DOMENICO LOSURDO - Os comunistas e a revolução anticolonial mundial. Entrevista de Domenico Losurdo à TV BOITEMPO por ocasião do lançamento de seu livro GUERRA E REVOLUÇÃO.
A Revolução de Outubro foi o começo da revolução anticolonial mundial. O centenário da Revolução de Outubro é, certamente, a ocasião para se discutir o significado do século XX.
Metodologicamente, eu escrevi... neste livro, eu citei um historiador francês chamado Edgar Quinet. Quinet, ao discutir o significado da Revolução Francesa, escreveu que para entender a Revolução Francesa temos que considerar não apenas a França, mas o mundo inteiro. Porque a França talvez não seja o país que mais se beneficiou da revolução. E eu acredito que esta metodologia é muito importante. Nós não podemos entender a Revolução Francesa se nós concentrarmos a nossa atenção apenas na França, apenas em um país..
O significado dessa revolução não pode ser entendido se nós abstrairmos da grande revolução anticolonial que aconteceu em São Domingos, atual Haiti. No despertar da Revolução Francesa, nós vemos em São Domingos uma colônia habitada em maioria por pessoas negras escravizadas e nós tivemos uma grande revolução anticolonial. Nós vemos uma revolução onde o líder foi Toussaint Louverture, um homem negro escravizado. E, na minha opinião, ele é um campeão da causa da liberdade e que tem um lugar importante no panteão de heróis da liberdade. Toussaint Louverture foi o primeiro a combater a escravidão Esse país, São Domingos, o Haiti, se tornou o primeiro país do continente americano a ser livre da escravidão. Não os Estados Unidos!
O primeiro lugar livre da escravidão foi São Domingos. Essa revolução é uma grande data da História mundial. E essa revolução foi, certamente, uma consequência da Revolução Francesa, foi o resultado da ala mais radical da revolução francesa. Mas a historiografia tradicional fala da Revolução Francesa sem falar da grande revolução negra. E nós já vemos aí as características do revisionismo histórico. A abstração da questão colonial, a abstração da contribuição dos povos colonizados para a derrubada da escravidão, para a derrubada do despotismo e para a afirmação da liberdade.
E o que eu disse agora sobre a Revolução Francesa é ainda mais válido se considerarmos a Revolução de Outubro. A Revolução de Outubro não pode ser entendida se nós considerarmos apenas a Rússia e a Rússia soviética. A Revolução de Outubro foi o começo da revolução anticolonial mundial. Isto é, se nós considerarmos o significado da História contemporânea desde a Revolução Francesa até hoje nós vemos o sistema mundial baseado na escravidão e dominação colonial sendo derrubado primeiro pelos jacobinos, por Toussaint Louverture e, mais tarde, pelos comunistas...pelo movimento comunista. Isto é, uma grande contribuição para a causa da liberdade dos jacobinos, primeiramente, e, mais tarde, para os comunistas, foi silenciada pela ideologia dominante e pela historiografia dominante. E esse silenciamento é, ao mesmo tempo, a reabilitação da tradição colonial, porque a opressão colonial é considerada por essa historiografia como algo que não é muito importante.
Apenas a História da comunidade branca é importante.A opressão das colônias e das pessoas de origem colonial é considerada de pequena importância. Apenas desta forma, nós podemos entender a ideologia dominante segundo a qual os EUA foi o primeiro país democrático na História mundial. O que eles chamam de primeiro país democrático foi o país onde negros eram escravizados e os indígenas exterminados. Mas, para a ideologia dominante isso não tem grande significância.
POR QUE LER DOMENICO LOSURDO? Vídeo da BoiTempo em que Jones Manoel comenta as obras de Domenico Losurdo, logo após o seu falecimento em 2018.
Salve galera porque ler Domenico Losurdo - um intelectual marxista italiano que faleceu recentemente e sua obra se configura como a contra-história da modernidade burguesa. A obra de LOSURDO tem quatro vetores fundamentais - ele realiza a contra história do liberalismo ou seja ele tira o liberalismo de um mito construído pela classe dominante que é uma ideologia política que sempre garante os direitos individuais à democracia, analisando por exemplo a relação íntima entre liberalismo e escravidão - também traz a questão colonial para o centro da análise histórica - então o que foi os processos de colonização em toda modernidade burguesa e que existem até hoje - a questão colonial que normalmente é apagada justamente pelos intelectuais liberais e ideólogos da ordem dominante para criar essa ideia de um capitalismo democrático civilizado que garante os direitos individuais – não ressaltam a realidade da periferia do sistema das colônias. LOSURDO também a partir dessa análise crítica do liberalismo da questão colonial propõe uma releitura da história do movimento comunista especialmente das experiências socialistas no século 20 buscando combater todos e cada um dos mitos que tem como objetivo demonizar a história e a identidade comunista. LOSURDO foi intelectual que enquanto vivo nunca fugiu das brigas fundamentais do seu tempo. Seu livro Stalin - história crítica de uma lenda negra e também Guerra e Revolução sustentam que as principais leituras historiográficas sobre as experiências socialistas estão equivocados. A partir da obra de LOSURDO podemos por exemplo derrubar o mito do totalitarismo que tenta aproximar como se fossem projetos políticos gêmeos, o nazismo e o fascismo e o socialismo soviético. Aliado a isso propõe uma reconstrução do marxismo com bases não eurocêntricas, considerando a questão colonial e a questão nacional como centro da estratégia revolucionária –essa perspectiva perpassa toda a sua obra mas foi expressa de maneira sintética no livro recentemente lançado pela Boitempo “o marxismo ocidental” - a obra de LOSURDO é fundamental para todo comunista mas particularmente para o comunista que atua na periferia do sistema capitalista como é o caso de todas as lutadoras e lutadores sociais que estão no Brasil. A partir de LOSURDO nós podemos derrubar os mitos da ideologia dominante e combater o liberalismo, entender o verdadeiro sentido da democracia popular radical para os trabalhadores defender a soberania nacional dos povos em luta contra o imperialismo e ter uma visão crítica das experiências socialistas de ontem e de hoje. Como intelectual polêmico nunca se furtou a crítica e autocrítica sua posição sobre a China por exemplo é minoritária no movimento comunista É o tipo de intelectual que você pode não concordar com muitos aspectos de sua obra mas sem dúvida a leitura é instigante. Me apropriando de um texto de Fannon eu diria que LOSURDO é um intelectual dos condenados da terra, ele pensa o marxismo e a crítica ao capitalismo à partir da periferia do sistema. É um intelectual que mesmo sendo italiano escrevendo da Europa sua obra tem muito sentido para as lutas do povo palestino coreano venezuelano brasileiro cubano e assim por diante. É um intelectual indispensável e fundamental pra pensar o processo de construção da revolução brasileira e da renovação do marxismo - um sentido crítico revolucionário fugindo de qualquer eurocentrismo anti comunista, por isso é fundamental ler com muita atenção a obra do professor Domenico Losurdo não só um professor como um intelectual profundamente comprometido com o movimento comunista e com as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo. Eu sou Jones Manoel sou professor de história e educador popular e militante comunista que como vários militantes no Brasil aprendeu muito com a obra do professor LOSURDO e com vários outros marxistas que para além de tentar melhorar esse sistema que não têm possibilidade de melhora a não ser uma outra sociedade em que um outro mundo é possível e busca transformar radicalmente a ordem dominante com vistas a construir uma sociedade socialista.
A IMPORTÂNCIA DE DOMENICO LOSURDO. Desvendando mitos sobre Liberalismo e Questão Colonial, mentiras sobre o Stalinismo e críticas ao Marxismo Ocidental.
QUESTÃO COLONIAL. Domenico Losurdo deixa claro na entrevista em que concedeu à TV Boitempo no Brasil que o Liberalismo burguês é uma falácia – tanto em termos liberais quanto democráticos – pois defende a liberdade ao mesmo tempo que a escravidão (uma questão menor para eles) quanto uma democracia livre (em que os direitos não são iguais para todos). Uma liberdade com racismo, discriminação e preconceitos vários e direitos discriminados e em consequência chegam até a justificar o genocídio – genocídio contra negros e indígenas. Democracia que justifica a SUPREMACIA BRANCA? QUE DEMOCRACIA É ESTA?
STALINISMO. Domenico Losurdo também contribui muito junto com outros autores de seu tempo para desmistificar e desmentir o MITO DO STALINISMO. Losurdo concorda com Ludo Martens. um historiador e presidente do Partido dos Trabalhadores da Bélgica, que publicou o livro Stálin – um novo olhar onde procura esclarecer e desmentir ideias sobre o mesmo, classificando-as como exageros, mentiras e invenções da mídia capitalista e anti-comunista a cerca do líder soviético. As mentiras e mitos foram desvendados a partir da abertura dos antigos arquivos secretos soviéticos realizados após a queda do regime soviético, da glasnost e perestroika (arquivos da KGB inclusive). Autores como Robert Thurston, John Arch Getty, Losurdo e Grover Furr, debruçaram-se sobre estes arquivos. Grover Furr afirma que Khrushchev mentiu em seu relatório de 1956. .Nenhuma das "revelações" concretas de Khrushchev sobre Stalin ou Beria se revelou verdadeira. Entre aqueles que puderam ser verificados com dados, todos eram falsos.. O historiador americano Robert Thurston, que publicou em meados da década de 1990 a monografia científica Life and Terror in Stalin’s Russia – 1934-1941, revelou as seguintes conclusões : o sistema de terror stalinista na forma em que foi descrito por gerações anteriores de pesquisadores (ocidentais) nunca existiu; a influência do terror na sociedade soviética durante os anos de Stalin não foi significativa; não havia medo em massa de represálias na década de 1930 na URSS; a repressão foi limitada e não afetou a maioria do povo soviético; a sociedade soviética preferia apoiar o regime stalinista do que temê-lo. Assim todo o discurso anti-stalinista criado no pós-guerra pelos ideólogos da Guerra Fria, principalmente aproveitando o relatório mentiroso de Khrushchev, foi indispensável para o sucesso do imperialismo. A partir, deste momento, o imperialismo e sua agência de inteligência, passaram a atuar ainda mais intensamente no combate ideológico anticomunista aproveitando-se da confusão instalada por Khrushchev. Os intelectuais que antes saudavam o heróico Uncle Joe da II Guerra Mundial, passam a compará-lo a Hitler, com intenções distintas dentro da direita e, também da “esquerda”. Aqui a propaganda anticomunista chega ao seu ponto primordial, explora a imagem comum entre ambos países, como antros do totalitarismo, para assim vender a idílica democracia liberal burguesa como a única via possível. Muita gente diz e esta é a verdade, que a Guerra Fria foi uma verdadeira guerra de narrativas em que a versão ocidental venceu amplamente, convencendo até mesmo os intelectuais da esquerda européia, que se tornaram anti-stalinistas e criaram o eurocentrismo.
MARXISMO OCIDENTAL X MARXISMO ORIENTAL...
LOSURDO critica os marxistas ocidentais por analisarem o mundo num tipo de abordagem eurocêntrica, centrada apenas na visão do desenvolvimento capitalista na Europa (feudalismo > capitalismo > socialismo > comunismo), diferente da abordagem do marxismo oriental, que sem esquecer a luta de classes centra sua abordagem na luta anti-colonial e anti-imperialista. O marxismo ocidental queria excomungar o marxismo oriental, mas acabou sendo excomungado. Ele mesmo se definha e praticamente morre absorvendo parte da doutrina burguesa liberal, se contradiz e acaba concordando com as críticas liberais burguesas ao analisarem as experiências orientais. Os marxistas ocidentais no pós-guerra fria abominaram as experiências soviéticas e chinesas e desta forma sucubem à sua própria interpretação, pois ficaram presos às suas críticas tipicamente liberais burguesas. Dentre estes intelectuais eurocêntricos, o autor cita Perry Anderson (trotskista contra a União Soviética), Hannah Arendt, Michel Foucault, Giorgio Agamben, Antonio Negri, Slavoj Zizek, Max Horkheimer, Althusser, Marcuse, Adorno, Bloch, etc. Estes intelectuais acabaram defendendo o Imperialismo “democrático” que impuseram ditaduras e escravidão no Terceiro Mundo.
No Oriente (e na prática em todos os países onde os comunistas conquistaram o poder) o problema prioritário para os dirigentes políticos não era promover a “desintegração do aparelho estatal”, mas outro bem diferente : como evitar o perigo da submissão colonial ou semicolonial e de que maneira superar o atraso em relação aos países industrialmente mais avançados.
O Ocidente ao ganhar a guerra fria, praticamente mata o marxismo ocidental. Existia a visão de que o Ocidente era livre e democrático e o Oriente dominado por ditaduras totalitárias e cruéis. Acontece que os marxistas no Ocidente negaram em suas análises, que as potências capitalistas ocidentais na verdade colocavam em prática políticas discriminatórias imperialistas tão ou pior do que os regimes totalitários. Daí que os marxistas sumiram durante um bom tempo na Europa. E vários marxistas ocidentais assumiram esta visão condenando os regimes orientais. Só agora, os ocidentais estão percebendo as diferenças entre os dois e começando a entender que a luta deveria na verdade, ser uma só.
Daniel Miranda Soares é economista formado pela UFMG e mestre pela UFV, e ex-professor de História Econômica e Economia.
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