domingo, 15 de setembro de 2024

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DOCUMENTÁRIOS "O ORIENTE E O OCIDENTE"

 

CONSIDERAÇÕES  SOBRE OS DOCUMENTÁRIOS “O ORIENTE E O OCIDENTE”

Os dois documentários produzidos pela EBS Documentary por pesquisadores de renomadas Universidades americanas e orientais são excelentes, muito bem elaborados e alcançando bons  resultados, nos dois episódios produzidos. Mas eles focaram mais por aspectos psicológicos e sociais gerais e não chegaram a analisar aspectos mais profundos do ponto de vista da ciência política.

Meus comentários tem a ver com aspectos geopolíticos mais abrangentes que podem comparar de maneira mais ampla as duas civilizações : as orientais e as ocidentais.

 

O PROGRESSO  DAS  DUAS  CIVILIZAÇÕES. Os analistas do documentario do EPISÓDIO 1 considera que os orientais avançaram em todas as áreas do conhecimento algumas mais do que os ocidentais em determinados períodos, e que os orientais não ficaram atrás em termos de ciência e tecnologia, por exemplo. O teorema de Pitágoras já era conhecido no Oriente, muito antes do que Pitágoras; e as matemáticas em geral se desenvolveram bem antes do que os Ocidentais; assim como em vários estágios tecnológicos estavam à frente (pólvora, imprensa, bússola, etc.). Em termos econômicos o Império Romano dominou o mundo e foi o maior PIB do mundo durante quase uns 10 séculos em sua época – IV a.C. até V dC aproximadamente.  Em seguida a China passa  a obter o maior PIB do mundo durante uns 10 séculos até o século XIX de nossa era (um quarto deste século). A partir daí passa a ser dominada pelo Ocidente e seus tentáculos imperialistas. Justamente este período é que me intriga. 

Os pesquisadores do documentário fizeram uma pergunta intrigante mas que eles não conseguiram responder adequadamente. Se o Oriente estava sempre se mantendo à frente, porque não superou o Ocidente? Porque o Ocidente ultrapassou o Oriente nos últimos séculos da consolidação do capitalismo? Exatamente essa é a questão que deve ser analisada – a ascensão do capitalismo no Ocidente. O Oriente se desenvolveu mais lentamente mas estava sempre avançando em termos gerais econômicos e científicos, mas não o suficiente para acelerar um processo de desenvolvimento rápido como aconteceu no Ocidente com o advento do capitalismo.

 

VISÕES  DIFERENTES  DO  MUNDO. E isso não aconteceu no Oriente devido às suas características culturais e sociais. No EPISÓDIO 2 do documentário, vimos que até hoje os orientais possuem uma visão de mundo mais abrangente, mais social, os indivíduos não se enxergam como um EU ATÔMICO (como os Ocidentais se veêm), mas se veêm a partir de terceiros, de como os outros podem percebê-lo – aqui o EU RELACIONAL é preponderante, porque os indivíduos se relacionam com o seu ambiente, interagem com ele, com a natureza, não se colocam acima da natureza, como os ocidentais. No Ocidente o INDIVIDUALISMO é preponderante, o indivíduo que se acha independente dos outros e acima deles, possuem  uma visão atomista em que os objetos são independentes um do outro.  No Oriente o preponderante é o EU RELACIONAL pois tudo se relaciona, os indivíduos não são considerados independentes, os objetos dependem um dos outros – o Ying e o Yang (a luz e a sombra) – eles dependem um do outro. Esta visão mais abrangente facilita uma análise mais solidária e mais realista e integrada do contexto social e econômico. A visão do mundo dos povos Orientais e Ocidentais é determinante para perceber como eles se comportam em relação a outros povos. Os orientais vêem os outros como reflexo do que eles pensam que os outros o vêem. Os Ocidentais vêm os outros a partir de si mesmo de sua individualidade, porque imaginam que eles são independentes e superiores à própria natureza.  Por exemplo, a China no auge de sua civilização nunca saiu por aí, atacando e dominando outras nações,  ou subjugando outros povos, a não ser os de dentro do seu contorno de poder (as divisões internas da China e Mongólia). Já o Ocidente se expandiu através da conquista de outros povos (que eles achavam inferiores) via violência, poder econômico e poder bélico – ou seja pela fôrça passaram a dominar povos em sua periferia na América e na África e posteriormente também na Ásia.   

 

O OCIDENTE CHEGOU PRIMEIRO AO CAPITALISMO.-  O ORIENTE VIRA COLÔNIA . Provavelmente devido às suas características culturais, individualistas, egocêntricas, preconceituosas e competitivas o Ocidente chega primeiro ao CAPITALISMO.  Os ocidentais inventaram o CAPITALISMO, ou seja o MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA, JUNTO COM  O  IMPERIALISMO para acelerar a produção de mercadorias e daí aumentar o lucro de suas empresas. O Imperialismo contribuiu bastante para este processo porque alargava o mercado e o lucro das empresas. Assim o Imperialismo passa a ser hegemônico a partir da expansão do capitalismo que em sua fase inicial vai do século XV ao século XVIII-XIX – ou seja da acumulação primitiva do capital até atingir a REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Neste período houve uma enorme transferência de riquezas da periferia para o centro do sistema, que era constituído pelos países mais avançados que iniciaram o capitalismo:  Reino Unido, França, EUA, norte da Europa e Japão. O imperialismo destes países competiam entre si para dominar e implantar um sistema colonial (junto com a escravidão) na periferia de seu sistema (Américas, África e Ásia). Estas relações entre centro e periferia, eram relações de dominação e exploração econômica – riquezas minerais, ouro e prata, commodities das colônias direto para o centro hegemônico capitalista que deste modo acumulava quantidades enormes de riquezas que eram usadas para acumular capital, acelerar o desenvolvimento do modo de produção capitalista, com aumentos significativos de mercadorias, gerando lucros e mais lucros. Assim se acumulou uma quantidade enorme de capital primitivo que foi investido e alavancou a Revolução Industrial. Esta revolução gerou um grande progresso das fôrças produtivas dos países centrais – avanços enormes das ciências e novas tecnologias, inúmeras novas invenções e novos processos produtivos que aumentavam significativamente a produtividade do capital que usava a mão de obra assalariada (com baixos salários) para gerar excedentes cada vez maiores (o aumento da produtividade junto com baixos salários aumentava a mais-valia para as empresas). A mais-valia (relativa e absoluta) crescia constantemente pelo incremento da produtividade que diminui custos relativos e assim aumentava as margens de lucro. Tudo isto dentro do mercado que se criou com o advento do capitalismo e derrocada do feudalismo, gerando demanda e oferta, produção e consumo e daí a necessidade de criar cada vez mais mercadorias para os mercados que cresciam.  Assim o Imperialismo domina o mundo a partir da Revolução Industrial e ultrapassa o Oriente, que já no século XIX vira colônia dos ocidentais e também colônia do imperialismo japonês que já tinha conseguido desenvolver a sua Revolução Industrial durante o império Meiji (1860 em diante). Os EUA e Reino Unido e França entram na China, Índia, Vietnam, etc. . Os japoneses entram também na China e  Coréia. E cada um destes impérios extraem mais-valia para acumular capital e desenvolver suas economias mais desenvolvidas no mundo ocidental, que se tornam o centro do sistema mundial. Mas vejam que eles conseguem este avanço enorme de seu sistema econômico capitalista usando o imperialismo como arma, usando o poder bélico, violência, guerras e dominação pela fôrça. É assim que o Imperialismo se desenvolve. Na fase inicial de constituição do sistema eles competem entre si, até o começo da II Guerra Mundial.

 

O IMPERIALISMO DOMINA O MUNDO. A partir da II GGM, os EUA passam a dominar todo o sistema mundial como potência hegemônica capitalista. Mas a partir da queda da URSS em 1991 os EUA passam a ser uma potência única no chamado MUNDO UNIPOLAR.

Pode se notar que durante todo o período Imperialista até hoje (XV-XXI) as relações entre o centro hegemônico e a periferia do Sul Global foram relações de dominação e dependência e de transferência de renda da periferia para o centro. Percebe-se facilmente que enquanto o centro se torna cada vez mais rico e desenvolvido, a periferia vai se tornando pobre e subdesenvolvida. Os países da periferia não conseguem se desenvolver nem melhorar a vida de sua população  – o subdesenvolvimento gera pobreza, fome e concentração de renda. Durante todo este período, qualquer tentativa de romper estes laços de dependência com o imperialismo, resultava em golpes de estado, intervenção militar, derrubada de governos mesmo sendo democráticos para evitar que estes países pudessem se desenvolver e adquirir autonomia e independência em seu próprio desenvolvimento. O Imperialismo considera que os países que não obedecem às suas regras ou não se tornam submissos às suas regras são considerados "inimigos do império" porque desenvolvem uma política externa independente e não condicionada às regras do Ocidente (Rússia, China, Irã. Venezuela, Cuba, etc.) e por isso estão sujeitos às sanções econômicas dos EUA, Europa, etc. o que prejudica bastante suas economias e o seu comércio externo. Cuba ficou enormemente prejudicada com estas sanções. Rússia hoje é o país que mais possui sanções do Ocidente, mas a Rússia conseguiu driblar estas sanções, por razões internas (as empresas estrangeiras que saíram foram substituídas por empresas nacionais, entre outras) e externas (aumentou bastante o comércio com a China), chegando mesmo a crescer economicamente. Neste caso as sanções resultaram em um bumerangue contrário aos interesses originais do Império. 

 

MAS O MUNDO COMEÇA A MUDAR COM O ADVENTO DO SOCIALISMO. ....A partir das Revoluções Socialistas do século XX, as coisas começam a mudar..... começando com a Revolução Russa de 1917, cuja experiência alternativa foi interessante (baseada principalmente em empresas estatais) mas não suficiente para sustentar o processo a longo prazo e terminou se dissolvendo em 1991. Durante este período temos o MUNDO BIPOLAR. A partir da queda da URSS, os EUA passam a ser potência única hegemônica constituindo o MUNDO UNIPOLAR. A dominação e a exploração pela fôrça controla todo o sistema mundial até que surge uma nova potência econômica alternativa. A China que fez sua revolução socialista em 1949, descobre um novo modo  de desenvolvimento econômico, usando as fôrças produtivas capitalista privadas do Ocidente para o seu próprio desenvolvimento, mas contando sempre com controle efetivo do Estado. O Estado passa a direcionar o desenvolvimento econômico e passa a distribuir a renda e melhorar as condições sociais de vida de sua população. Com este modelo a China consegue crescer a taxas altíssimas e acelerar o seu crescimento econômico como nunca visto na histórica econômica mundial – é o que os chineses chamam “socialismo de mercado” ou “socialismo com características chinesas”. Assim a CHINA se torna a maior potência econômica do planeta na última década. A partir do desenvolvimento da China e a recuperação econômica da Rússia de Vladimir Putin (que ultrapassa os EUA em termos de poderio bélico), o mundo passa a adquirir um contorno de MUNDO MULTIPOLAR. Pois países como Rússia e China não aceitam ingerência interna do Imperialismo - são países que possuem uma política externa independente e como tal são vistos como "inimigos dos EUA", ou seja contra os interesses do Imperialismo capitalista. Nesta lista incluem Irã, Cuba, Venezuela, etc.  Cada vez mais o Oriente se expande e cresce aceleradamente ultrapassando os níveis do Ocidente. Mais potências surgem e contrapõem o poderio do Império americano. O Império Ocidental se torna cada vez mais decadente, enquanto que o Oriente se desenvolve e aponta novas saídas ao controle hegemônico ocidental. Os sinais são evidentes de que o MUNDO MULTIPOLAR está se constituindo e fica cada vez mais evidente para os países do  SUL GLOBAL  (outrora chamado Terceiro Mundo ou países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento ou mesmo países periféricos do capitalismo) que é melhor eles se aliarem à Rússia e China do que se aliarem ao mundo imperialista. Está havendo um consenso no mundo periférico ou seja dos países mais pobres e subdesenvolvidos de que eles não vão ganhar nada com o Ocidente e de que a aliança com o Oriente é muito mais vantajosa para eles. Os BRICs se expandem e cada vez mais países estão se afastando de suas relações com o mundo imperialista dos EUA e Europa.

 

Daniel Miranda Soares é economista com mestrado em política e ex-professor de Economia.

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