Latina para favorecer os golpes militares”, disse, para em seguida criticar o bloqueio imposto a Cuba e lembrou que, além dos 160 anos de Martí, 2013 marca os 60 do Assalto ao Quartel Moncada, evento que deu início à Revolução Cubana, ainda antes da guerrilha que acabaria vitoriosa em 1959. Lula afirmou que recentemente fez uma reunião com 40 intelectuais para discutir a integração da América Latina, e falou da necessidade de criar-se “uma doutrina de integração”, com objetivos claros. Procurando pincelar sua fala com a temática do evento, o ex presidente brasileiro lembrou ideias de José Martí, herói da independência de Cuba: “Martí lutou pelas causas mais justas de seu tempo: a independência de Cuba e a libertação da América Latina. Seu pensamento e sua ação não conheciam fronteiras geográficas e políticas. ‘Pátria é humanidade’, ensinava o líder”. 

Durante mais da metade de sua fala, Lula manteve o foco em realizações de seu governo, especialmente no que se refere a políticas de incremento de renda. “Houve um tempo em que o pobre era o problema, e nós provamos que o pobre é parte da solução dos problemas do país”, disse. E garantiu que não é necessário diploma de economia para entender a equação: “É simples: se você tem um milhão de dólares e dá para um rico, ele vai botar na conta bancária. Se pega esse um milhão de dólares e distribuiu um pouquinho para mil pessoas, vai virar consumo de roupa, de comida, no dia seguinte, e a economia vai girar”. Depois de enumerar políticas nesse sentido, completou: “Todo esse conjunto de políticas causou uma pequena revolução”. Em relação a uma das principais críticas da esquerda a seu governo e a Dilma Roussef, defendeu-se: “Quando chegamos ao governo tínhamos também um compromisso com os movimentos sociais, que atuavam principalmente em relação a reforma agrária. Em 8 anos nós desapropriamos 56% de todas as terras brasileiras desapropriadas em 500 anos de história”. E completou: “Não que tenhamos nada contra os grandes, porque o agronegócio é muito importante para o Brasil, mas quando se trata de comer são os pequenos que colocam a maior parte da comida na nossa mesa”. 

Energia A “crise energética”, tema recorrente na mídia dominante nos últimos meses, também esteve presente no discurso de Lula: “Eu penso que logo a presidenta Dilma vai poder anunciar a universalização da energia elétrica no Brasil”. Ele também voltou a exaltar o fato de ser “o presidente que mais fez universidades na história do país” mesmo não tendo diploma universitário, e lembrou que “nos últimos 10 anos 28 milhões de brasileiros saíram da linha da miséria”. Ao fim de sua fala o ex-presidente tocou na questão da crise econômica e voltou a criticar os países ricos, agora pelos gastos “para salvar o sistema financeiro” e pela falta de ajuda à África: “Não podemos pagar em dinheiro a dívida que temos com os africanos, então temos que pagar com solidariedade”. Lula também convocou os países ricos a mudar essa atitude e derrubar as barreiras ao comércio com os africanos: “Os países africanos não querem nenhum favor, querem apenas o direito de vender o que produzem sem as barreiras protecionistas dos países ricos”.

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